PEDALAR É PRECISO!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

GENO-SIDA



Li ontem no Público uma história que me pareceu interessante, às vezes acontece. Mas será a história mesmo interessante? Não é propriamente uma história que possa servir de exemplo, mas ela é elucidativa quanto aos tempos que vão correndo, se bem que se calhar sempre foi assim. Não nos armemos em juízes porque, para juízes, já nos chegam os cromos que mandam na nossa “justiça”. Mas não é uma história banal, donc primeira razão para ela me parecer interessante.

Conta-se em poucas palavras o enredo.

Uma jovem inglesa, estudante de doutoramento, decide ir viver para Londres, é ambiciosa, claro, isso não tem mal nenhum, antes pelo contrário. Mas, ao fim de algum tempo, descobre que as coisas afinal não são bem como esperava, fica sem dinheiro, não pode pagar a renda da casa, and so on. Dilema óbvio, que fazer?

Arranjar um emprego, mas isso roubaria demasiado tempo ao seu doutoramento. Encontra então uma inesperada e improvável fonte de rendimento, why not, call girl.

Esta nova actividade, além de se revelar muito rentável, alimentará a sua inspiração em divagações literárias num blogue a que dá o cinéfilo nome de Belle de Jour, provavelmente a Catherine Deneuve terá ficado sensibilizada e o Luis Buñuel, se ainda fosse vivo o que infelizmente não é o caso, ainda mais, porque ele perdia-se mesmo por este tipo de personagens.


O blogue teve imediatamente muito sucesso, não se conhecia a identidade da(o) autora(o), agora sabe-se, a senhora saiu do armário, é uma conceituada investigadora de uma universidade inglesa. End of the history na parte que me interessa.

Porque a parte mais exemplar que me sugere este caso de uma inglesa de sucesso, liberal, sexy e pragmática são outros comércios sexuais que se vão praticando por esse mundo fora, comércios que têm a ver com miséria, morte e genocídio.

O comércio de mães de família africanas, sozinhas porque o marido provavelmente emigrou à procura de emprego, mulheres cujo último recurso para dar de comer aos filhos é ganhar alguns cobres em comércio sexual sem qualquer protecção.

Pode acontecer, é a probabilidade mais certa, que um dos seus parceiros seja alguém de passagem, um viajante que vai parando aqui e acolá, se vai infectando e, enquanto pode, vai continuando na sua transumância letal.


Um estudo feito há uns anos junto de motoristas de camiões de longo curso que faziam o percurso entre o Uganda e Moçambique mostrou que as taxas de seroprevalência destes viajantes por obrigação podia chegar aos 80%!


Bombas rolantes, camiões-caixão, quem poderá travar este vaivém?


Dados das Nações Unidas, desactualizados: em 2003, existiam em todo o mundo 37,8 milhões de infectados pelo vírus da sida, dos quais 25 milhões viviam na África subsaariana. Em 2006, 4,3 milhões de pessoas ficaram infectadas, 65% das quais eram africanas, houve 2 milhões de mortos ao sul do Saara, é claro que se trata de um genocídio. Por que não se fala dele?


Perdão, o papa falou em Março deste ano antes de iniciar a sua romaria a África, disse que isso do preservativo não resolvia o problema, antes pelo contrário! Adelante.


Também a Winnie Mandela, cuja elevada estatura moral é, como se sabe, universalmente reconhecida, vai no mesmo sentido: “enquanto mães da África do Sul, achamos que o remédio é a abstinência.”


Les grands esprits se rencontrent. O saudoso presidente Bush filho também defendia a abstinência e a fidelidade para combater o flagelo e, coerente com o seu ponto de vista, arregimentou um bando de fanáticos religiosos que foram pregar a boa nova para África. Comércio vergonhoso este, incomparavelmente mais vergonhoso que qualquer comércio sexual: os generosos dólares do plano PEPFAR (não sei o que é que isso quer dizer) eram recusados a quem andasse a defender preservativo. No safe sex, no sex at all!

