PEDALAR É PRECISO!

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ANNIE GIRADOT




Vi a Annie Girardot em muitos filmes. Girardot morreu hoje com quase 80 anos, sofria já há algum tempo de Alzheimer. Nunca a esquecerei.

Girardot não era Bardot, nem Deneuve, nem Moreau. Há comparações que não vale a pena fazer.

Girardot era uma francesa classe moyenne no melhor sentido do que é a classe média francesa, gente de espírito crítico, gente pronta para ser rebelde, de humor cáustico, de resposta fácil, gente inteligente, gente que não se leva a sério, mas gente que está sempre pronta para o que der e vier, gente com talento mas que não tem privilégios sociais. Gosto dessa gente. São pessoas que vêm para a rua quando é preciso, que protesta, gente que sorri, quase sempre gente solidária. Gosto dessa gente.

Mas não é apenas por isso que gosto desde há muitos anos da Annie Girardot. Ela era uma grande actriz e para mim isso é argumento de peso para gostar de alguém.

No sorriso de Annie Girardot, nos desafios do seu olhar quando eles nos olhavam no écran, a mulher que ela era lá bem dentro de si mesma, essa mulher não desaparecia, ela continuava lá, a personagem mudava mas ela continuava lá. Girardot era John Wayne. I like John Wayne.

Quando hoje soube a triste notícia, os meus neurónios ligaram-me à velocidade da luz a um filme.

Um filme de 1960 que é uma hora de glória para muita gente, filme de glória para os que o fizeram, para todos quantos nele participaram. E também hora de glória e de felicidade para todos aqueles que tiveram o privilégio de o ver.

Rocco e i suoi fratelli é um sommet da sétima arte, um sommet da arte de Lucchino Visconti ecco l’uomo. Lucchino Visconti, metteur en scène de Maria Callas no Scala de Milão, Luchino Visconti metteur en scène dos pescadores de Terra Trema, Luchino Visconti aristocrata de Senso. Luchino Visconti.

Rocco e i suoi fratelli é uma tragédia naquele sentido original, grego. Mas pode-se acrescentar a esse sentido que a catástrofe em causa é também uma tragédia sociológica, a lista dessas catástrofes é aliás muito extensa mas a sociologia não é uma arte.
Rocco não tem nada a ver com aqueles manuais chatos, com os seus chavões estafados, modernização, urbanização, imigração, êxodo rural.
Rocco são as desgraças dessas coisas, desse chavões, mas não é sociologia, é arte, é conhecimento íntimo de sentimentos, de destinos com pessoas à mistura, é testemunho da humanidade que nos vai passando diante dos olhos e de que em geral nós não nos damos conta. Mais tarde talvez, mas muitas vezes já não vamos a tempo.
Rocco, testemunho sobre a perda dos lugares de origem, infância, adolescência, tios, pais, tias, primos, primas, brincadeiras na rua, testemunho irreparável sobre a inevitábel dissolução das famílias em lugares pequenos que não têm futuro, sobre a solidão dos que perdem o rumo quando são obrigados pela força das desgraças que lhes acontecem e que eles não sabem, não percebem como é que lhes caíram em cima, quando eles são obrigados a viajar para um lugar desconhecido de gente desconhecida e que quando, depois de chegarem, são apanhadas inocentes na engrenagem da destruição que os espera com aqueles que estão lá à espera no seu papel de exploradores de mão de obra barata pronta a sacrificar-se se necessário. O senhor dirá, dizem as vítimas.

Alain Delon, no papel mais extraordinário que alguma vez teve na sua extraordinária carreira é o agnus dei em nome da família Rocco vinda do Mezzogiorno para o mundo cruel e desconhecido da grande cidade capital do Norte e da Itália, Milão, cidade capital da ópera, Verdi, Puccini, Callas and so on.

Delon é o anjo sacrificado, em todo o esplendor de um destino sem remissão, talvez salve a sua família mas não consegue salvar a sua amada.

