PEDALAR É PRECISO!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

APELO A UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS


Proposta de APELO A UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS (*)
CONTRA A AUSTERIDADE, CONTRA A DITADURA DA UNIÃO EUROPEIA, CONTRA A DITADURA DO CAPITAL FINANCEIRO
PELA DEMOCRACIA E POR UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA


O Presidente da República dispõe de poderes constitucionais que lhe permitem intervir activamente na definição e condução das grandes opções políticas, nomeadamente, na economia, na promoção dos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.

Na grave situação a que chegou o país, esses poderes tornam-se ainda mais importantes, porque é obrigação do Presidente estar na primeira linha na defesa da liberdade e da democracia, atacadas pelos ultimatos da União Europeia, e na defesa dos trabalhadores, das famílias e dos jovens, vítimas do desemprego e da austeridade.
Por isso, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.

Estas eleições constituem um momento privilegiado para o debate e a discussão política acerca de novas políticas para o ressurgimento social, económico e cultural do país e a preservação da sua independência. Infelizmente, considerando os candidatos que se anunciam, não está de modo nenhum garantido que esse debate venha a acontecer.

Cavaco Silva e Manuel Alegre são dois candidatos que se filiam na mesma continuidade, que é a da ditadura PS/PSD, construída ao longo dos anos, em nome duma falsa alternância e ao serviço dos habituais comparsas. A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira internacional iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:

1. A submissão do Estado às grandes oligarquias financeiras.
2. O aumento da corrupção, alimentada pelos Directórios do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata.
3. A arrogância e a incompetência da Justiça e a sua dependência face aos poderosos.
4. O desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a lei da precariedade que passou a reger as relações laborais.
5. O aumento do desemprego que afecta mulheres e homens de todas as idades e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para a emigração.
6. A falência do sistema de ensino.
7. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.

Manuel Alegre e Cavaco Silva representam a mesma face desta triste realidade.

Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança, não apresentam alternativas que mobilizem o país, que mobilizem as energias dos homens, das mulheres e dos jovens.
Estão à margem das aspirações, das inquietações e dos sofrimentos do povo, são candidatos conformados com o desemprego e com a pobreza de mais de dois milhões de pessoas, conformados com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.
São candidatos do Ricardo Espírito Santo (Salgado) e do capital financeiro que usa os recursos do país a seu belo prazer, que manipula os consumidores com promessas de crédito fácil, que asfixia as famílias e que não promove o desenvolvimento sustentável do país e a solidariedade económica.

São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos se demitiriam das responsabilidades que a Constituição lhes confere e se limitariam a assistir impávidos ao agravamento do descalabro em que o país se encontra.

PORQUÊ UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA?

Para que a campanha eleitoral seja esclarecedora e o povo possa votar em consciência, para que sejam apresentadas verdadeiras alternativas, para que Portugal seja capaz de iniciar um novo ciclo de prosperidade e justiça social, é necessário, é vital que a essas eleições se apresente um candidato de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.

Um candidato que defenda de maneira coerente e consequente um programa de esquerda no qual se identifiquem as causas das dificuldades actuais e se proponham soluções ousadas mas possíveis. Em nome de uma esquerda inventiva, defensora das liberdades individuais e da democracia e de um novo modelo de desenvolvimento económico e social.

Existem alternativas aos PECS e à política de austeridade da União Europeia, centrada exclusivamente no combate ao défice e em detrimento do crescimento económico. Não existe nenhuma justificação política ou económica para que um país seja obrigado a não ter qualquer défice.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? Na opinião do economista João Ferreira do Amaral hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
Como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados não foram garantidas pelo euro, isso não passou de uma miragem. O euro revelou-se um embuste, uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

A União Europeia é um projecto claramente falhado. Desde logo, porque não foi decidida e construída livremente pelos povos e pelos cidadãos europeus.

Não houve em Portugal nenhuma votação em relação à entrada de Portugal na CEE, em relação à entrada no euro, em relação ao Tratado de Lisboa. Tudo tem sido decidido por gente, por burocratas que ninguém elegeu.
Para que a UE sobreviva e se justifique a sua sobrevivência, tudo terá que mudar, ela terá que ser uma união de povos, uma união de cidadãos, governada por instituições democráticas, respeitadoras das diferenças e das minorias.

UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO MAIS IGUALITÁRIO E ECOLÓGICO, UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA

O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade.

O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante de qualquer sociedade. A garantia de emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos a alcançar por uma política de esquerda.

No modelo de desenvolvimento que valoriza a economia social e ecológica, o terceiro sector deve desempenhar uma função crucial.
O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente, promove a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.

A Caixa Geral de Depósitos, por ser uma banca pública, tem de apoiar a economia do terceiro sector, quer concedendo crédito proporcionado às capacidades das empresas sociais, quer desenvolvendo a prática do micro-crédito a pessoas envolvidas em iniciativas de auto-criação de emprego, quer fornecendo assessoria financeira gratuita.

Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve também obedecer a finalidades sociais, também o sector privado deve ser solidário e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada ou punida em função dos seus contributos e práticas sociais.
Proporcionalmente aos seus lucros, as empresas devem quotizar para a Segurança Social. A lei fiscal deve ser revista de modo a estabelecer parâmetros justos no que concerne os impostos que são exigidos aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores independentes e às empresas, em particular, aos bancos. O sector financeiro deve ser rigorosamente regulamentado e fiscalizado e proibidas as transacções através de ofshore.

Entre o Estado e o sector privado, a bem da ética política, da economia e da justiça social, as relações devem ser rigorosamente transparentes. Os contratos com empresas privadas deverão ser do conhecimento público e aprovados por adjudicação em concurso público.

CONTRA AS DESIGUALDADES SOCIAIS E AS DESCRIMINAÇÕES

Os pobres, os idosos, os imigrantes clandestinos, os trabalhadores precários, os desempregados são as principais vítimas de desigualdades e de exclusão social.

São conhecidas também as principais vítimas de discriminação e de prepotências: as mulheres e todos quantos trabalham em ambiente de permanente stress e cujos direitos são desrespeitados.

A escola é muitas vezes a principal fonte de muitas desigualdades para toda a vida. Mas a luta contra o insucesso escolar não se resolve com falsas aprovações, isso é uma hipocrisia que só ajuda as estatísticas oficiais. As crianças e os adolescentes de famílias pobres não podem ser abandonados pela escola à sua triste sorte.

A frequência de um estabelecimento pré-escolar deve ser gratuito e começar para todas as crianças aos três anos, porque essa idade - é o que dizem os especialistas - é a idade decisiva na aquisição dos instrumentos mentais para o conhecimento. Todas as crianças devem poder ter acesso a uma creche pública a partir dos dois meses de idade.

São medidas a favor das crianças mas também dos pais, que precisam de ser ajudados a conciliar a vida profissional com as suas obrigações familiares. São medidas a favor de um direito essencial que é o direito de ter filhos e de os educar.

A pobreza quase sempre acompanha a velhice. A reforma da Segurança Social mudou as regras do jogo e retirou aos trabalhadores direitos que há muito estavam consagrados e que, por isso, deviam ser respeitados. Aumentou as desigualdades, porque fez diminuir as pensões de quem menos pode. É discriminatória porque não prevê que todos aqueles que exerceram profissões mais penosas possam aceder mais cedo à reforma, com plenitude de direitos.

POR UMA SOCIEDADE DO SABER

O conhecimento, a ciência, a educação e a cultura são as principais alavancas da criação de riqueza numa sociedade justa e igualitária.

Em Portugal, os níveis de literacia, de conhecimento científico e de informação cultural são ainda muito baixos. Em grande parte, esse défice tem a sua origem no mau funcionamento do sistema de ensino.

No ensino superior, foi destruído o modelo de gestão democrática e a aplicação do protocolo de Bolonha contribuiu para desvalorizar os diplomas de licenciatura, aumentou a selecção social, não introduziu qualquer melhoria nas condições e no trabalho pedagógicos.

No ensino não-superior, chegou-se a uma situação insustentável de deterioração da qualidade do ensino, com professores desautorizados e desmotivados, tudo isto devido a reformas insensatas impostas pela gigantesca burocracia do Ministério da Educação.

Prioridade absoluta ao investimento na cultura, prioridade à criatividade artística, à promoção do bem falar, da expansão da língua portuguesa. No mundo que será cada vez mais global, precisamos das artes e da cultura, do cinema e da televisão, da literatura e do teatro, da música erudita e da música popular, da arquitectura, para afirmarmos a nossa identidade, para sermos reconhecidos e valorizados.

