PEDALAR É PRECISO!

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

REABILITEMOS A POLÍTICA




Se a situação do país não fosse tão trágica, haveria muitos motivos para galhofa, razões para nos divertirmos, para gozar com as situações caricatas dos últimos tempos.

Ontem, dia 28 de Dezembro de 2010, depois do debate Cavaco/Alegre, muitos jornalistas e comentadores da televisão vieram-nos dizer sem rir e com um ar compenetrado, competente e isento, que o Cavaco é um grande político, um político genial.

Esse foi o tom da maior parte dos comentários. Isso não me surpreendeu, a comunicação social em Portugal é o que é. Comentadores de encomenda.

Ouvi, por exemplo, um jovem comentador que presumo socialista explicar que o Cavaco tinha ganho o debate com o Manuel Alegre. O que é interessante no seu depoimento é que todos os argumentos que ele apresentou iam exactamente no sentido contrário. Situacionismos, deve ser isso, tem que se fazer pela vida.

Constato que esta gente comentadora toma sem o mínimo pudor as pessoas, que se dão ao trabalho de os ouvir, por parvas, por burras. Ou então, apenas estaremos a assistir a um daqueles filmes de ciência ficção de fim do mundo, um filme de day after em que os protagonistas são afectados por uma estranha epidemia que os impede de reconhecer o que se passa à sua volta.

Ou será que conscientemente todas essas boas almas simplesmente aceitaram participar numa farsa de mau gosto? Uma farsa em que o protagonista central, o BPN, já custou ao povo português pelo menos cinco mil milhões de euros, ou seja, mais coisa menos coisa, o equivalente a todos os cortes de salários e de benefícios sociais e de aumento de impostos que a política de austeridade do governo Sócrates nos impôs para o ano de 2011.

Será que o BPN é uma farsa? Sejamos, então coerentes. Se aceitamos que o BPN é uma farsa, isso quererá dizer que também Portugal é uma farsa.

E porquê? Porque o BPN seria todo o país, serámos apenas o país que engordou à custa do dinheiro fácil, que aproveitou o regabofe dos fundos europeus, o país que bebeu proventos e proveitos em mafiosas protecções, que se habitou a viver das cunhas e dos compadrios políticos, o país cujos chefes nos vieram dizer que os crónicos problemas de quem perdeu o comboio da industrialização e da democracia política tinham ficado todos resolvidos a partir do momento em que entrámos na CEE e no euro.

Não é exagerado afirmar-se que, historicamente, o triunfo em Portugal da era da grande corrupção em geral e do BPN em particular, são um produto do cavaquismo e das redes de amigalhaços que começaram a prosperar nessa época à sombra do chefe.
O Oliveira e Costa, acho que é assim que o homem se chama, já no tempo em que era secretário de estado dos assuntos fiscais do Cavaco ganhou cadastro, aquela história de ter perdoado uma enorme dívida fiscal a um amigalhaço dele, lá de Aveiro. Isso foi falado, houve notícias, mas não aconteceu nada. O homem lá continuou protegido pelo serralho cavaquista e depois, coisa extraordinária, conseguiu fundar um banco, o tal de BPN.

Sejamos justos com o capitalismo.

No capitalismo, desde pelo menos o século XVII, a sua figura de proa foi sempre o banqueiro. Mas havia uma exigência ética par alguém ascender a esse altíssimo e privilegiado estatuto.

Quem é que podia ser banqueiro, criar um banco, receber fundos, emprestar dinheiro, cobrar juros?

Isso continua a ser um privilégio reservado aos deuses, se é que há deuses. É apanágio, é distintivo do capitalismo.

O banqueiro podia, pode ser o pior filho da puta, passe a expressão, podia, pode ser o mais reles explorador, mas ninguém nunca pôde pretender ser banqueiro se não tivesse uma aura de credibilidade e de honestidade.

Oliveira e Costa, como é que este senhor conseguiu fundar um banco, quais eram as suas credenciais? As piores.