A sua amada, a principal vítima desta tragédia é Annie Girardot, vítima sublime, actriz rara. Por detrás da câmara estava Luchino Visconti. Ecco l'uomo.
Nos compassos da tragédia de Rocco/Delon e de Nadia/Girardot ouço os compassos da música de Nino Rota. Compassos pungentes, podem crer, ouçam o filme.
I love Annie Girardot.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

TASERS, ORÇAMENTO, ORDEM SOCIAL


Imagino que o governo português terá no meio daquelas rubricas todas do orçamento que fez aprovar com a ajuda preciosa do PSD/PPD, imagino que ele terá introduzido nesse famigerado documento aprovado na assembleia dita da República muitos segredos, muitas rasteiras que passaram despercebidos, coisas que não dão nas vistas.

É que, no meio de tanto papel, quem o lê tem mais que fazer, temos que ser indulgentes para com esses leitores. Por mim nunca li esse tipo de literatura, não sou candidato, prefiro ler o Dostoiewsky ou o Bukowsky ou outros menos respeitáveis.

Pequena digressão, quando pronuncio o nome deste partido o PSD/PPD nunca sei se devo dizer popular, o que para mim tem conotações preocupantes, se bem que o Dom Luigi Sturzo que inventou o Partito Popolare italiano antecessor da Democracia Cristã fosse uma pessoa muito respeitável, ou se deva dizer social-democrata sendo que, nesta hipótese, não tenho dúvidas quanto ao seu significado porque vejo nessa designação qualquer coisa que é completamente exótica quando a confronto com a história da social-democracia desde os tempos do Marx, do Kautsky and so on. Em frente, basta de divagações.

Orçamento, despesas do Estado, dinheiros, muitos dinheiros é o que andamos todos a pagar à custa de muitas privações, uns mais do que outros, é claro.



O que me perguntei para mim mesmo naquele instante em que, graças à liberdade de expressão e principalmente à coragem de alguém que teve a desfaçatez, elogiemo-la assim, de divulgar aquele vídeo, vejo aquela cena da prisão de Paços Ferreira com uma tropa de polícias altamente treinada, uma tropa motivada e equipada a disparar, na ocasião sobre um preso da prisão de Paços de Ferreira, em aparte cidade mais conhecida por ser a capital do móvel, sobre aquele preso dizia eu que aparentava sem qualquer margem para dúvidas uma atitude passiva, uma atitude pacífica com os braços atrás das costas, não se percebe o que é que o homem estava a fazer de mal, provavelmente tem problemas existenciais graves disse para mim próprio, quem é nunca os teve, pergunto eu mais uma vez, a vida é um caminho cheio de imprevistos, só que a polícia altamente treinada e condicionada não foi treinada para saber dessas coisas não é conveniente, o homem no vídeo vê-se que está em posição inerte não sei se é esse o termo técnico do ponto de vista policial, o que me pergunto é quantos milhões é que o governo chefiado pelo senhor Sócrates, governante e comandante da chamada esquerda popular que, confesso humildemente não sei o que é isso quer dizer, o senhor Sócrates comandante dessa esquerda dita popular, pergunto-me eu mais outra vez com meus humildes e perplexos botões quantos milhões é que ele reservou para comprar aquelas armas Kaser, armas oficialmente catalogadas como armas não letais, armas aparentemente simpáticas concebidas apenas para imobilizar, talvez apenas para acalmar, uma espécie de super-genéricos Xanax, pergunto quanto dinheiro é que ele reservou para pagar esses instrumentos inócuos mas eficientes, mas que justamente porque são eficientes valem todo o dinheirinho que nelas se pode investir.


Armas, que tanto quanto percebi pelas minhas leituras desde há algum tempo já mataram e já invalidaram várias, não se sabe exactamente quantas, pessoas, inclusive polícias-cobaias.
Sabemos que o senhor Sócrates faz questão de se apresentar como um homem da eficiência, por isso, aliás, tem protegido, financiado e apoiado sem quaisquer restrições mentais ou financeiras aqueles senhores dos bancos, o Salgado e os outros. Este tem sido o seu ideal, gosta de se fazer passar por eficiente. Donc, se os taser são eficientes, nem que eles custassem tanto quanto o troço do TGV entre o Caia e o Poceirão, o senhor Sócrates nunca hesitaria, o Estado tem que avançar, o Estado tem que dar o dinheirinho para se comprarem essas armas miraculosas.
É que as razões para um tal investimento são cada vez mais imperiosas e é preciso pensar no futuro.