Nos países chamados desenvolvidos, a sida evoluiu para doença crónica, tratável, graças às terapêuticas de combinação de medicamentos retrovirais.


Em África, não há prevenção, não há retrovirais gratuitos, a sida continua a ser uma doença sócio-económica que alastra, se alimenta da ignorância, da passividade criminosa dos governos, se alimenta de muitas misérias, da miséria que conduz muitas mulheres indefesas à prostituição e a comportamentos de risco, ao negócio sexual que faz ao mesmo tempo vítimas e carrascos neste genocídio silencioso de que não se fala.


No news, good news é um aforisma que não se aplica aqui. A sida já não é notícia, isso é uma péssima notícia.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

SUBORNOS



“Não conhecia em toda a cidade uma pessoa honesta. O meu pai [arquitecto] aceitava subornos e estava convencido de que lhos davam por respeito às suas qualidades espirituais; os alunos do liceu, para passarem de ano, iam morar nas casas dos professores que lhes cobravam por isso quantias enormes; a mulher do comissário militar, por alturas do recrutamento, levava dinheiro aos recrutas, aceitava mesmo convites para almoçar e até, uma ocasião, na igreja não conseguia erguer-se dos joelhos porque estava bêbada; durante o recrutamento, os médicos também aceitavam subornos, e o delegado de saúde e o veterinário impuseram tributo aos talhos e restaurantes; na escola distrital vendiam-se diplomas que concediam privilégios de terceira categoria; os bispos auxiliares sacavam dinheiro dos clérigos subordinados e estes dos sacristães; nas administrações municipal, urbana, médica, etc. gritavam às costas de cada peticionário: ‘Tem de agradecer!’, e o requerente voltava atrás para desembolsar trinta ou quarenta copeques de gratificação. E os que não recebiam subornos, como os funcionários dos tribunais, por exemplo, eram arrogantes, em vez da mão, cumprimentavam com dois dedos, destacavam-se pelas suas opiniões frias e limitadas, jogavam muito às cartas, bebiam muito, casavam-se com herdeiras ricas, e exerciam, sem sombra de dúvida, uma influência nociva e depravadora na sociedade. Apenas as meninas davam a sensação de pureza moral; a maioria delas tinha ambições sublimes, almas honestas e puras; mas essas não conheciam a vida e acreditavam que os subornos eram pagos por respeito das qualidades espirituais dos subornados e, depois de casadas, envelheciam rapidamente, decaíam e afogavam-se com desespero no lodo de uma existência vulgar, pequeno-burguesa.”


Anton Tchékhov, “A minha vida. História contada por um provinciano”, in:

Contos de Tchécov, volume V, Tradução (do russo) de Nina Guerra e Filipe Guerra, Maio de 2006, Relógio d’Água Editores, Col. Clássicos, Lisboa

MUROS



Em 1938, na Kristallnacht de 9 de Novembro, começou a solução final nazi de extermínio dos judeus, o holocausto que custou a vida a seis milhões de homens, mulheres e crianças.


Cinquenta e um anos depois, dia por dia, ocorreu também na Alemanha outro acontecimento marcante da história do século XX, a queda do muro soviético de Berlim. Rompeu-se nesse dia a cortina de ferro que durante anos protegeu o paraíso comunista. Mas, ao contrário de Adão e Eva, os berlinenses não foram expulsos do paraíso, eles saíram de livre vontade, arrombaram com o muro com um murro de liberdade.


O que tem a ver a Kristallnacht nazi com o muro de Berlim?





Tem a ver com os caminhos da humanidade no século passado, não os caminhos da grande Humanidade, o que é uma fantasia decalcada da ideia muito alemã de Weltanschauung, ideia de totalidade, de sistema global, visão global do mundo, soluções globais. Fantasia que exclui por razões óbvias a ideia de liberdade individual, a liberdade dos humanos.


A humanidade dos humanos é outra coisa, somos todos seres diferentes, altos, baixos, mulheres, homens, judeus, crianças, asiáticos, africanos, pobres, ricos, remediados, inteligentes, menos dotados. Seres humanos com direitos, seres livres, que no passado lutaram e continuam a precisar de lutar por esses direitos.