Onde estava a aura bancária do Oliveira e dos seus apaniguados? Era tudo gente protegida pelo cavaquismo, voilà.

Perguntemos então: é o Cavaco uma pessoa desonesta?

A resposta óbvia, inquestionável é: tal como o Doutor Salazar, o Doutor Cavaco não é, nunca foi, nem nunca será homem para utilizar os seus poderes para encher os próprios bolsos, essa não é nem poderá ser a sua vocação. Mas, a questão não está aí.

Não está aí, mas, apesar disso, essa maneira de colocar o problema convém nestas eleições ao Doutor Cavaco, porque isso lhe permite retorquir de maneira suave e cândida a quem o queira ouvir: alguém que queira ser mais honesto do que eu terá que nascer duas vezes. Claro, claro, Doutor Cavaco, tem razão. Mas sabe que essa resposta não é honesta. Não é politicamente honesta.

Porque, Doutor Cavaco, como é que consegue explicar a história do banco do Oliveira e Costa e do Dias Loureiro e de toda aquela malta com os seus negócios, sem se referir ao papel do que foi o cavaquismo em tudo isso?

Consegue, Doutor Cavaco, ignorar e fazer esquecer que a influência nefasta da parte nefasta do cavaquismo marcou de maneira irremediavelmente negativa o regime que herdámos dos anos 90?

Doutor Cavaco, a imagem que transmitiu de si próprio no debate com o Manuel Alegre foi penosa. Mas, foi também preocupante, quando se pensa que pode acontecer a desgraça de voltar a ser eleito presidente da república, principalmente na trágica situação em que este desgraçado país se encontra.

Transmitiu a imagem de alguém que se limita a considerar-se um grande economista que reverentemente se ajoelha perante o poder dos especuladores internacionais. A imagem de alguém que não se preocupa com a soberania do país, que é incapaz de reconhecer publicamente o seus erros, a imagem de alguém que nem respeita os seus adversários, nem aceita o contraditório.

Doutor Cavaco, a sua prestação frente ao Manuel Alegre, ao contrário da ilustre opinião dos ilustres comentadores que as televisões nos impingem, não teve nada de genial. Bem pelo contrário, ela foi um insulto a todos quantos consideram a política uma nobre actividade.

Insulto que remete para problemas de carácter que não são despiciendos.

As sondagens dão ao candidato-presidente 60% das preferências eleitorais, o homem para todos os efeitos está, parece estar eleito, praticamente não precisaria de fazer campanha.

O que é que lhe passou pela cabeça, quando começou a atacar o seu opositor daquela maneira despropositadamente agressiva?

Doutor Cavaco, não estamos nem na Coreia do Norte, nem na China, nem em Cuba, nem no Irão. Ainda não estamos.

Quando o debate chegou ao fim, fui assaltado pela lembrança de um célebre debate televisivo.

Recapitulemos, o Doutor Cavaco tem à partida tudo para ser eleito. Por mim, estava à espera de ver o homem com uma abordagem incisiva mas calma, descontraído e confiante.

Ora, o que vi foi um candidato agressivo, arrogante, quase malcriado, um candidato-presidente que não teve a humildade de responder a uma única das questões que lhe foram colocadas, um político crispado, com dificuldades de articulação e de sintaxe, alguém sem auto-controle.

Passo à frente, lembrei-me então do famoso debate em que o Dr. Cunhal observava sorridente ao Dr. Soares: “olhe que não, olhe que não, Doutor!”

Mas, nesses tempos a política e os políticos tinham estatura, tinham carácter, tinham história, falavam por si, tinham convicções, sabiam argumentar e sabiam ouvir. A política tinha a ver com ética e com arte.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

SITUACIONISMOS


No tempo do Estado Novo, a palavra que melhor caracterizava esse triste regime, a palavra que toda a gente conhecia era a palavra situação. Para quem sabia que fulano de tal era da situação, essa pertença tinha um forte e óbvio significado. Toda a gente sabia o que é que isso queria dizer, e tudo isto apesar de o país ser maioritariamente analfabeto e apolítico.