Ver longe, pensar no futuro, assim se distinguem os grandes homens de Estado dos pequenos carreiristas da política sem alma e sem pedigree.

Sobre o ideal do senhor Socrates manifesto o meu desacordo total e completo. É que quando ouço o velho argumento da eficiência, voilà un mot que me põe sempre com o ninho detrás da orelha. Confesso, todos temos as nossas fraquezas e o som dessa palavra faz-me sempre desconfiar que alguma coisa de pas clair está a ser preparada. Por isso, a história da taser de Paços de Ferreira não pode ser coisa boa, é o que me diz a minha experiência.

Nos últimos anos, li algumas coisas sobre esta famosa arma e fiquei deveras preocupado.
A taser parece-me ser, antes de mais, uma arma de humilhação e de destruição psicológica. Ora, se pensarmos nas depressões psicológicas, nos desenraizados, nos disfuncionais, nos desempregados, na gente com fome, nos excluídos e marginalizados and so on, todos em crescimento exponencial, a taser deve ser catalogada como uma arma de destruição maciça.
Ela parece muito pior, os seus efeitos parecem ser muito mais devastadores do que o daquelas armas que era suposto estarem guardadas no frigorífico do Saddam Hussein. Invasão do Iraque, Bush, Rumsfeld, Powell, Abu Grahib, conhecem a história. Passemos à frente.
Taser, arma de destruição maciça, arma de humilhação nas mãos duns grupos que andam a ser treinados para intervir. Para intervir, mas onde?


Os candidatos devem estar na lista do orçamento do senhor Sócrates e do PSD/PPD.

Desempregados, donas de casa, pais de famílias desesperados, jovens, menos jovens e mais velhos sem meios e sozinhos, gente sem dinheiro para comprar o passe social ou o bilhete do metro, gente com fome que tenta subtrair um pão ou um macdonald, faltam os candidatos?
Quanta da gente desta lista infindável será candidata a cair naquela situação terrível e mortal em que se perde a cabeça num certo momento, quando a esperança acabou, quando faltou uma mão amiga, quando nem sequer alguém abriu um simples sorriso, um simples sinal de encorajamento. Um mundo sem esperança, sem qualquer solidariedade.

E venham então os profissionais dos taser, quem manda pode. É que acima de tudo, para além de todos os interesses, dificuldades, ansiedades, desorientações, pânicos, problemas enfim, acima dos destinos e da sorte de seja quem for, deve sempre, mas sempre prevalecer a ordem suprema que é a ordem que emana e é imposta pelo Estado, a ordem dos poderosos. Não é, senhor Sócrates?



Estado é Estado, mas, pergunto eu, que sociedade é esta em que vivemos?

Que raio de Estado é este, pergunta que me vem à memória e espero que mais alguém ainda se lembre dela quando aquele sindicalista, cujo nome esqueci, interpelou a memória do Estado Novo definitivamente enterrado, espero eu, no 1ºde Maio de 1974.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

VENTO SUÃO, ESQUERDA, DIREITA

Faz sentido falar mal, denegrir a política e os políticos em geral?

Fará sentido afirmar-se que os bons políticos são de esquerda e os maus são de direita ou vice-versa?

São questões que vale a pena examinar, sem preconceitos.

Não costumo ir ao parlamento, por isso, o que lá se passa só conheço pela televisão.

E o que vejo não me permite tirar conclusões, falo de conclusões conclusivas. Vejo coisas supostamente de esquerda de que não gosto e às vezes vejo coisas, ouço palavras de gente de direita com que concordo. Serão os males da democracia?

Ouço e vejo Sócrates e o Louçã, mas sobre um e outro há muito que estou esclarecido.

O Sócrates atingiu, na minha opinião, aquele estádio a que chegam muitas pessoas de idade avançada com dinheiro e com poder, quando os filhos ou herdeiros começam à procura de um tribunal que as interdite. Situações de descalabro humano,o que é que se pode fazer?