Apesar de todas as retóricas sobre a Humanidade e os direitos humanos, o séc.XX não foi o século da liberdade, houve genocídios, chacinas, colonialismos, terríveis guerras e muitas outras infâmias e crimes.


Mas pode acontecer, sabe-se lá, que em 9 de Novembro de 1989 tenha começado um século diferente. A esperança é a última coisa a morrer.




A muralha da China começou a ser erguida cerca de 200 anos antes de Cristo, tinha uma função defensiva, mas, apesar da grandeza e da extensão das suas fortificações, que chegaram a atingir cerca de sete mil quilómetros no século XV, ela não impediu as repetidas incursões de mongóis e outros invasores. No séc. XVI, chegou-se à conclusão que não servia para nada, foi abandonada, ficou o património turístico.


Depois da queda do muro comunista, nasceram novos muros políticos e arquitectónicos. O que nos ensina a queda do muro de Berlim e o abandono da muralha da China é que esses novos muros, que ainda subsistem, serão certamente derrubados e esse derrube poderá não levar muito tempo a acontecer. No fim da história, tal como em Berlim, entrarão em cena os negociantes de recordações e de pedras da opressão.




O chamado Muro da Cisjordânia não serve apenas para separar Israel da Cisjordânia. 80% do muro mandado construir em 2002 por Sharon situa-se em território fora das fronteiras israelitas e protege colonatos construídos em terra palestiniana. Quando estiver terminada a construção, graças aos seus mais de 700 quilómetros, cerca de 10% da Cisjordânia ficará a pertencer a Israel.


Noite de Cristal e muro de Berlim têm, assim, outra conexão terrível. É que a incoerência humana em relação aos direitos fundamentais pode ultrapassar todos os limites imagináveis. Quem no seu perfeito juízo pode justificar que os judeus, vítimas do holocausto nazi, possam agora sequestrar 450.000 palestinianos numa prisão cercada por uma cortina de betão?


Gigantesco ghetto que encerra um mundo pior do que era o mundo soviético: proibidos de viajar, impedidos de trabalhar, o que resta aos palestinianos cercados? Deitar bombas?


Talvez porque tenham a consciência pesada, os americanos pouca importância têm dado ao significado, às consequências desta arquitectura totalitária israelita, que em grande parte é financiada por dólares do tio Sam.


É que eles próprios, americanos, fabricaram também um muro, mas mais ambicioso de quase mil quilómetros, sofisticado, com várias barreiras, iluminação eléctrica de alta intensidade, sensores, detectores pessoais, helicópteros armados, tudo em grande: 2.400 milhões de dólares para a construção, mais 6.500 milhões para a manutenção durante os próximos 20 anos, talvez o custo de várias muralhas da China.


Mas os custos que deveriam contar são outros, os custos em vidas humanas: cerca de 6 mil pessoas já morreram ao tentar passar a fronteira, contas que pecam talvez por defeito. Contas feitas desde 1994, ano em que o por muitos apreciado democrata presidente Bill Clinton criou o dito muro.



Ó Clinton, porque é que mandaste construir o muro? Para impedir a entrada de indesejáveis imigrantes mexicanos, responderá ele.


O que é curioso, se assim se pode dizer, é que uma grande parte do território sob vigilância de mais este muro da vergonha era pertença há muito tempo do México, o que confirma, se isso fosse necessário, que o que prevalece é sempre a lei do mais forte.


Mas as leis do futuro são incertas e podem ser simpaticamente irónicas. Antecipemos que talvez um dia aquela sofisticada fortaleza possa servir para proteger o México da entrada de indesejáveis imigrantes americanos ilegais.


Muitos políticos, mesmo os democratas, gostam de construir muros para sequestrar, para reprimir, para castigar. Mas há muitas maneiras de o fazer. No tempo do Salazar, muitos condenados pelos tribunais políticos eram desterrados para sítios com mar à volta, Timor, Açores, por exemplo.