A cultura não vende directamente coisas mas aumenta os nossos capitais pessoais e colectivos. Aumenta a nossa auto-estima enquanto povo, leva-nos ao reconhecimento dos outros, a abrirmo-nos ao mundo como se abriram os portugueses de quinhentos. Leva-nos a ser cosmopolitas.
Preparemos gerações cosmopolitas para o futuro, gerações capazes de competir no mundo global.

CRIAR NOVAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E TERRITORIAIS

A população portuguesa está em declínio e isso deve-se à baixa natalidade, que acelera o envelhecimento. O acentuar do declínio demográfico é um problema grave principalmente no Interior. Esta evolução deve ser enfrentada por um governo de esquerda como uma urgente prioridade política.

O centralismo concentra grandes investimentos no litoral e nas áreas metropolitanas, promove a concentração urbana e despromove a qualidade de vida de quem lá vive. E esquece o interior, ou seja, cerca de 2/3 do território nacional.

Portugal precisa urgentemente de uma política bem estruturada de gestão territorial direccionada para a revitalização do interior e a redução da pressão demográfica no litoral.

PAZ E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Na diversidade dos seus povos, a União Europeia podia ser uma casa, uma causa comum. Mas estamos cada vez mais longe disso. A União consagrada pelo Tratado de Lisboa não tem nada para oferecer aos milhões de desempregados e aos trabalhadores e às famílias com baixos rendimentos.
Esta é uma Europa dominada pelo consórcio dos grandes países, pelos burocratas de Bruxelas, pelos grandes bancos e multinacionais. É a Europa do grande capital, contra a qual é preciso lutar. É preciso que as esquerdas europeias se unam e se entendam na luta por uma Europa democrática e solidária.

O mundo está a mudar aceleradamente, os centros de decisão estratégica estão a mudar para sul e para oriente, mas nem todas as mudanças têm um potencial pacífico para o futuro. É urgente evitar a guerra, é urgente acabar com todas guerras.

É falsa a ideia de que as guerras servem para resolver conflitos. O comércio pacífico aproxima os povos, as guerras só provocam desgraças e destruições e aproveitam aos traficantes de armas. Neste sentido, a saída de Portugal da NATO deverá ser equacionada num contexto de paz e cooperação entre os povos.

Com a União Europeia à beira da implosão, impõe-se que Portugal procure novos parceiros internacionais O que é que nos impede? A fidelidade a uma Europa que sempre nos olhou por cima do ombro?

As nossas ligações a África, ao Brasil e à Ásia são um capital de um valor inestimável, cujas potencialidades estão ainda por desenvolver.
Mas há outros parceiros à nossa espera, temos é que os procurar: Magrebe, África Subsaariana, América Latina. Foi por aí que nós andámos desde há muitos anos, quando éramos já uma espécie de párias, plantados aqui no extremo ocidental esquecido da Europa. Um extremo europeu periférico, sem rotas de comércio, estávamos condenados, como hoje.
Mas descobrimos novos mundos, se calhar é essa a nossa sina.

(*) – Escrevi este texto para esquerda2011.blogspot.com

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O ENVELHECIMENTO ACTIVO: ARMADILHAS DE UMA IDEOLOGIA (II)


Quando dantes se baixava a idade da reforma e se promovia a inactividade dos mais velhos, isso era justificado pela ideologia da terceira idade.

As novas políticas de aumento da idade da reforma encontram o seu alento numa nova ideologia: o envelhecimento activo.

A ideia de envelhecimento activo já é relativamente antiga. Uma das suas primeiras formulações aparece com os Panteras Cinzentas, que lutavam contra as discriminações de que eram vítimas as pessoas mais velhas.

Este movimento, que se desenvolveu nos Estados Unidos, durante os anos 1970, em paralelo com os movimentos de contestação à guerra do Vietname e à exclusão racial, defendia uma nova atitude, uma nova cultura para superar a exclusão, o isolamento e o paternalismo de que os idosos são vítimas.


Decalcando o lema dos Panteras Negras, segundo o qual "black is beautiful", os Panteras Cinzentas defendiam que "old is beautiful" e, em consequência, assumiam a idade, as rugas e os cabelos brancos como traços distintivos de que se orgulhavam.


E afirmavam "não queremos mais mitos, não queremos mentir sobre a nossa idade". Ao mesmo tempo, criaram organizações de solidariedade autónomas e denunciavam todas as formas de descriminação com base na idade, incluindo a reforma obrigatória.


O ciclo do envelhecimento individual, fisiológico e psíquico, é condicionado por factores genéticos e por factores sociais.

Ao longo do ciclo de vida, os comportamentos individuais pesam de maneira positiva ou negativa sobre a saúde e, por conseguinte, sobre a marcha do envelhecimento: os cuidados com o corpo, a higiene individual, os comportamentos alimentares, o uso de estupefacientes, de álcool, os lazeres e a actividade física, a violência familiar, os comportamentos sexuais, a vida familiar, a actividade profissional e os contextos de trabalho, o habitat e os transportes, as sociabilidades e redes de amigos, etc.

As atitudes face à saúde são condicionadas socialmente e culturalmente e as estratégias de sobrevivência dependem dos recursos que cada indivíduo obtém no seu meio social, familiar e profissional, mas também da sua capacidade para saber agir e da acessibilidade aos serviços de saúde.

Em sociedades que já são envelhecidas como a portuguesa e que o serão cada vez mais no futuro, a qualidade do estado de saúde à beira e acima dos 50 anos é uma variável socialmente, politicamente e economicamente estratégica.

Apesar do aumento da longevidade, as nossas sociedades são elas próprias cada vez mais produtoras de patologias.


No espaço de 30 anos, verificou-se um agravamento dos constrangimentos e da penosidade do trabalho, o que contribui para reduzir a produtividade dos seniores, aumentar o seu absentismo e os riscos de perda de emprego e a incitá-los a deixar o mercado de trabalho o mais depressa possível.

As actuais políticas de aumento da idade da reforma que se baseiam no aumento da longevidade têm esquecido um dado importante: a segurança social e o sistema de reformas só são viáveis se for preservada a saúde dos seniores nos seus lugares de trabalho.

O agravar do desemprego e da precariedade demonstram que as novas políticas das reformas por velhice baseadas na ideia de envelhecimento activo constituem uma fraude, uma armadilha para todos quantos trabalham e têm a legítima aspiração e o direito de usufruirem de uma reforma digna ao fim de muitos anos de trabalho.

Porque o envelhecimento activo deve ser preparado ao longo da vida, devemos repensar o actual modelo de ciclo de vida, que descrimina os não-activos.

Trabalho para todos, formação para todos, lazeres para todos, ao longo da vida. É o princípio da despecialização das idades e das gerações, que o antigo primeiro-ministro francês Michel Rocard tentou implementar e que foi parcialmente posto em prática pela ministra do Governo de Lionel Jospin, Martine Aubry com a aprovação da lei das 35 horas semanais.

Em relação às políticas relativas ao envelhecimento individual, entrámos num ciclo marcado pelo retrocesso social.

Mas este retrocesso pode ser superado com vista ao futuro, por forma a que não aumente a precariedade e a pobreza dos inactivos e para que sejam universalmente assegurados os principais direitos sem os quais não existe plena cidadania sénior: o direito ao trabalho, o direito ao lazer e à cultura, o direito a uma reforma digna e o direito à protecção contra discriminações e violências.

Existem alternativas que viabilizem reformas dignas para os não activos do futuro, alternativas que implicam a redução e a partilha dos tempos de trabalho, em conjunto com a partilha dos tempos de formação e de lazer ao longo da vida. São estas as alternativas que viabilizam a concretização socialmente generosa do envelhecimento activo para todos.

Concretização socialmente generosa, que é também economicamente indispensável. Porque uma sociedade que fomenta o pleno emprego e aproveita a energia, a inteligência e a experiência de trabalhadores mais velhos é certamente uma sociedade mais rica e mais equilibrada.



Mas o envelhecimento activo não pode assentar numa ficção que é a de esperar que todos estejam disponíveis para trabalhar obrigatoriamente até aos 70 anos. Não pode assentar nessa uniformização social.


A penosidade do trabalho e o estado de saúde são os principais factores sociais que diferenciam a capacidade de cada um para prosseguir uma actividade profissional. Por isso, devem ser considerados factores de ponderação em relação às modalidades de atribuição de uma pensão de reforma e à idade para cada um cessar a sua actividade.


Do mesmo modo, não podem ser fixados limites obrigatórios para cessação de actividade, porque a idade não pode ser um factor de descriminação no mercado do trabalho.