Quando vi hoje na televisão excertos das duas horas de discurso do Kadahafi, pensei automaticamente no Sócrates.

No entanto, o país continua sereno, ontem foi incendiado um autocarro na margem sul, mas parece que foram desacatos de suburbanos com excesso de copos.

Francisco Louçã é um economista brilhante, é um político estimável, culto, inteligente, um político que tem dedicado a sua vida a uma generosa militância política. Mas, Francisco Louçã e a sua moção, será que a moção é mesmo a moção dele?

Era uma moção para deitar abaixo o governo do Sócrates? Se era esse o seu nobre objectivo, porque é que o BE não foi até ao fim?

Uma esquerda para ser de confiança tem que ser credível. E, para ser credível, não se pode enredar em jogos, em encenações de poder que ninguém percebe.
Quantos eleitores desiludidos terá feito o BE com esta brincadeira da moção?

Haverá outras esquerdas para além daquelas esquerdas que se auto-proclamam?


Democracia popular, esquerda, socialismo, socialismo democrático, comunismo, marxismo, social-democracia, esquerda democrática, socialismo libertário, nova esquerda, anarquismo, tantas palavras que dantes muitos resumiriam na palavra “progressista”.

Reflectindo sobre o que se passa diante dos nossos olhos não apenas aqui neste pequeno rectângulo nem na demasiado velha e ultrapassada Europa, todas estas palavras me parecem ambíguas e sem sentido.

Quais são, então, as perspectivas de progresso no mundo em recessão e em crise que temos hoje? Onde é que está a esquerda?

Vai-se falando de liberdade, de cidadania, de solidariedade, mas penso que a principal referência do chamado povo de esquerda continuará a ser a velha aspiração à “liberdade, igualdade, fraternidade” da grande Revolução Francesa. Para além dos limites deste património histórico, poder-se-á falar de esquerda?

Não é um património de direita, isso é claro.


Mas pode-se governar em nome de ideais? Quem sobe na vida, quem conquista poder seja ele qual for, em geral tende rapidamente a chegar à conclusão de que isso dos ideais não é possível, nem prático, nem eficiente ou aceitável.


Aparecem, então, as alternativas “realistas” com os seus jogos de poder, aparece a direita travestida em esquerda popular, aparece a esquerda soviética travestida em esquerda de confiança.

Alternativas embrulhadas nos seus deslumbramentos, sem humildade e sem espírito crítico, que vão abrindo o caminho à direita autêntica, àquela que não esconde que defende os interesses e os negócios dos grandes grupos porque, argumentam, sem eles não há economia que resista.

A direita ligada à grande corrupção, a direita cuja consciência social se resume à compaixão pelos pobrezinhos e pelos desempregados.

O que é que distingue esta direita autêntica, esta direita certificada daquela outra direita, que quando está bem instalada no poder, dá largas ao pulsar do seu enorme coração de esquerda e se vai enternecendo de vez em quando, entre dois whiskies, perante o azar e a pouca sorte dos deserdados, dos desempregados, dos injustiçados?

Velha questão é esta: pode a esquerda governar?

Tivemos a Revolução Russa em 1917, não vale a pena falar disso, tivemos o Front Populaire em França em 1936, o trabalhista Atlee no pós-guerra em 1945, os social-democratas suecos antes e depois da guerra, o Mendès France na IVème République, alguns exemplos que correram bem, outros nem por isso.

Está então a política condenada a pertencer à direita? E será que há bons políticos de direita?

Há exemplos de bons políticos de direita. Estou a pensar no Aldo Moro, cuja tragédia não esqueço. Estou a pensar em alguns deputados do parlamento português. Políticos sérios, alguns brilhantes. O problema é que a política não se resume às pessoas. Mas também é verdade que sem pessoas, a política é um enorme alçapão. Venha o diabo e escolha.

Felizmente, a Inquisição já acabou.

Resta-nos esperar pelo vento suão, aquele que sopra do lado sul do Mediterrâneo com os seus calores do Sahara. A geografia do progressismo pode estar a mudar. De rumos e de continente.