Sabia-se que quem estava na situação era gente que tinha algum poder, que isso lhe dava vantagens, grandes, pequenas ou enormes. Podia consistir apenas em ter acesso a um emprego de contínuo ou de mulher-a-dias numa repartição, podia ser uma pequena protecção, um favor, uma licença para uma mercearia, um café, uma dispensa da licença de isqueiro ou de outra coisa qualquer.
As vantagens substanciais, essas tinham naturalmente a ver com grandes negócios e com grandes privilégios. Mas tudo funcionava pelo melhor, o sistema era completamente interclassista.

Na sua luta pela sobrevivência, as pessoas comuns acomodavam-se com os poderes da situação, embora em privado contassem histórias, rumores ou anedotas nada favoráveis aos situacionistas. Mas o imaginário popular curvou-se sempre respeitosamente perante aquele vasto território subterrâneo de cumplicidades e vassalagens invariavelmente apoiadas pelas competentes autoridades oficiais.
Durante quase 50 anos, as coisas funcionaram assim. Dir-se-á, são histórias tristes mas são histórias antigas, valerá a pena perder tempo com isso?

Leio os jornais, leio as notícias, leio os comentários, vejo telejornais, ouço os comentadores na televisão e percebo que há um nexo entre quase tudo o que leio, vejo e ouço. Percebo também que esse nexo tem a ver com o velho situacionismo salazarista.

Não vou dar exemplos, eles saltam à vista.

Jornais e telejornais, as cenas repetem-se invariavelmente. Há o deficit, há o orçamento, há o tango Sócrates-Passos, há os bancos, há as agências de rating, o euro, a Merkel, a Comissão de Bruxelas, o Sócrates, o Cavaco.

Às vezes, também se fala de corrupção, de desemprego, de austeridade, de pobreza, and so on, também da ausência de futuro para os jovens. Mas embora tudo isso exista, tudo isso é triste, tudo isso é fado.

Nas agendas jornalísticas, há também breves referências à campanha para as eleições de 23 de Janeiro, nas quais se sublinha principalmente a inevitável reeleição do candidato-presidente. Mas não se percebe se os autores dessas predições estão verdadeiramente convictos que essa reeleição impedirá o descalabro que se anuncia para 2011 e anos seguintes.

No meio das agendas, dos discursos, dos ditos e dos não-ditos, da propaganda e da contra-propaganda, há as tretas da democracia, o governo, o parlamento, a opinião pública, o presidente da república, tudo intocável!

No cafarnaum de todos estes consensos mediáticos, há uma questão que mereceria ser colocada: será que os faiseurs d’opinion, os jornais e a televisão, admitem que possa haver outras alternativas, será que faria sentido dar a voz a outros protagonistas, a outros pensamentos, porventura a algumas heterodoxias?

Mas que raio de questão, dirão os respeitáveis editores. Para os senhores e senhoras que todos os dias nos debitam as palavras que nos ensurdecem, existe uma única, verdadeira e óbvia incógnita que é a seguinte: no bloco central, quem é que vai mandar nos próximos anos? Eis a suprema incerteza que domina esses esclarecidos espíritos e preocupa as suas preocupadas consciências.

Muitos empregos, muitas assessorias, muitos negócios, muito dinheiro e muitos privilégios estarão em jogo dependendo de quem sejam os donos da futura situação.
É aí que entram em cena os faiseurs d’opinion. Não apenas aqueles que escrevem e que opinam, mas principalmente os que pagam e os que conspiram, os donos da situação, os fazedores de situacionistas.

O povo vai lendo, o povo vai ouvindo, o povo é sereno, já dizia o saudoso Pinheiro de Azevedo. Valha-nos isso, nunca se sabe.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ROTTWEILERS




Rottweiler? A palavra é estrangeira, é alemã, tem a ver com um cão pastor dos Alpes, originário dos arredores de Rotweil. Cães são apenas cães, não tenhamos preconceitos. E estes rottweilers até tinham funções muito úteis, conduziam os rebanhos.