A ideia de envelhecimento activo, ao contrário do que impõem as leis vigentes, é totalmente compatível com o exercício do direito ao trabalho qualquer que seja a idade. Mas isso implica também que, uma vez esgotada a duração razoável do tempo de trabalho exigível para se obter a pensão de reforma, quem optar voluntariamente por uma 2ª carreira ou por prestar serviços à comunidade ou à família, essa actividade deverá ser regida por contrato que preveja a duração e as condições de trabalho, assim como a respectiva remuneração.


O envelhecimento activo pressupõe uma cultura da idade que defenda o direito ao trabalho qualquer que ela seja.


É o que acontece nos países nórdicos, onde se promove o emprego depois dos 45 anos. Mas na maioria dos países, a idade tornou-se um critério legal de dispensa do trabalho, portanto de descriminação, que deprecia os trabalhadores mais velhos. A idade é o principal factor de discriminação face ao trabalho em muitos países europeus.


As discriminações baseadas na idade têm a sua origem no mercado do trabalho. Quem de lá saiu já deu o que tinha a dar. Além de se considerar que já não tem utilidade, o reformado é visto como alguém que custa dinheiro aos contribuintes activos. Um peso para a sociedade.


Recentemente, um grupo de investigadores franceses que trabalham sobre o envelhecimento e a velhice apresentou à Alta Autoridade de luta contra as discriminações e pela igualdade um protesto contra práticas discriminatórias baseadas na idade.


Denunciaram, em primeiro lugar, o facto de em inquéritos oficiais se excluírem os idosos, dando como exemplo um inquérito sobre a sexualidade que não interrogou quem tivesse mais de 70 anos e outro sobre as violências contra pessoas, que não incluiu quem tivesse mais de 60. Ambos os inquéritos foram realizados pelo Instituto Nacional de Estudos Demográficos e os resultados publicados em 2007.


Outros exemplos de discriminações baseadas na idade: a partir dos 45 anos, além de ser mais difícil arranjar um emprego é também difícil aceder à formação contínua; nas urgências dos hospitais, as pessoas mais velhas têm que esperar mais tempo para ser atendidas; na vida quotidiana, os mais velhos são desconsiderados ou mesmo maltratados em lugares públicos. Os investigadores franceses decidiram criar em 2008 um observatório das discriminações contra os idosos.


Mas a principal descriminação e muitas vezes fonte de violências contra os mais velhos é a pobreza.


É nas classes baixas que as condições de vida dos reformados são mais penosas. Ao baixo poder de compra, às más condições de habitação, baixa qualidade da alimentação e problemas de saúde, acrescem muitas vezes o isolamento e a marginalização social.


Também a condição social das mulheres idosas pode ser particularmente traumática e difícil.

Em relação aos homens da mesma idade, as mulheres idosas são mais susceptíveis de sofrer perdas económicas e socio-emocionais.

Visto que têm tendência para desposar homens mais velhos e de terem uma longevidade maior, as probabilidades de serem viúvas são muito elevadas. A longevidade das mulheres pode-se, pois, transformar numa desvantagem, nomeadamente porque, sendo a probabilidade de ficarem sózinhas mais elevada, elas são mais susceptíveis do que os homens de serem colocadas numa instituição.


Muitos idosos, na sua maioria mulheres, vivem em situações desesperadas. É o que mostram, por exemplo, os indicadores relativos à pobreza em Portugal. Assim, segundo o Inquérito aos Orçamentos Familiares do INE, de 2000:
-entre os idosos com 65 e + anos – que representavam então 15,4% da população – 27,1% estavam entre os 10% mais pobres;
-o índice de pobreza dos idosos sós era o mais elevado de todos (50%), vindo a seguir o das famílias só com idosos (33%).


Não será a nova política do envelhecimento dito “activo” que resolverá os dramas sociais da velhice.


Parafraseando alguém, cujo nome esqueci, para sofrimento deveria bastar ser-se velho.

ENVELHECIMENTO ACTIVO: ARMADILHAS DUMA IDEOLOGIA (I)



Dantes, a velhice inactiva era um período muito curto, em geral passado em família, ou em asilos/hospícios, à espera da morte.

A ideia de reforma por velhice era até à 2ª metade do século XX, completamente estranha à cultura operária. As primeiras caixas de reforma operária foram, aliás, instituídas, no final do séc. XIX, por chefes de empresa animados pelo “filantrópico” objectivo de reduzir os “custos de produção”, desfazendo-se dos velhos trabalhadores, que consideravam serem demasiado pagos para o rendimento que forneciam.

A “filantropia” patronal estimulava também a “poupança” que considerava um bom instrumento de moralização contra a vida desordenada dos operários. Quanto às mútuas operárias, elas destinavam-se a cobrir riscos mais importantes do que a velhice: o desemprego, a doenças, as greves.

Mas o direito à reforma será instituído mais tarde, sob pressão dos sindicatos operários. A consagração deste direito após a 2ª guerra (em Portugal, trinta anos mais tarde) respondeu principalmente às transformações inerentes à extensão do trabalho assalariado e às mudanças que afectavam as relações entre gerações na família.

Nessa fase, o reformado inactivo era predominantemente urbano e assalariado. Nas margens, ficavam os trabalhadores e pequenos proprietários rurais que resistiram ao êxodo rural e para quem as pequenas pensões que recebiam constituíam apenas um complemento ao rendimento familiar obtido a partir do trabalho da terra. Situações que, de algum modo ainda hoje se mantêm, mas agravadas pelo isolamento familiar no interior envelhecido.

A progressiva generalização do direito à reforma provocou o aparecimento da ideologia da 3ª idade, a qual veio consagrar a idade da reforma como uma categoria social não autónoma de pessoas inactivas e dependentes que precisavam de cuidados que só podem ser providenciados por especialistas.

Ao mesmo tempo, a gestão política da velhice foi-se subordinando cada vez mais à pressão imposta pela necessidade de se criarem empregos para os jovens, o que incentivou a competição entre gerações no mercado do trabalho.


Daqui resultaram várias consequências:


1 - O direito ao trabalho passa a ser condicionado pela idade, incluindo a imposição de limites etários para além dos quais não é permitido continuar a exercer uma profissão (é a reforma-guilhotina).
2 - Governos e empresas aliam-se tacitamente com o objectivo de acelerar a antecipação da cessação da actividade profissional depois dos 50 anos (pré-reformas).
3 - A lógica de evicção dos trabalhadores seniores sobrepõe-se à lógica da sua integração social e aumenta a perda de autonomia e a marginalização social desses trabalhadores condenados à inactividade.
4 - O direito à pensão de reforma é, assim, transformado em interdição de trabalho e o direito ao repouso em lazer forçado.


A queda da natalidade, o envelhecimento demográfico e o aumento da longevidade têm servido para justificar novas políticas que invocam os problemas da sustentabilidade da segurança social e, agora com os PEC´s, da sustentabilidade da economia, ponto final.


Os argumentos demográficos foram utilizados por José Sócrates para justificar, no dia 27 de Abril de 2006, perante a AR a decisão de “ligar as pensões de reforma à evolução da esperança de vida”, com a finalidade de se assegurar a sustentabilidade da segurança social.


Apesar de afirmar no mesmo discurso que o governo não aumentará a idade legal de reforma, na prática foram introduzidas condicionantes que colocam os futuros reformados entre a espada e a parede:
- ou trabalham mais tempo;
- ou reforçam as suas contribuições ao longo da vida activa.


Explicou então o primeiro-ministro que o “crescimento das despesas com pensões é o que mais seriamente questiona a sustentabilidade do modelo social e é sabido que ele deriva, fundamentalmente, do aumento da esperança de vida, ou seja, do número cada vez maior de anos em que se está a receber pensão”, Por outro lado, “há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento dessas reformas”.


É verdade que há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento das reformas, mas isso não tem a ver com a baixa natalidade. Tem a ver com o desemprego e a precariedade que rege o mercado do trabalho.


Teoricamente, porque há menos jovens e, por conseguinte, menos concorrência, deveria haver mais e melhores oportunidades de emprego. Ora não é isso que está a acontecer.


Não são apenas os jovens que têm cada vez mais dificuldade em arranjar emprego, um emprego que corresponda às suas qualificações, com estabilidade e com direitos plenos. Também os mais velhos são cada vez mais obrigados a sair precocemente do mercado do trabalho, caindo em situações de extrema precariedade.


De facto, o envelhecimento dos activos começa na base, com a entrada tardia dos jovens na vida activa e acentua-se com a saída compulsiva de trabalhadores na força da idade. Para muitos deles, o envelhecimento profissional começa a perfilar-se logo a seguir aos 45 anos, ou seja, quando começa a 2ª parte de qualquer carreira profissional. Em 2007, a taxa de emprego entre 55 e 64 anos na UE era 44,7%.