Talvez a Merkel, o Sócrates, o Cavaco, o Sarkozy e o Berlusconi não tenham que esperar muito para seguir o mesmo caminho do Ben Ali e do Mubarak. Deus é grande!


domingo, 13 de fevereiro de 2011

LOUÇÃ, KAFKA E A MOÇÃO





Esta história da moção de censura que o Bloco de Esquerda resolveu inventar à última da hora, poucos dias depois de o Louçã vir à televisão dizer que isso era um disparate, esta história significa o quê?

Quando nasceu, que me lembre foi há cerca de 12 anos, o Bloco de Esquerda, não se sabia muito bem qual era exactamente a ideia.

Juntar maoistas, trotzkistas e ex-comunistas para fazer um partido, que não era bem um partido, não se sabia muito bem o que era, mas que se pretendia que fosse de esquerda. De esquerda socialista, talvez revolucionária, parece-me que propositadamente, a ideia não era muito clara. Muitas dúvidas, muitas incertezas, mas muito voluntarismo. Why not?

A verdade é que o Bloco teve sucesso, isso é indesmentível.

Algumas cabeças, alguns políticos e comentadores conservadores, de direita ou de esquerda sentiram esse sucesso atravessado, não perdoaram, sentiram-se ofendidos, ofuscados e resolveram atribuí-lo a uma certa complacência, até cumplicidade de certos jornais, jornalistas e comunicação social em geral… Acusações tudo muito vago, quem eram os complacentes?

Talvez houvesse complacência, é verdade, mas ela não vinha propriamente dos jornalistas, ela vinha de uma parte da sociedade, principalmente jovens e muita outra gente que não se sentia representada à esquerda pelo PC e muito menos pelo PS.

Gente que queria ouvir outra música, que tinha outras expectativas, que estava à espera de qualquer coisa de novo. E, durante estes anos, muitos sentiram-se compensados. Houve a lei do aborto, houve a lei do casamento de pessoas do mesmo sexo, houve mais algumas coisas, mas pouco mais. Pelo contrário.

O país foi-se afundando e que eu saiba, o BE não apresentou durante estes últimos anos em que aumentou o seu sucesso qualquer ideia original, quaisquer alternativas para fazer face à bancarrota, para combater a crise social, o desemprego galopante, as falências, o poder exorbitante do capital financeiro, a corrupção galopante.

Nada quanto ao fecho de maternidades, de centros de saúde, de serviços públicos. Nem uma palavra quanto à desertificação do interior. Nada quanto ao fim da gestão democrática nas universidades.

Nem uma ideia nova sobre a importância do terceiro sector e da economia social, como combater as desigualdades sociais, sobre as consequências do envelhecimento demográfico, sobre a reforma da segurança social.

Nada sobre o sindicalismo, nada sobre a recomposição da esquerda política e uma estratégia comum que respeite as suas diferentes componentes.

Silêncio completo quanto ao euro, quanto à perda de soberania a favor da hegemonia germânica, fiquemos por aqui que a lista já vai longa.

Em todo este trajecto, nos seus silêncios preenchidos por retórica socialista revolucionária, o BE encontrou o seu caminho de Damasco na pessoa do Manuel Alegre. Falo do BE, com o seu pequeno grupo de amigos e de convertidos.

Qual era a ideia dessa conversão?
Tratava-se de tentar convencer o Alegre a liderar uma cisão no PS que levasse à fundação de um novo e “verdadeiro” partido socialista (revolucionário?).
Ò Louçã, já andas há tantos anos na política, como é que não percebeste que a única coisa que interessava o Alegre era qualquer coisa de muito pessoal e íntimo, uma aspiração poética, uma vaidadezinha perfeitamente desculpável, o homem tinha aquele sonho, ele queria ser presidente da república. Era o que ele queria.


E tu, sem ouvires ninguém, deves ter consultado apenas alguns dos teus próximos mais indefectíveis, quando o Manel disse que estava disponível para se candidatar, tu no dia seguinte vieste dizer que o BE o apoiava. Novas maneiras de fazer política, é isso, ò Louçã, parabéns, descobriste a pólvora. São os caminhos imperscrutáveis da nova esquerda bloquista.