Mais tarde, tornaram-se cães polícia, porque eram agressivos, muito robustos, ágeis e resistentes.

A verdade é que costumo reagir mal, sempre que ouço esse nome, haverá muita gente que reage assim e com razão. Rottweiler, quando ouço a palavra, ela vem invariavelmente acompanhada por uma notícia que mete uma desgraçada vítima atacada por um cão, cujo dono passará o seu tempo a divertir-se porque o dito cão mete imenso medo. O problema é que isso não fica por aí, apenas pelo medo, e temos então mais uma desgraçada vítima do tal cão.

Mas o significado do conceito rottweiler tornou-se mais problemático na última semana, graças às indiscrições dos Wikkileaks.

A história é conhecida.
Um embaixador americano em Lisboa terá procurado sossegar os seus patrões de Washington na carta que lhes enviou sossegando-os quanto aos voos dos prisioneiros que iam para Guantánamo e passavam pela base das Lages. Escreveu o embaixador, o Governo português não era problema, o Sócrates e o Amado eram óptimos, estavam ajudar, não se preocupassem.
Havia apenas um pequeno problema, um pormenor de somenos, uma deputada do partido socialista, de nome Ana Gomes, ela tinha a mania de não largar o osso. Era uma rothweiler que continuava a insistir sobre o carácter ilegal daqueles voos de prisioneiros da CIA a caminho de Cuba-Guantánamo.

O embaixador gringo deve perceber imenso de cães, o que não é o meu caso. Cães ao largo, longe, não me meto com eles, espero que eles não se metam comigo, é assim que deve ser. Nada a acrescentar.

Mas, passei a ter dúvidas sobre os rottweilers e, na minha ignorância, até pensei, pensando no Bento XVI, passe o pleonasmo, até talvez sejam mais interessantes do que os pastores alemães.

Os rottweilers pelos vistos não largam o osso, são persistentes, isso parece-me bem, estão no seu papel de cães. Mas estes cães não são pessoas, haverá sempre necessidade de alguém que os controle. Ora, o embaixador americano parece dar a entender que alguém controlará a deputada Ana Gomes.

Ora, neste aspecto particularmente sensível e significativo e pertinente and so on, o sr. embaixador USA parece ter-se enganado.

É que a deputada socialista Ana Gomes não continua apenas a persistir quanto à denúncia da responsabilidade do governo português na sua cumplicidade com os crimes das autoridades americanas.
Agora, a deputada resolveu denunciar outras cenas vergonhosas do Estado português e seus altíssimos e digníssimos representantes e dirigentes. Não se limita a falar de Guantánamo e da base das Lages e das responsabilidades dos seus colegas de partido Sócrates e Amado. Agora acrescentou uma queixa à Comissão Europeia por causa do sinistro negócio dos submarinos alemães comprados pelo governo português.

Mas há aqui nesta denúncia um problema bicudo. Quem é que conduziu o sinistro negócio? Foi o primeiro-ministro português Durão Barroso. Quem é que vai apreciar a queixa da deputada Ana Gomes? O sr. Durão Barroso presidente da Comissão de Bruxelas.

Haverá outros rottweilers políticos prontos a atacar na cena política deste pobre e pequeno país? É que ossos apetecíveis e saborosos não faltam.

De todos, qual será o maior e mais gostoso de todos? O BPN, claro.

O BPN, aquele banco dos dilectos amigos e companheiros do doutor Cavaco.

O BPN, aquele promíscuo negócio “nacionalizado” pelo Sócrates e pelo seu dilecto ministro das Finanças, em nome do perigo sistémico da eventual falência do dito banco.

O BPN, aquele poço sem fundo que já custou quase cinco mil milhões de euros ao Estado português.
Ou seja, traduzido por coisas concretas que toda a gente entende, que já custou pelo menos os cortes no abono de família, no subsídio de desemprego, nos salários da função pública, o congelamento das pensões, os aumento de impostos, etc., etc.