Nestas condições, como escapar à espada das alternativas que o governo coloca a todos quantos aspiram a uma reforma digna após uma vida de trabalho?


Consideremos o exemplo de alguém que conseguiu um contrato de trabalho aos 30 anos e ficou desempregado aos 50, o que significa 20 anos de descontos, Quais são as alternativas, segundo o modelo socrático, deste candidato à reforma para obter uma pensão digna?


Alternativa nº 1: trabalhar mais anos, ou seja, arranjar um novo emprego que dure até, pelo menos, aos 70 anos.
Alternativa nº 2: reforçar os descontos para a reforma.


Viabilidade das alternativas:
Alternativa nº1: provavelmente zero.
Alternativa nº 2: depois de pagar a prestação da casa, depois de pagar a educação dos filhos, o que é que sobra para as prestações da reforma?


O novo contexto demográfico é apenas um álibi político.
Parafraseando um político americano, apetece dizer: não é a demografia, estúpido, é a política, é a economia, é o social.

terça-feira, 22 de junho de 2010

EURO E SOBERANIA. COMENTÁRIO A DOIS COMENTÁRIOS


Saúdo os comentários de Nuno Cardoso da Silva e de João Pedro Freire à proposta de linhas programáticas para uma candidatura de esquerda às presidenciais que apresentei.

A discutir é que a gente se entende, e hoje, mais do que nunca, discutir é preciso.

Há uma certa convergência entre os dois comentários não apenas pelas opiniões, mas principalmente pelos temas e, por isso, permito-me responder-lhes em conjunto de uma maneira sintética dentro do possível. Os pormenores ficarão para mais tarde.

Há aqui duas questões estreitamente ligadas: a do euro e a da soberania.

Comecemos pela segunda.

Concordo que o conceito de soberania pode ter más conotações.

Por um lado, a soberania dum Estado tende sempre a ser condicionada e, por isso, ela é relativizável porque a independência dum país pode ser mais ou menos dependente de interesses e de poderes terceiros. Pode também acontecer que ela seja apenas a expressão de nacionalismos serôdios e exacerbados. Foi o que aconteceu na Europa entre as duas guerras. Em Portugal, o Estado Novo era um estado soberano e o seu nacionalismo exacerbado e beato servia apenas para legitimar a ditadura. Era um Estado anti-social e anti-democrático que não tolerava as liberdades individuais.

Na mesma época, outros estados soberanos assumiam os valores da democracia, eram sociais e as liberdades individuais estavam plenamente consagradas. Constituíam o exemplo paradigmático da relação que legitimamente se pode estabelecer entre soberania, liberdades e democracia.

Poderá esse paradigma ideal aplicar-se ao actual Estado português?

Penso que esse modelo deixou de fazer sentido entre nós.

O que está a acontecer ou já aconteceu – as coisas mudam depressa demais lá nos segredos dos bastidores dos mandões da EU – é um golpe de estado, cujas consequências me parecem óbvias: se os órgãos de soberania democraticamente eleitos em Portugal deixaram de ter competência para aprovar o orçamento e votar impostos, isso significa o quê? Significa que a soberania desses órgãos passou a ser de fachada e que Portugal já não é um país soberano.

Será esta conclusão uma ilação nacionalista, estilo Estado Novo? Não, porque o que sobreleva aqui em relação ao conceito de soberania é a perda das liberdades e da democracia políticas.

Se Portugal já não é um país soberano, o que é que isso quer dizer? Quer dizer que a democracia portuguesa passou a ser uma democracia de fachada, que já não mandamos em nossa causa.

Síntese: se não gostamos da palavra soberania, então falemos de liberdade e de democracia.

Chegamos, então, ao ponto: soberania democrática/EU/euro/PEC/austeridade são questões indissociáveis, temos que nos pronunciar sobre elas todas e não apenas sobre esta ou aquela.

Falemos da União Europeia. Será exagerado compará-la com a defunta União Soviética?

Ambas foram constituídas de cima para baixo. Haverá algum português que se possa gabar de ter tido a oportunidade de se pronunciar, de ter votado em relação à entrada de Portugal na CEE, de ter votado a entrada no euro, de ter votado o Tratado de Lisboa? O que foi feito das promessas?

Do mesmo modo que não existia uma URSS aceite por todos os povos que nela estavam integrados à força sob a mão férrea do partido comunista soviético e da sua nomenklatura, também não existe uma União Europeia decidida e construída livremente pelos povos europeus.

Queremos os Estados Unidos Socialistas da Europa de que fala o João Pedro Freire? Generosa ideia. Não rejeitemos as utopias, mas sejamos humildes e realistas. Desconfiemos dos burocratas que odeiam a democracia.

Eles construíram a União Soviética. Outros parecidos com eles mandam na EU, ou seja, mandam em nós e ninguém diz nada.

Porquê? Porque o que está agora na moda é dizer que isso do Estado-Nação passou a ideia arqueológica. E dizem-nos isso a nós, o mais antigo Estado-Nação da Europa?

Sair do euro é um disparate, diz o Nuno Cardoso da Silva. E entrar, não foi?

Há diferentes opiniões.

O economista francês Elie Cohen, por exemplo, afirma que o euro beneficiou sobretudo as economias mais desenvolvidas do Norte. E a razão compreende-se facilmente: por um lado, o euro ajudou a fixar a “especialização” dos países do Sul em sectores de baixas qualificações e de baixas rentabilidades; pelo contrário, com o euro, os países do Norte aproveitaram para “ocupar” os sectores mais performantes e tecnologicamente mais evoluídos.

Quando rebentou a bolha do imobiliário e da construção civil, o que é que aconteceu à Espanha e a Portugal? A Espanha, que era o tigre ibérico, está à beira do abismo. Portugal? Portugal depende da Espanha. Ganhámos assim tanto com o euro?

A questão do euro não é apenas económica e, mesmo que o fosse, o económico é, em primeiro lugar político, e também, ou talvez por isso, ideológico. O Neo-liberalismo, responsável por tantos crimes e miséria, não é uma ideologia?

É tanto ou mais ideologia do que a economia “socialista soviética” centralizada.

É a economia uma ciência absolutamente exacta? Não, não é.

É verdade que, entre as causas da falta de produtividade da economia portuguesa, estão a “falta de qualificação dos empresários, a falta de qualificação de muitos quadros médios e superiores e a falta de investimento por parte das empresas, que preferem distribuir dividendos” - estou a citar o Nuno Cardoso da Silva. Mas quem é que tem protegido e promovido essa gente? E a corrupção não tem nada a ver com isso?

Então, o que é que fazemos?

Espero que sejamos cada vez mais críticos, que mantenhamos o nosso espírito alerta, que confiemos na razão e no raciocínio, e que sejamos prudentes e realistas.

Falei de sair da EU e/ou do euro, é verdade, mas trata-se apenas de uma hipótese de trabalho, hipótese que se me afigura necessária face ao imbróglio para que fomos arrastados pelos responsáveis conhecidos de toda a gente. Trata-se de um cenário que é preciso equacionar e discutir, aprofundar.

É óbvio que se tal hipótese se viesse, se vier a concretizar-se, se trataria, se tratará de uma mudança cheia de consequências.

Mas significa isso que devemos ficar caladinhos, à espera que os senhores de Bruxelas e os seus patrões tomem decisões por nós? Será que não nos compete, enquanto militantes de esquerda sem complexos, atentos às realidades e virados para o futuro, colocar em cima da mesa todos os cenários?

Porque o que está em causa aqui em tudo o que tem a ver com a mais que problemática relação que Portugal tem com a União Europeia, é decidirmos se vamos ter coragem e lucidez, se seremos capazes de apostar em nos governarmos a nós próprios ou se, pelo contrário, vamos continuar a fazer gala em querermos ser bons discípulos e obedientes às ordens desses tipos que nos governam a partir de Bruxelas. Tipos que, por que não foram eleitos por ninguém, não passam duns ditadorzecos.

Vamos tratar da nossa vida?

Vamos, por exemplo, encontrar novos parceiros internacionais? O que é que nos impede? A fidelidade a uma Europa que sempre nos olhou por cima do ombro? Há outros parceiros à nossa espera, temos é que os procurar.

Magrebe, África Subsaariana, América Latina. Foi por aí que nós andámos desde há muitos anos, quando éramos já uma espécie de párias, plantados aqui no extremo ocidental esquecido da Europa. Um extremo europeu periférico, sem rotas de comércio, estávamos condenados, como hoje. Mas descobrimos novos mundos, se calhar é essa a nossa sina.