Em Itália, Mussolini fazia o mesmo, era o chamado confino, os confinati.


Na Birmânia, a ditadura militar confinou Aung San Suu Kyi num sítio com água à volta. Separou-a do marido, separou-a dos filhos. Uma mulher que resiste pela liberdade, pela humanidade. Uma mulher que a humanidade que temos em nós deve amar.



No nosso quotidiano, quando nos levantamos e vamos pela rua, quando por acaso olhamos o céu, a luz do sol, a água que corre no Tejo e os barcos que nela se passeiam, devíamo-nos dar conta de que estamos rodeados de maravilhas que dão sentido à nossa humanidade. A verdade é que não nos extasiamos, temos pressa, não reparamos nos muros que não nos deixam ver o que há à nossa volta.

Muros que não são apenas os condóminos fechados, os lugares reservados, os sinais distintivos de classe, com os sem-abrigo lá fora, sem tecto, sem muros, sem paredes, nem janelas.


São também aqueles muros que tornam as pessoas incomunicáveis, distantes, indiferentes.


As pessoas que moram no mesmo prédio, que se cruzam todos os dias nos mesmos sítios e que não dizem bom dia, olá como está.


As pessoas que se olham de lado, que comentam entre dentes o decote mais ousado, o marido mais jeitoso, as calças mais apertadas. Talvez inveja, ou mais provavelmente muros que cada um ergue dentro de si para não ver a humanidade que está ali perto.





Robinson Crusoe e Sexta-Feira, lembram-se da história de Daniel Defoe?


É uma história de amor pela humanidade, porque nós humanos não podemos viver sozinhos, precisamos de gente à nossa volta, precisamos de comunicar com a diferença.


Estamos todos numa espécie de arca de Noé e só juntos nos podemos salvar do naufrágio de valores e derrubar os muros e fortalezas que ameaçam as nossas liberdades e a nossa humanidade.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O IDIOTA E A PIETÀ

Estava a começar a ver o Rashomon do Kurosava, a cena inicial do templo em ruínas, a bendita chuvada que cria a trama do filme, com o monge budista e o lenhador que começam a contar a um outro tipo, que não se sabe o que é que faz, a história do samurai que apareceu morto na floresta.
É um filme sobre o jogo da verdade, a verdade não existe, cada um inventa a que lhe convém, mas a esperança na humanidade renasce sempre, é o que diz, no fim do filme, a cena do lenhador com o bebé nos braços, é um pouco o sentido do filme.

Neste filme, do que gostava mais era da chuva forte nas ruínas que ritma a conversa daqueles três. Começava a ficar embalado para ver a história até ao fim, mas de repente tocaram à porta.

Abrir a porta a alguém tornou-se raro, mesmo improvável. As pessoas já não se visitam, a não ser que sejam convidadas, telefonam-se, encontram-se na net, emailam-se, combinam encontrar-se fora, encontram-se nos intervalos do trabalho quando vão comer ou beber qualquer coisa à pressa.
O elevador há muito que estava avariado, isso já fazia parte do décor, alguém que se dava ao trabalho de subir as escadas até ao sexto andar para tocar à campainha, quem seria?

Ficou mudo, hirto, sem saber o que dizer. Era a vizinha do terceiro andar, há muito que não a via.

Quando às vezes se cruzava com ela na escada, tentava imaginar que idade teria, talvez mais de setenta, mas a verdade é que não sabia avaliar para além duma certa idade. Nela, tudo era extraordinário, não apenas porque continuava a ser uma mulher muito bonita. Tinha estilo, olhar desafiante mas amigável, não era agressiva antes segura.

Tinha uma espécie de aura, de luz, diferente daquelas fosforescências que se representam à volta da cabeça dos santos. A aura dela era a da Maria Callas quando cantava vestida de Norma. Era isso.

Nos momentos em que se cruzavam, sentia a necessidade de meter conversa, de interpelá-la. Mas ficava intimidado, era como se a mulher não pertencesse ali. Meter conversa como? Não era uma cena de discoteca. Mas a sua curiosidade ia aumentando. Ela irradiava um porte inatingível, um esboço de sorriso de Gioconda. Provavelmente somava séculos de linhagem a aprender a estar, a andar, como brilhar no mundo, em sociedade, a arte de seduzir.