Agora, o Sócrates e o Santos das Finanças resolveram investir mais 500 milhões no tal de BPN. Haverá alguém capaz de parar a diabólica engrenagem destas infindáveis mesadas? Rothweilers?

sábado, 11 de dezembro de 2010

A FOME ESTÁ NA MODA


O doutor Cavaco foi à TV dizer que os portugueses deviam ter vergonha pelo facto de haver outros portugueses que estão a passar fome.

Registei a comunicação, confesso que quase me comoveu.

Mas, ponderando as doutas palavras, confrontando os meus botões, cheguei a uma conclusão inevitável: nem sempre o que parece é. Por outras palavras: não inventei a pólvora.

Primo, provavelmente, muitos desses famintos a que o sr. presidente se estaria a referir nem serão assim tão portugueses, simplesmente tiveram o azar de vir cá parar, vieram para trabalhar, muitos nem sequer terão dinheiro, nem casa, nem país para onde voltar.

Secundo, quando falou de fome, o doutor Cavaco provavelmente estaria a referir-se àquela história das bandeiras negras contra a fome, que apareciam na televisão. Mas isso já foi há bastantes anos, aconteceu nos idos de 1990 quando o agora presidente-candidato era o todo poderoso primeiro-ministro.

Lembro-me que na altura ele não gostou nada nem das tais bandeiras, nem de que se falasse publicamente que havia portugueses com fome. Na sua autorizada opinião, os culpados de tudo isso eram as forças do bloqueio.

Tertio, o que é que mudou então desde essa época das bandeiras negras?


Explique lá doutor Cavaco essa sua conversão, por que é que agora se comove tão facilmente por causa dos desgraçados que não têm que comer, que não têm um tecto, que não têm futuro, que estão perdidos?

Pesa-lhe alguma coisa na sua consciência, doutor Cavaco?
Sente-se envergonhado?

Esta cena de televisão, o discurso eleitoral para povo ver fez-me pensar em Molière, fez-me pensar no Tartuffe, para ser mais preciso.

A hipocrisia política não é muito diferente da hipocrisia do quotidiano, da hipocrisia nas relações humanas. Mas ela é certamente mais sofisticada.

Além da falsa ingenuidade, a hipocrisia dos políticos de sucesso joga com a falta de memória e as desatenções da gente comum.

O pessoal vê televisão, ouve umas coisas aqui, vê outras ali, repara nisto e naquilo, mas não se dá conta, vai esquecendo, a luta pela sobrevivência está cada vez mais difícil. Há outras coisas em que pensar, o emprego, as contas da casa, os filhos, as doenças, o orçamento do fim do mês, o patrão, o mundo está cada vez mais a ferro e fogo como diria a Fred Vargas. No meio de tudo isso, a memória vai-se perdendo, o sentido crítico é um luxo exorbitante.

O povo que vota tem a memória curta, comove-se facilmente, o povo gosta de ver os políticos pavonearem-se na TV. Qu’est-ce qu’on peut faire?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

D. DUARTE A PRESIDENTE



Os reis de Portugal, tenho deles uma boa recordação dos tempos de escola, da escola primária.

Sabíamos a cronologia completa dos reis de todas as dinastias, sabíamos pormenores disto e daquilo, havia muita manipulação, claro.

Tinha os meus reis preferidos, D. Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I, D. Pedro V.

Mas o D. Afonso VI, o 2º rei da dinastia de Bragança era o que despertava mais a minha curiosidade, não percebia muito bem aquela história de ele ter perdido o trono e a mulher para o próprio irmão, chocava-me que o rei tivesse acabado tristemente os seus dias naquele palácio de Sintra preso no seu quarto, enquanto o irmão se regalava. Uma história de família provavelmente como muitas outras, entre os senhores das monarquias devia ser mais ou menos assim, era a justificação que dava a mim próprio.


Da República, a escola primária não me deixou propriamente recordações.