E mandemos o Sócrates e o Cavaco para o espaço a bordo duma Soyuz. Declaro-me desde já contribuinte voluntário numa subscrição com esse propósito. Boa viagem.

(*)Escrevi este texto para Tribuna Socialista

sábado, 19 de junho de 2010

CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS




Quem se der ao trabalho de ler atentamente a Constituição da República facilmente consegue refutar as interpretações minimalistas quanto aos poderes presidenciais e demonstrar que, ao contrário do que é dito nos meios políticos e pela comunicação social, o Presidente da República dispõe de poderes suficientes para intervir activamente nas grandes opções políticas em áreas essenciais na economia, nos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.

A direita política que defende os interesses das grandes empresas e do grande patronato odeiam e desprezam a Constituição da República.

É que a nossa lei fundamental, mãe de todas as leis, apesar das sucessivas revisões aprovadas pelo bloco PS/PSD, resistiu e continua a impor, no essencial, o projecto político que nasceu da revolução social do 25 de Abril. Projecto este que se inspirou em ideias e ideais defendidos pelas diferentes sensibilidades de esquerda que convergiram, sob a pressão dos movimentos sociais, na redacção do documento aprovado pela Assembleia Constituinte em 1976.

A nossa Constituição é uma lei que continua a impor que o país seja governado à esquerda e esse facto explica o ardor militante dos sectores neo-liberais de direita contra esta lei fundamental. Essa imposição explica também por que é que muito do que lá está escrito foi sistematicamente ignorado durante os longos anos de governo neo-liberal PS/PSD.

Porque os poderes constitucionais do Presidente lhe permitem influir decisivamente na escolha de prioridades que defendam a soberania de Portugal e o Estado Social, ambos ameaçados pelos sucessivos PEC’s impostos pelo eixo Berlim/ Bruxelas, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.

São um momento privilegiado para o debate e a discussão política, sem sectarismos, acerca das soluções necessárias ao ressurgimento social, económico e cultural do país e à sua independência.

Neste debate e para que o povo possa votar em consciência, impõe-se que existam alternativas claras ao actual estado de coisas.

Ora, a lista dos candidatos anunciados ou pré-anunciados não garante de modo nenhum que tal debate venha a acontecer, por que nenhum desses candidatos traz nada de novo.

Cavaco Silva e Manuel Alegre, apoiados pelo bloco PSD/PS são os candidatos do PEC e da submissão aos desígnios do grande capital e dos seus agentes, os quais estão por detrás dos burocratas de Bruxelas e do directório de países comandados pela Alemanha.

São também candidatos do Ricardo Espírito Santo e do capital financeiro português que tem usado os recursos do país a seu belo prazer, que tem manipulado os consumidores com promessas de crédito fácil e que asfixia as famílias e as pequenas e médias empresas que constituem mais de 95% do tecido empresarial português.

São candidatos que garantem apenas a continuidade da ditadura PS/PSD, construída em nome duma falsa alternância e ao serviço de comparsas bem identificados.

A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:

1. A captura do Estado pelos interesses das oligarquias dominantes com o consentimento de Governos conduzidos por políticos medíocres, incompetentes, sem convicções e que faltam à verdade.

2. O aumento da corrupção ao longo das últimas três décadas em paralelo com o monopólio do poder exercido pelas Direcções do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, monopólio esse que tem promovido e protegido redes de interesses que se alimentam da promiscuidade entre as funções do Estado, a política e os negócios privados.

3. A asfixia e manipulação da economia pelo poder arrogante dos bancos, pela especulação bolsista, pela prevalência dos interesses de grandes empresas cujos interesses estão representados nos gabinetes do Estado, pela desenfreada exploração e as discriminações de muitos trabalhadores e trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a incapacidade da justiça em fazer prevalecer o império do Estado de Direito.

4. A lei da precariedade que passou a reger as relações laborais, o mercado do trabalho e do emprego e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para emigração.

5. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.

Manuel Alegre e Cavaco Silva simbolizam as duas faces responsáveis por esta triste realidade a que o país chegou.
Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança que mobilize as energias do país, as energias e o empenhamento dos homens, das mulheres e dos jovens.

São candidatos conformados, candidatos engravatados e fechados nos seus casulos, à margem das aspirações e das inquietações do povo.

São candidatos que se conformam com o desemprego, com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.

São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos colocariam na primeira linha das suas preocupações o combate ao défice, em detrimento do apoio a uma economia social, solidária e ecológica.

Ora, há alternativas à ortodoxia neo-liberal e à prioridade do combate ao défice. Nenhuma teoria económica consistente conseguiu demonstrar de forma incontestável essa prioridade.

O economista João Ferreira do Amaral, por exemplo, manifestou-se recentemente “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.

Mas este debate sobre os PEC’s, sobre o défice, sobre o Estado Social, deverá ir mais longe, deverá incluir a viabilidade de estratégias que considerem os cenários de uma saída do euro e/ou da UE.

Como explicou também João Ferreira do Amaral, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? O que é ganha hoje Portugal com o euro?

É prático, quando se viaja nos países da moeda única, não se precisar de trocar moeda. É verdade que é prático.

Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que, se esperava, fossem garantidas pelo euro, não passaram de uma miragem e essa moeda revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

Diziam os economistas servos do capital, quando a crise começou no Verão de 2008, que felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo, estávamos no euro.

Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?

No meio dos escombros da União Europeia podem-se vislumbrar actualmente três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.

Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais e internacionais, da criação de novos espaços geopolíticos.

Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
É um debate que se impõe no momento presente e as eleições presidenciais serão o momento adequado para que tal aconteça.

Mas tal debate só acontecerá se a essas eleições se apresentar um candidato com um programa de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.

Um programa de esquerda que interpele a sociedade com novas questões e que proponha alternativas e soluções ousadas mas possíveis. Que intervenha em nome de uma esquerda inventiva, capaz de identificar prioridades que defendam a liberdade individual e a soberania política, a criação de riqueza e a prosperidade, a justiça e a solidariedade.

[i] Escrevi este texto para esquerda2011.blogspot, onde pode ser lida a versão integral.

domingo, 13 de junho de 2010

AINDA A FALÊNCIA DO EURO

Um leitor deste blogue, que se deu ao trabalho de me enviar um comentário certeiro ao meu texto sobre o euro, que muito agradeço, tocou no pronto nevrálgico da cacofonia que se vive actualmente na UE.

Diz o autor do cabalas.blogspot.com, cujo nome desconheço:
“O Euro foi o enterro da União Europeia pois veio trazer para a linha da frente diferenças culturais que impedem que a integração prossiga.”
E acrescentou:“Além de que a defesa desesperada do Euro e da própria UE feita pelos seus apoiantes está a enterrar a democracia”.

É a esse ponto nevrálgico que chegámos, não vale a pena assobiar para o lado.



Chegámos ao ponto em que o desespero dos euro-militantes - e são muitos, pois há muitos jobs e interesses em jogo – os levou a passar ao ataque com a velha táctica estalinista da amálgama.

Perante a falência iminente do edifício transnacional que têm andado há anos a congeminar nos confortáveis gabinetes de Bruxelas, como é que estão a reagir? Quem não está com eles, está contra eles, decretaram que não há vida para além da sua União Europeia.

Mas a realidade revela-se todos os dias muito mais complicada do que o maravilhoso mundo novo imaginado por esses senhores burocratas: manifestações, eleições com resultados desastrosos na Holanda e na Bélgica. Onde é que isto vai parar?

Na chamada "União" Europeia, com todos os seus tratados e manigâncias, chegou-se a um ponto bastante claro em que, salvo as devidas diferenças históricas, políticas e culturais, a União Europeia faz pensar na extinta União Soviética.

União Europeia e União Soviética, ambas foram engendradas por minorias pretensamente esclarecidas - ou iluminadas, eles lá saberiam -, em nome de utopias teoricamente generosas e progressistas.

Mas o resultado, como se pôde constatar em relação à defunda URSS, não correspondeu às expectativas. E quanto à UE, é hoje visível que todos quantos seguiram e acreditaram piamente nesta utopia estão no direito de se sentirem defraudados.

O que vemos hoje da UE revela-nos uma realidade iluminada por uma luz completamente nova. É a realidade dos cidadãos europeus utilizados como cobaias. Cobaias, como o próprio nome quer dizer, condicionadas e involuntárias e, que, como todas as cobaias, ficaram totalmente e inteiramente à mercê do poder dos seus criadores.