E agora, com a crise em fase crítica, tendo terminado em cataclismo a aventura alegrista, vem a moção de censura. Farsa, tragi-comédia? Tragédia?

Preferia que se se tratasse de uma tragédia. É que as tragédias, no seu sentido shakespeariano, costumam ser criativas.

Mas caio mais para o lado de Franz Kafka. É que isto da moção de censura faz-me pensar na metamorfose de alguém que se transforma num insecto gigantesco. Nesse cenário tudo é possível, tudo de mau, claro.

A política em Portugal, já o dizia o Guterres, isto é um pântano.

Enquanto uns se entretêm com jogos de poder com os amigos e apaniguados, outros vão roubando, vão enchendo os bolsos, vão explorando as fraquezas e as debilidades alheias. E o país vai caindo alegremente na falência e milhões na pobreza.

A moção é muito original, ela é de censura, mas a censura não é apenas contra o governo. É também contra o principal partido da oposição. Ou seja, por golpes de mágica, manda-se abaixo o governo e também a oposição.

Serve para quê a moção, é para mudar alguma coisa, ou apenas para deixar tudo na mesma?
Quem é que vai ficar de pé?

Com estes “revolucionários” brincando em jogos palacianos às “moções de censura”, o que é que a gente há-de fazer?

Na minha opinião, tudo isto é uma jogada, não sei se será maquiavélica porque tenho muito respeito pelo Maquiavel, mas é uma jogada apenas para manter o Sócrates e o seu bando do PS no poder por mais uns anos.

E tudo isto, porquê?

Novo caminho de Damasco, o Espírito Santo desceu fulminante sobre o Louçã e revelou-lhe que, ao contrário do que ele pensava, o PS do Sócrates é um verdadeiro partido de esquerda cuja missão histórica é levar Portugal à falência e os portugueses à diáspora. Em nome do ideal internacionalista.

Deus é grande, long live to the egyptian revolution!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

OBAMA NA PRAÇA TAHRIR




Certos europeus, claro que estou a falar de quem manda na CEE do velho continente, não têm emenda. Vale a pena falar dos americanos?

É porque a história destes é bem curta, são filhos do puritanismo inglês com aquela retórica do sonho americano, os filmes de cowboys, subiram na vida a massacrar os povos americanos, a quem por ignorância congénita apelidaram de índios, massacraram os vietnamitas, os americanos são um povo que teve o Gershwin, a Greta Garbo, o John Ford, o Bukowski, o John dos Passos e muitos outros, é verdade que eram todos imigrantes, é um povo, dizia eu, que ainda anda à procura de uma identidade, é natural, pensam sobretudo nas suas próprias prioridades e interesses imediatos, egoístas, deslumbradas e indignas prioridades, armamento, petróleo, wall street, estão ainda muito longe do que é ser um povo antigo com substrato, de uma história que tenha sido familiar de muitas e miseráveis tragédias e terríveis vilanias, de sublimes criações do espírito humano, estão séculos atrasados do que é ser europeu, não é que eu ache que ser europeu é o máximo, de facto tenho muitas razões para não me sentir europeu, os americanos dos states não tiveram a oportunidade, e isso é para eles um grande handicap, de serem herdeiros directos de uma longa história, longa, triste, trágica, dramática e fantástica. História que começou no mediterrâneo, facto que eles desconhecem, para eles os gladiadores eram uns heróis que viviam ali para os lados da Pensilvânia.

História que vem do Mediterrâneo do Egipto dos Faraós, do Mediterrâneo da Grécia, de Tróia, de Roma. Mediterrâneo que, no seu atrevido provincianismo, os americanos continuam a achar que lhes pertence.

Na última vez que estiveram no Egipto com algum éclat, os europeus da nossa era admiraram o Napoleão clamando do alto destas pirâmides, não sei quantos séculos vos contemplam.

Da última vez que lá estiveram foi na guerra do Suez, talvez a memória me atraiçoe, creio que foi em 1956. Mas nessa altura, saíram de cena com o rabo entre as pernas.