Presidentes da República? Havia alguns nomes, mas referências, histórias, nada disso, vazio total. As Repúblicas não têm história, pelos vistos.

Na primeira República, os presidentes eram eleitos por uns comités que mandavam no parlamento.

Na República do Salazar, o presidente passou a ser eleito, não sei desde quando nem por que razões, por sufrágio universal. O povo passou a ser chamado a votar, inovação extraordinária para uma ditadura, estava muito segura dos seus apoios, deve ser o caso.

Mas, depois das eleições em que o Delgado foi vencido pela trafulhice geral, comandada pela pide e pelos lacaios da união nacional, o partido do Salazar, este decidiu acabar com essa história do sufrágio universal. Acabou-se, o Américo Tomás passou a ser eleito por um colégio reservado ao pessoal da assembleia nacional salazarista.

Percebe-se que, depois de 1974, a Constituição do novo regime tenha decidido que a eleição do Presidente da República passaria de novo a ser feita por sufrágio universal. Era a revolução, donc, passemos a palavra ao povo.

Mas foi uma mudança cheia de ambiguidades. De revisão em revisão constitucional, foi-se passando de um regime semi-presidencialista para um regime semi-regime, ou seja, confuso à boa maneira portuguesa. Ou seja, racionalidade, clareza, transparência, responsabilidade, nada disso tem a ver com a nossa Weltanschauung como gostam de dizer os alemães.

Assim, passámos a eleger, nós, o povo, um tipo que é suposto ser o vértice, o dirigente mais importante do Estado, aquele que toma as grandes decisões, aquele de que toda a gente espera principalmente nos momentos mais difíceis que tome as grandes, as complicadas e decisivas decisões. Era isto que se esperava, mas num regime semi-regime, a lógica diz-nos niente, nada, tenham juízo.

Oh, Cavaco, o que é que tens andado a fazer durante todos estes anos de presidente? Andaste a preparar o teu segundo mandato, não foi?

Grande economista, onde é que estavas em Setembro de 2008, quando já toda a gente via a maldita da crise a cair-nos em cima com as garras afiadas?



Andavas a divertir-te com as escutas lá no teu pequeno palácio ali em Belém, tens-te sentido na pele dum reizinho ameaçado pelas intrigas dos teus cortesãos? Divertido, pas vrai?

Divertiste-te mais com aquela história do estatuto dos Açores ou com história das escutas?

E o que é que vais fazer agora, quais são os teus planos para o novo mandato?

Será que tens mesmo planos, ou será que estás apenas à espera que talvez a certa altura alguém te reconheça e tu próprio te sintas finalmente como uma pessoa importante na história deste pequeno país?

Vais ser eleito, o povo é quem mais ordenha, é seguro, o povo é sereno já dizia o Pinheiro de Azevedo no Terreiro do Paço.

Bendita serenidade, por mim ficava mais sereno se o povo resolvesse acampar no Terreiro do Paço e só de lá saísse quando tu te fosses embora, tu e os teus amigos, que são inúmeros, nem sequer vale a pena pronunciar os seus nomes.

Todos os políticos são iguais na sua insignificante vaidade e mediocridade?

Ontem ouvi o companheiro Duarte de Bragança na televisão. Gostei de ouvir o homem, é-me simpático, se calhar isso terá a ver com alguma nostalgia infantil pelos antigos reis de Portugal.

É também verdade que me reconheço no discurso dele.

Defendeu o cooperativismo, falou do António Sérgio, não parece que goste muito nem do mercado nem do PPM, foi expulso de Angola pela pide e agora quer obter a cidadania timorense.

Em alternativa à união europeia de má memória, defende uma aproximação ao Brasil e aos outros países lusófonos, ou seja, quer que a CPLP passe a ser a nossa UE.

Por mim, não tenho nada contra, tudo pelo contrário. Angela Merkel, Durão Barroso, Sarkosy, Berlusconi, o que é que eu tenho a ver com essa gente?

Oh! Duarte de Bragança candidata-te a rei-presidente, prometo que votarei em ti, companheiro!