Fez-se de conta que as cobaias estavam de acordo, enterrou-se a democracia.

O que é que a UE tem a ver com a democracia, o Parlamento Europeu?...Quanto custa e para que serve esse simulacro de democracia?

O que é que Portugal tem a ver com a Alemanha, estou a falar de afinidades culturais, políticas, históricas? Não há muito a dizer. Há o Bach, o Beethoven, o Goethe, o Marx, o Thomas Mann, não são afinidades menores, mas aí estamos no domínio da transcendência de valores universais.

Combatemos os Alemães em La Lys, na Bélgica em 1918, eles aliás deram cabo de nós. Combatemo-los no Sul de Angola, o Roçadas aí teve mais sorte. Com o Hitler, o Salazar manteve-se neutro, mas amigável.

Temos a Volkswagen em Palmela, há por aí muitos outros interesses económicos alemães.

Mandámos muitos emigrantes para a Alemanha, provavelmente alguns casaram-se com mulheres ou homens de nacionalidade alemã. Tudo isso faz parte do “comércio” natural entre povos, isso é bom, é importante.

Mas, e as diferenças de mentalidade, os valores, as referências, as diferenças entre os povos do sul da Europa maioritariamente católicos e os povos do Norte maioritariamente luteranos, patrimónios, distâncias culturais de séculos que não se apagam assim de um dia para o outro?

Essas diferenças não contam? Alguém pensou nisso?

Os burocratas europeus acham que não. Sentem-se poderosos no seu papel, no seu estatuto de burocratas-pigmaliões.

Não me parece exagerado concluir: esses senhores não são muito diferentes dos antigos burocratas da nomenklatura “soviética”. Também eles desconfiam da democracia, gostam de planos quinquenais, de programas de estabilidade e crescimento, os famigerados PEC’s.

As pessoas, os desempregados, os pobres são pormenores tal como no tempo do Breshnev, trata-se apenas de pequenos acidentes, pequenas variações estatísticas.

Não estão preocupados com as consequências da crise que vitima milhões de cidadãos por essa Europa fora. Estão preocupados apenas com a sobrevivência do seu Império.

Dormem descansados, não se dão ao trabalho de reflectir sobre as causas da falência do modelo da União Europeia, sobre as suas ambiguidades e concessões ao poder dos países mais poderosos.

Não se dão conta, ou fazem como se ignorassem, que a criação da moeda única serviu exclusivamente esses países mais poderosos e a ganância do capital financeiro espalhado pelos quatro cantos da dita “União” Europeia.


Abençoados euros, abençoados bancos que tanto se preocupam e se sacrificam pelo bem comum (a este propósito, vale a pena ler o contundente artigo de Rita Ferro, escritora e neta do António Ferro, no Expresso. Ela sabe bem do que fala).

A todos estes senhores, burocratas de Bruxelas e de Estrasburgo, militantes europeístas, militantes federalistas, apetece-me dizer-lhes em bom francês – peço desculpa por ser meio afrancesado, mas tenho uma dívida pessoal com a França – je vous emmerde!


DIREITO DE INVENTÁRIO (I)


Na história da esquerda, há nomes de que nunca se fala. Esquecimentos que testemunham o empobrecimento intelectual, a falta de debate, a falta de imaginação, a falta de ideias, o controle ideológico apertado que é feito pelas instituições oficiais da esquerda.

A televisão tomou conta de tudo, pouca gente lê, os editores têm que editar coisas que se leiam, precisam de sobreviver.

Os universitários, os académicos, os jornalistas andam mais interessados em promover a sua vidinha. Estamos em plena normalização.
O Bloco de Esquerda organizou há pouco tempo uma série de conferências sobre “os fundadores do socialismo”. A série começou com Karl Marx e acabou com Mao Tse-Tung. Falou-se também de Lénine, de Trotsky, de Rosa Luxemburgo e de Gramsci.
Quanto a esta lista de fundadores, é obrigatório fazer distinções.

Marx é um fundador? É um fundador, mas de quê? Do socialismo soviético, do socialismo maoista? My god, ele não teve nada a ver com isso, prestemos-lhes ao menos essa homenagem. Aliás, num texto profético teve, como é sabido, a lucidez de explicar que, se havia países onde o socialismo era completamente improvável, esses países eram a Rússia e a China.

Por isso, não misturemos Marx com Lenine e com Mao Tse-Tung. Não responsabilizem Marx pelos crimes do Lenine (e principalmente do Estaline, claro) e do Mao.

Não misturemos também Rosa Luxemburgo e Gramsci com essa clique.

A estes dois mártires do socialismo e dos ideais de libertação da humanidade da opressão e da exploração do capital devemos uma homenagem. A homenagem é obviamente lê-los e actualizá-los. Porque as suas ideias se mantêm actuais, porque a história não terminou com o seu sofrimento. Rosa Luxemburgo abatida pelos social-democratas alemães, António Gramsci nas masmorras dos fascistas italianos.
O BE fixou a sua lista de fundadores, tenho simpatia por Trotsky, era uma inteligência brilhante, um estratega genial, foi uma vítima indefesa perante a paranóia sanguinária do monstro Estaline.

Mas, Trotsky ficará para sempre ligado ao massacre de Cronstadt, à liquidação do soviete dos marinheiros revolucionários.
E, por isso, o Léon também tem a ver com aquela falcatrua sinistra do Vladimir Ilitch Oulianov quando este adoptou a famosa fórmula de marketing segundo a qual o socialismo “era os sovietes mais a electricidade”.
Pois é, Cronstadt foi o fim dos sovietes. Depois disso, do socialismo só ficou a electricidade mais o partido comunista “soviético” e os seus milhões de vítimas.
Pois é, já que falamos de fundadores, não esqueçamos as vítimas.

E não esqueçamos também os muitos outros de que nunca se fala, os ilustres pensadores e militantes, que desde, pelo menos, Proudhon e Bakunin, lutaram por causas da esquerda.

Não está na lista do BE, mas recordemos, por exemplo, Anton Pannekoek.

Pannekoek nasceu em 1873 na Holanda e, além de astrónomo mundialmente reconhecido, foi o principal teórico dos “conselhos operários”.

Participou activamente no movimento operário da Holanda e da Alemanha desde o início do século XX e assumiu posições críticas quer em relação à revolução russa e a Lenine, quer em relação à social-democracia em geral. Pannekoek morreu completamente ignorado na sua aldeia natal em 28 de Abril de 1960.

Quanto aos conselhos operários, para saber o que é que ele pensava, não era má ideia que houvesse um editor arrojado que publicasse Os Conselhos Operários, escritos entre 1941 e 1942.

Para Pannekoek, resumindo, os conselhos operários correspondiam a uma forma de auto-organização dos produtores que, além do papel económico na organização da empresa, deviam também ter um papel político de coordenação social.

Numa carta enviada a um amigo francês em 1952, Pannekoek esclareceu algumas das suas ideias.

“Não esqueça que, quando falamos de ‘conselho operário’, não é para propor soluções, mas para colocar problemas. E que nós, em pequenos grupos, não podemos resolver esses problemas e que não somos nós que podemos preservar o mundo das crises e das catástrofes; e mesmo que se reunissem todos os homens políticos e chefes de organizações para salvar o mundo, eles não o conseguiriam.

Isso só poderá ser conseguido pela força das massas, das classes, através da sua luta prática. Não estamos em condições – e não é essa a nossa tarefa – de imaginar como é que elas o farão.
As pessoas que se confrontam com tarefas que são as suas é que terão que o fazer, desde que sejam capazes disso, claro.

Mas, quando falamos em conselhos operários, não se tratará propriamente de tomar medidas particulares ou de descobrir formas de organização. O que conta é descobrir o espírito que anima as massas. O que importa, o que podemos fazer não é pormo-nos no seu lugar e imaginar como que é que elas devem agir.
Podemos, sim, dar-lhes a conhecer o espírito, os princípios, o pensamento fundamental do sistema de conselhos que se resumem da seguinte maneira: devem ser os próprios produtores a mandar nos meios de produção.

Mas Pannekoek não se limitou à questão da auto-organização dos produtores, aos chamados conselhos operários.