Na ocasião, aliás, os americanos passaram uma grande rasteira aos seus “aliados” europeus. Provavelmente, talvez seja essa a explicação, porque tinham entretanto aprendido alguma coisa com os seus mestres europeus.

Agora juntos, europeus e americanos acham que eles é que sabem como resolver o “problema” do Egipto. É o velho reflexo pavloviano do euro-americano-centrismo, colonialismo, paternalismo, complexo de superioridade da raça superior.

Lá vêm 1975, o PREC, a CIA, o Carlucci e o Dr. Soares à minha memória.


Será o tal “problema”do Egipto o fundamentalismo islâmico, a Irmandade Islâmica, que, aliás, se chama Muçulmana desde 1920?

Os americanos e os europeus não estão muito certos, talvez seja, talvez não seja sabe-se lá. A verdade é que, sobre o Egipto, o que é que eles sabem de facto, a não ser o que mais lhes convém?

Tinham a obrigação de vasculhar os seus arquivos, de procurar nas suas memórias, mas isso não lhes interessa, não merece o esforço. Já esqueceram, essa é que é a verdade, que qualquer que seja o tal problema egípcio, quem o fabricou foram os próprios ingleses, os franceses e os americanos, por ordem cronológica. Claro que nisso tudo também há muitos árabes, otomanos e muçulmanos com culpas no cartório.



Quem foram os “protectores” do médio oriente em geral e do Egipto em particular até ao fim da monarquia egípcia do Faruk e da subida ao poder do Nasser em 1952/54? Foram os ingleses e os franceses.



Quem é que apoiou o Nasser na guerra do Suez contra os franceses e os ingleses? Foram os americanos, claro. Mas depois o Nasser mandou os gringos dar uma volta, aliou-se aos soviéticos e construiu a barragem de Assouam. Voltas à volta da história. Jogos de influência, patifarias, traições, sacanices, o Maquiavel não faria melhor.

E, no meio de tudo isto, destas jogadas escabrosas, alguém se tem preocupado com o povo egípcio, com os palestinianos, com os tunisinos, com os sauditas, com os marroquinos, com os iraquianos, com os líbios? A lista já vai longa. Quem é que tem alimentado as vergonhosas dinastias de déspotas e de vampiros que se têm alimentado do sangue de milhões de pobres e de miseráveis? Terá sido o fundamentalismo islâmico, será? Diz lá, Obama.

Oh! Obama, chouchou da intelligentzia mundial, o que é que tens andado a fazer?





Será que estás preocupado com os milhões de desgraçados, de pobres, de tiranizados que têm sofrido às mãos da quadrilha do Mubarak, dessa quadrilha que a América tem alimentado, para alimentar, entre outros, os fascistas israelitas que massacram os palestinianos nas suas casas, nos seus cubículos, nos seus espaços de miséria?


Ò Obama, vais-te aliar ao homem de mão do Mubarak, àquele tipo sinistro, o Suleiman ou lá como é que ele se chama, esse general do serralho dos generais todo-poderosos que há longos anos servem os interesses da clique Mubarak-USA-Israel?
É pena, decepcionas-me muito, Obama, saíste-me melhor do que a encomenda.

Pensa naquela gente, naqueles trezentos (ou serão muitos mais?) que vieram para a rua gritar por liberdade e morreram às mãos dos esbirros mubarakianos.

Egípcios, tunisinos, não são americanos, não são europeus, é isso. São povos inferiores, não sabem o que é isso da tal democracia do Tocqueville. São crianças, isso passa-lhes, não é Obama, não é Sarkosy, não é Merkel?

Para estes senhores, para todos aqueles que têm tido a ilusão de serem muito poderosos, é preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma. Caros senhores, a máxima de Lampedusa orienta os vossos cálculos e os vossos lacaios estão no terreno, percebo que isso vos sossegue.

Resta saber se não haverá surpresas. É que a história nem sempre gagueja. No Cairo,a praça Tahrir continua a ferver no calor das liberdades com que os povos fazem e desfazem destinos.