E agora este surpreendente objecto do seu fascínio e curiosidade estava ali à porta, mas instintivamente sentiu que ela tinha mudado, como se tivesse envelhecido de repente.

- Desculpe incomodá-lo, a minha nora telefonou-me, o meu filho está muito doente, tenho que respirar com alguém ao meu lado. Talvez possamos conversar, não sei o que fazer…Peço desculpa.
Atrapalhado, convidou-a a entrar, ela sentou-se no sofá, foi-lhe buscar um copo de água.

- É curioso que esteja a ver um filme do Kurosawa, de que gosto muito. Sempre fui cinéfila. Quando vivia em Paris, passava o tempo na cinemateca de Chaillot, acho que vi os filmes todos, mas o meu preferido do Kurosawa é um filme de que nunca se fala, é O Idiota que foi feito um ano depois do Rashomon, no princípio dos anos 50. E os actores dos dois filmes são praticamente os mesmos, o que faz de samurai é o actor que representa o papel do príncipe Mychkine.

- Nunca tinha ouvido falar desse filme do Kurosawa, parece-me que o Gérard Philippe entrou numa versão francesa do livro do Dostoiewsky, mas nunca a vi…

- Sim, o Gérard Philippe, os franceses…Sabe, as histórias do Dostoiewsky pertencem a outro planeta, o Kurosawa percebeu isso muito bem, é um filme japonês, não é russo, mas provavelmente seria preciso alguém como o Tarkowsky para fazer um filme russo d’ O Idiota… Isto não terá a ver com nacionalidades, serão talvez afinidades escondidas que se transmitem no tempo apenas entre pessoas que vêm do mesmo planeta… Desculpe ter interrompido o seu filme e estar para aqui a filosofar.

- Conheço mal os escritores russos, li uma vez uma coisa do Turgueniev, já não me lembro do título…

- O Dostoiewsky detestava o Turgueniev, era demasiado parisiense para a sua alma russa, eram incompatíveis. O Dostoiewsky era muito fascinado pela figura do Cristo e há quem diga que o príncipe Mychkine reproduziria a imagem do Cristo, um Messias de quem todos estavam à espera de salvação, amor ou dinheiro…
Mas, Mychkyne não tinha pai, não tinha mãe e, no final, todos os que o cortejavam ou o amavam cortam com ele, e o príncipe volta para a sua solidão… para a sua loucura…para a sua tristeza… Choca-me a tristeza do príncipe idiota que não era deste mundo… É uma coincidência estranha ter vindo bater à sua porta e estarmos aqui a falar do Dostoiewsky e dos filmes do Kurosawa…

Gostava de poder interrompê-la, oferecer-lhe qualquer coisa para beber, estava quase em pânico, queria que ela sorrisse como quando se cruzavam nas escadas, mas sentiu que esse tempo tinha acabado.

- Sabe, a tristeza pode ser uma alegre companheira, enquanto nos acompanha vamo-nos olhando por dentro, vamo-nos reconhecendo na solidão dos dias, ficamos mais fortes...Pode não ser dramático, podem ser apenas estados de alma, percepções sem espaço, deambulando sozinhas na nossa mente…Mas com o meu filho lá longe, não consigo deambular sozinha, por isso, vim bater à sua porta…O meu filho que talvez esteja em agonia, foi para a Argentina há muitos anos, passei tanto tempo sem o ver…A minha tristeza é sobre qual será a imagem que ele guardou da sua mãe. Sinto que não terei resposta…Sabe, a imagem que guardei da minha mãe é muito forte, continua muito presente, ela cantava arrumando a casa, ia passando a mão pelos meus cabelos, sempre de sorriso aberto e alegre, enérgico e doce… ela tinha dezoito anos, é essa a minha imagem de uma mãe. A imagem que me alimentou até a esta tristeza pelo meu filho.