Ele é responsável por algumas das mais brilhantes análises da história política do capitalismo até ao final da primeira metade do século XX.
E algumas das conclusões dessas análises, como mostra a citação seguinte, continuam a ser inteiramente pertinentes e esclarecedoras:

“Confiante em si próprio, o grande Capital pode clamar que os seus interesses coincidem com os interesses de toda a sociedade. Mas sob o domínio do Capital financeiro, as coisas são bem diferentes. Explorar povos estrangeiros, extorquir as economias do seu próprio povo, pela violência e a mentira, tudo isto é sem dúvida usura e vigarice. É por isso que a defesa dos interesses do Capital financeiro deve ser feita nos bastidores através de acordos secretos com políticos influentes. Para que os seus objectivos sejam atingidos é preciso ocupar os gabinetes ministeriais, controlar chefes de partido, manipular deputados, corromper jornais, tudo isso através de negras intrigas que não podem ser divulgadas”.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL


Situação insustentável, descobriu o candidato Cavaco Silva. O país chegou a uma situação “insustentável.”

E que pensa fazer o Presidente da República para fazer face a tal situação?

Demitir o Primeiro-Ministro? Não me parece que esteja à altura disso.
Vai continuar a destilar umas palavras hoje, outras amanhã.

Ontem, no dia do Camões, falou principalmente da união entre empregados e empregadores. Nada de novo, é a velha linguagem de direita que não tem a coragem de chamar as coisas pelos seus nomes e que se entretém, nos momentos “difíceis”, “insuportáveis”, a fazer apelo à união sagrada entre capital e trabalho. Já o Salazar usava essa tanga.

Não estaremos fartos de palavras e de faz de conta?

Pesando bem todas as responsabilidades que esse senhor tem na situação a que o país chegou, a palavra “insustentável“na sua boca cheira a comédia, a palco de revista, para não lhe chamar trapaça, cheira a comédia de mau gosto. Comédia que nem sequer tem a graça da velha revista à maneira da Ivone Silva, do António Silva, do Solnado, do Vasco Santana…

A verdade é que isto está tudo cada vez mais triste, mais preocupante, caminhamos para o desastre, ainda está ao leme, Prof. Cavaco?

O Sócrates já era, já foi. Sob as ordens de Bruxelas, oficialmente continua a presidir a um desgoverno a várias vozes, em que cada ministro vai mandando como pode.

O Teixeira dos Santos, que não tem nada a ver com o assunto, mas que se sente na obrigação de obedecer às ordens da UE transmitidas via Jean-Claude Junker, afirmou hoje peremptoriamente que se vai mexer na legislação laboral. Na sua mente de grande financeiro do país, o objectivo é o do costume: é precisa mais flexibilidade, é preciso agradar aos senhores do capital, às agências de rating, à Frau Merkel.

Curiosamente, no mesmo dia, à tarde, na Assembleia da República, o ministro da Economia Vieira da Silva que também não tem nada a ver com o assunto, vem desdizer o Santos, e garante que o governo não vai mexer na legislação laboral.

E a ministra do Trabalho, cujo nome ainda não consegui fixar, terá opinião sobre o assunto?
Em que ficamos, Sr. Sócrates?

No dia seguinte às comemorações do 10 de Junho de 2010, aproveita-se para se continuar a comemorar. Comemorar o quê?

Tenho a ideia que foi por estes dias de Junho que morreram vários portugueses muito ilustres. Para mim, o mais ilustre de todos foi Álvaro Cunhal, um homem que dedicou toda a sua vida à luta pelos seus ideais. Penso que permanecerá sempre como um exemplo de cidadania, de coragem e de patriotismo. Será comemorado?


Álvaro Cunhal, estava certo, estava errado? Em geral estive quase sempre em desacordo, continuo a achar que esteve errado em muita coisa. Mas provavelmente, a culpa dos seus erros terá sido da história, do socialismo real, da União Soviética, tudo isso o marcou para a vida.

Mas o que importa é que, no essencial, naquilo que era mais importante e decisivo, ele esteve sempre inteiramente certo. Foi um gigante que lutou sempre, que à sua maneira e com todas as suas forças, com a sua inteligência e a sua força de carácter de homem excepcional e à custa do sacrifício pessoal de toda uma vida, lutou pela abolição da exploração do homem pelo homem, o seu ideal.

Um ideal que não é exclusivo dos comunistas, um ideal que tem sido e continuará a ser sempre um ideal das esquerdas consequentes e comprometidas na luta pela justiça e pelo progresso da humanidade.

Por onde andam hoje no meio desta situação “insustentável” a que se refere o Cavaco Silva, neste dia em que se comemoram 25 anos após a adesão à CEE, onde param, apetece-me perguntar, os políticos de carácter, de convicção?

Temos um Primeiro-Ministro fantasma de si próprio, um Presidente da República enredado nos seus jogos de sedução política para se fazer reeleger em Janeiro, temos um Parlamento nos seus jogos de poder, palavras e só palavras.

De tudo isto a única realidade palpável é esta: a maior parte dos trabalhadores deste país continua a ser cozinhada em lume brando. Mais desemprego, mais pobreza, mais impostos, mais cortes salariais, pensões mais baixas, mais sacrifícios, não passamos, não passaremos disso.

Nesta tal situação “insustentável”, poderemos ainda conceder o benefício da dúvida a quem nos desgoverna?

Só se for por masoquismo, por ignorância, por preguiça. Tudo maus conselheiros, convenhamos.

A única alternativa para o insustentável é criar alternativas, é não ficar à espera do D. Sebastião.

A única alternativa para todos os que estão a ser cozinhados em lume brando pelos órgãos de “soberania” é activar o movimento social, é activar palavras com sentido de solidariedade e luta.

É activar a senha da democracia do 25 de Abril: o povo é quem mais ordena!


quinta-feira, 10 de junho de 2010

UMA QUESTÃO DE SOBERANIA*


Em Setembro, para ganhar as eleições, o Partido Socialista apresentou ao eleitorado um programa de governo que prometia relançar a economia, promover o emprego, mais prestações sociais, mais igualdade, combater as descriminações. É conhecido o que se passou a seguir.

O Governo de José Sócrates, mal entrou em funções, rasgou o tal programa, dito de outro modo, desonrou-se. E, na senda dessa desonra, decidiu prestar vassalagem ao directório Berlim/Bruxelas e às políticas de austeridade, de recessão económica e de desemprego decididas pelos mandões da UE.

E, assim, ao cabo de poucos meses chegámos ao ponto de hoje em que Portugal vive uma situação totalmente inaceitável, uma situação só comparável ao que aconteceu nos idos da Dinastia Filipina e do Ultimato Inglês.

Não se trata aqui de nacionalismo serôdio, o que está em causa é a nossa liberdade e a nossa democracia.

Temos um governo que, apesar de eleito pelo povo, perdeu a autonomia e a independência, que deveriam ser o seu principal atributo. Um governo que cedeu o poder de governar a favor de uma entidade estrangeira.

Temos um Presidente da República e uma Assembleia de Deputados aparentemente conformados com esta perda de soberania.

Para que tudo se torne mais claro e para que se confirme que na prática a democracia portuguesa foi metida na gaveta, só falta que Bruxelas nos envie um Alto-comissário.

Os ataques contra as economias dos países do Sul da Europa, os PEC’s, a austeridade, tudo isso foi arquitectado e tem sido conduzido por Bruxelas sob as ordens do governo alemão.

Tudo começou quando o comissário Almunia, em Fevereiro deste ano, veio proclamar que Portugal, Espanha e Grécia estavam em “perda constante de competitividade”, e que, por isso, não tinham a confiança dos mercados.

E, logo a seguir, veio a exigência de medidas restritivas para impor a ordem nas contas públicas e o equilíbrio orçamental.

Ora, há alternativas a esta ortodoxia de inspiração neo-liberal, não existe nesta matéria uma teoria económica consistente como pedra, incontestável.

Só para dar um exemplo, em entrevista recente ao Jornal de Negócios, o economista João Ferreira do Amaral manifestou-se “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.

Há dois dias foi a vez do Jean-Claude Juncker vir dizer que Portugal e Espanha têm que mexer na legislação laboral e nas pensões de reforma, que têm que fazer mais sacrifícios e reformas estruturais (as velhas palavras-chave do léxico neo-liberal).

O Presidente Cavaco Silva, por uma vez, teve uma boa reacção e retorquiu que “Só o Governo ou a Assembleia podem colocar essa questão na agenda. Nenhuma entidade exterior pode colocar questões dessas.”

Mas o problema é que a resposta de Portugal não pode ficar por aí, não nos podemos limitar a mandar calar as vozes de alguns mensageiros.

O que se impõe perante as humilhações que temos vindo a sofrer é que Portugal recupere a honra perdida e adopte uma estratégia coerente de riposta.

Impõe-se que tome a iniciativa de abrir com os outros países do Sul, incluindo se possível a França, um debate acerca de soluções alternativas ao PEC, que sejam compatíveis com o crescimento económico e a criação de emprego.

Mas este debate deverá ir mais longe, deverá incluir a análise de estratégias que impliquem a saída do euro e da UE.

Como explicou João Ferreira do Amaral na citada entrevista, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.

O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro?

É prático ir aqui ao lado a Espanha ou a outros países mais longe e não ter que estar a trocar moeda. É verdade que é prático.

Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que era suposto serem asseguradas pela moeda única, foram apenas uma miragem e o euro revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

Diziam os economistas do costume, quando a crise começou no Verão de 2008, que felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo, estávamos no euro.

Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?

A União Europeia já não existe. No meio dos seus escombros podem-se vislumbrar três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.

Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais. Parceiros possíveis são vários, modos de associação também. Há muitas hipóteses para pôr em cima da mesa.

Do meu ponto de vista, a solução ideal passaria pelo projecto de uma nova comunidade internacional com os países europeus do sul, mas que incluísse também os países do Magrebe. Que se poderia chamar Comunidade Mediterrânica.


No imediato, iniciar formalmente uma negociação para reforçar a solidariedade dos países do Sul da Europa colocaria a Alemanha e os seus aliados do Norte na defensiva, obrigá-los-ia a maior moderação e alteraria a relação de forças entre os países do sul e a comunidade internacional e os mercados.


A hipótese de uma Comunidade Mediterrânica favoreceria a aproximação entre povos que têm compartilhado um longo percurso histórico que, embora nem sempre tenha sido pacífico, deixou marcas e afinidades culturais profundas.


Estão, por isso, esses países especialmente apetrechados no seu conjunto para construírem entendimentos políticos e de, na sequência desses entendimentos, serem capazes de se entre ajudarem economicamente.


Este novo espaço geopolítico ganharia no futuro um grande peso internacional, podendo em particular contribuir para se estabelecerem outras pontes e parcerias, baseadas na reciprocidade e no respeito das leis internacionais, com o Médio Oriente e com os países da África subsaariana.


Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
* Escrevi este texto para o blogue esquerda2011.blogspot.com

terça-feira, 8 de junho de 2010

ALTAS CILINDRADAS


Venho do Algarve, pela auto-estrada A2 que o Guterres concluiu, pode-se vir muito depressa por aí acima. Mas eu gosto de ver a paisagem e o carro também não é de grandes velocidades, mantenho-me na via da direita.



À minha esquerda, eles passam como flechas siderais, os belos carros acabados de sair do stand, a maior parte. Grandes bólides, não são Cadillacs, não estamos em Hollyood e os Cadillacs já passaram à história. São carros europeus de alta cilindrada, alemães, claro, Mercedes, BMW, Audis, altos carros. Impressionante.

Pergunto a mim próprio, se calhar enganei-me na estrada, ainda vou ser multado, isto aqui é só para carros da alta, deve haver alguma lei. Nunca se sabe, nos tempos que correm, as leis socialistas gostam muito de proteger quem tem dinheiro.

Chego a casa à hora do telejornal, afinal não fui multado.
Estava um senhor a falar, não percebi bem qual era a nacionalidade dele, mas falava em nome da União Europeia e tinha ar de quem sabia do que estava a falar.

Falava de Portugal e da Espanha com a autoridade de quem sabe o que é que deve ser feito. Tinha um vago sorriso para parecer simpático, podia vender cobertores ou banha da cobra, tinha jeito para isso, e lá ia dizendo de dedo em riste que isto não acabava em 2010, nem em 2011 e que Portugal ainda tinha muitas reformas para fazer, segurança social, leis do trabalho, mais flexibilidade, trabalhar mais tempo, redução de salários e de reformas, mais sacrifícios, ainda estamos longe de resolver o problema do deficit, as contas públicas estão no vermelho.

Não falava dos bancos nem das grandes empresas, não se referia ao dinheiro que essa gente recebeu nos últimos tempos do Estado, ou seja dos contribuintes como eu, apenas insistia que, por causa do deficit, por causa do euro, por causa dos mercados, as pessoas tinham que continuar a sacrificar-se, era a obrigação delas, não havia alternativa.

Falava melhor que um oráculo, não era preciso grande esforço para se perceber o que é que o homem queria dizer.

Achei a coincidência extraordinária, por outras palavras, chocou-me a contraditória situação com que o meu discernimento se confrontava ali sentado em frente ao LCD, dividido entre as imagens do eldorado espampanante da A2 e as misérias e as desgraças anunciadas por detrás do sorriso daquele senhor de Bruxelas.

Achei que alguma coisa não batia certo.

Por um lado, um tipo da CEE ostentando despudoradamente a descarada displicência de quem nos vem chagar, ameaçar e dar ordens como se isto fosse a terra dele.

Por outro, a imagem da A2 atravessada a grande allure por muitos outros tipos que continuam manifestamente na sua bela vidinha, a acelerar como cão que passa por vinha vindimada, sem darem cavaco.

Uns tipos com aquele ar de quem acha que isto é tudo deles, a maior parte dos quais provavelmente nem sequer contribuíram para uma mínima parcela dos impostos que pagaram o autódromo.

E pensei com os meus botões: será que esta gente, os da CEE e os da alta cilindrada, estarão todos de conluio?

Do que não tenho dúvida é que, entre o pessoal das grandes cilindradas, muitos andarão a aproveitar a crise para baixar salários, aumentar as horas de trabalho e conseguirem lucros exorbitantes. Daí os altos carros alemães.

Estão, é certo e seguro, a ganhar com a crise, a esfregar as mãos de contentes, estão a gozar à grande e à francesa. Não me parece que vão emigrar para o Brasil nem para parte nenhuma, por que é que haviam de emigrar?

Têm as costas quentes. Os senhores do eixo Berlim/Bruxelas/S. Bento/Belém estão aí para os proteger.

domingo, 6 de junho de 2010

OS ANARQUISTAS




Por breves minutos, esqueçamos as misérias políticas que temos que aturar todos os dias, ignoremos a miséria jornalística de uma hora de telejornal consagrada histericamente em todos os canais à viagem épica dos jogadores portugueses para a África do Sul.

Viagem "épica" mais de quinhentos anos após por lá ter passado, numa frágil casca de noz, o grande e ignorado herói português Bartolomeu Dias.

Por breves minutos concentremo-nos em coisas mais sérias.

Nos tempos do bloco hegemónico dos grandes banqueiros e do grande cerco que o capital impõe à vida de todos nós, voltemo-nos para memórias que nos lembram muitos heróis anónimos que lutaram por uma sociedade justa e sem senhores.



Recordemos, pensemos, ouçamos. Há tantas referências para nos alimentar o espírito e a resistência ao statu quo.

Ouçamos, por exemplo, Léo Ferré cantando Les Anarchistes, poema e música dedicados a Mikhail Bakunin, “ce camarade vitamine”, e aos anarquistas espanhóis nossos vizinhos.

Imaginemos como Léo Ferré cantou pela primeira vez esse poema naquele dia 10 de Maio de 1968, primeiro dia das barricadas no Quartier Latin, na sala da Mutualité de Paris.



"Les Anarchistes".- Letra e música de Léo Ferré


Y'en a pas un sur cent et pourtant ils existent
La plupart Espagnols allez savoir pourquoi
Faut croire qu'en Espagne on ne les comprend pas
Les anarchistes

Ils ont tout ramassé
Des beignes et des pavés
Ils ont gueulé si fort
Qu'ils peuv'nt gueuler encore

Ils ont le cœur devant
Et leurs rêves au mitan
Et puis l'âme toute rongée
Par des foutues idées

Y'en a pas un sur cent et pourtant ils existent
La plupart fils de rien ou bien fils de si peu
Qu'on ne les voit jamais que lorsqu'on a peur d'eux
Les anarchistes

Ils sont morts cent dix fois
Pour que dalle et pour quoi?
Avec l'amour au poing
Sur la table ou sur rien
Avec l'air entêté
Qui fait le sang versé
Ils ont frappé si fort
Qu'ils peuvent frapper encore

Y'en a pas un sur cent et pourtant ils existent
Et s'il faut commencer par les coups d'pied au cul
Faudrait pas oublier qu'ça descend dans la rue
Les anarchistes

Ils ont un drapeau noir
En berne sur l'Espoir
Et la mélancolie
Pour traîner dans la vie
Des couteaux pour trancher
Le pain de l'Amitié
Et des armes rouillées
Pour ne pas oublier

Qu'y'en a pas un sur cent et pourtant ils existent
Et qu'ils se tiennent bien le bras dessus bras dessous
Joyeux, et c'est pour ça qu'ils sont toujours debout
Les anarchistes.