PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 31 de maio de 2011

JUSTIÇA E DÍVIDA PÚBLICA

Já que a campanha eleitoral continua patética e não oferece grande matéria para reflexão, continuemos a reler os clássicos da economia política.


Depois de Marx, Adam Smith, a ordem não é cronológica. São os dois pólos opostos da economia política. Em linguagem hegeliana, Smith é a tese, Marx é a antitese, falta a sintese.


Adam Smith era escocês, viveu no século XVIII e é considerado o pai do liberalismo económico. Por outras palavras, Smith foi o arauto, o inventor, o guia espiritual da burguesia inglesa que inventou o capitalismo e o fez triunfar com a revolução industrial.


Smith é um pensador revolucionário cujo pensamento continua actual e continua a apelar à nossa reflexão.


Oportuno testemunho dessa actualidade e desse apelo intelectual é o excerto que se transcreve a seguir, retirado da sua obra principal, publicada em 1776, Riqueza das Nações (vol. II, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, tradução e notas de Luís Cristóvão de Aguiar, 5ª edição, 2010, páginas 625-626).



I


O comércio e as manufacturas dificilmente se poderão desenvolver num Estado em que não se faça uma administração correcta da justiça, em que o povo não se sinta seguro da posse da sua propriedade, em que a boa-fé dos contratos não seja apoiada pela lei, e em que a autoridade do Estado não seja devidamente empregue para obrigar as pessoas a pagar as suas dívidas, sempre que o possam fazer.
Numa palavra, o comércio e as manufacturas não terão possibilidade de se desenvolver num Estado em que não haja um certo grau de confiança na justiça do governo. A mesma confiança que leva abastados mercadores e manufacturadores, em circunstâncias normais, a confiar as suas propriedades à protecção de um determinado governo, leva-os também, em ocasiões extraordinárias, a confiar-lhe o uso da sua propriedade.
Emprestando dinheiro ao governo, eles não põem em causa, por um momento que seja, a capacidade que têm de prosseguir no seu comércio e manufacturas. Pelo contrário, até a aumentam, de um modo geral. As necessidades do Estado levam muitas vezes o governo a fazer empréstimos em termos altamente vantajosos para quem empresta. A segurança que dá ao credor original é transferida para qualquer outro credor e, devido à confiança universal na justiça do Estado, geralmente acaba por vender no mercado por um preço mais elevado do que aquele que teve que pagar inicialmente.
O mercador ou o homem de recursos financeiros faz dinheiro, emprestando dinheiro ao governo e, em lugar de diminuir, aumenta o seu capital comercial. Por isso, considera um favor o facto de a administração lhe permitir a entrada numa comparticipação na primeira subscrição para um novo empréstimo. Assim se explica a tendência ou desejo de emprestar que têm os súbditos de um Estado comercial.
O governo de um Estado deste tipo pode muito bem confiar na capacidade e desejo dos seus súbditos em lhe emprestarem dinheiro em ocasiões excepcionais. Prevê a facilidade em recorrer a empréstimos e, assim, abstém-se da obrigação de poupar.




II


Num estádio rude da sociedade não existe grande capital mercantil ou manufacturador. Os indivíduos, que entesourem todo o dinheiro que podem poupar para depois o esconderem, fazem-no, pois, não confiando na justiça do governo, receiam que se venha a saber da sua existência e, que, uma vez descoberto o lugar onde se encontra o tesouro, o venham a roubar. Num tal estado de coisas, poucas pessoas estariam aptas ou dispostas a emprestar o seu dinheiro ao governo em caso de necessidade. (…)


III


O progresso das enormes dívidas que actualmente oprimem e que, provavelmente serão no futuro a causa da ruína de todas as grandes nações da Europa, tem sido bastante uniforme. As nações, tal como as entidades privadas, começaram, de um modo geral, por fazer empréstimos sobre aquilo a que podemos chamar o seu crédito pessoal, sem transferir ou hipotecar determinados fundos para o pagamento da dívida; e quando esta reserva lhes faltava, eram obrigados a fazer empréstimos sobre transferências de fundos extraordinários.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

E DEPOIS DO 5 DE JUNHO?

O fim do capitalismo não está para breve, ainda não está na ordem do dia e não vai ser votado no 5 de Junho.





Sejamos objectivos, a história e o progresso da humanidade devem muito ao capitalismo.


O capital criou as fábricas e as indústrias, aumentou consideravelmente a riqueza e os bens materiais e, principalmente, criou uma nova forma de relação social chamada trabalho assalariado, que deu alguma liberdade e autonomia a muita gente.


Eu tenho uma fábrica ou fabriqueta, ou oficina, preciso do teu trabalho, tu não tens terras nem propriedades nem rendimentos, precisas de comer e de dar de comer à tua família, vem trabalhar para mim, eu pago-te um salário. Assinemos esse compromisso, tu trabalhas, eu pago-te um salário. Um contrato, isso nunca tinha existido.


Assina-se o contrato, depois logo se verá.


A vocação, a missão histórica do capital foi esta: criar riqueza, criar emprego, assumir compromissos sociais. Essas foram, mas duvido que continuem a ser, as suas principais finalidades e obrigações.


Mas, as condições em que o capitalismo foi levando a sua avante levantam sérias objecções morais e políticas. Mas não vamos falar disso agora. Fica para outra ocasião.


Os fundamentos para as origens do capitalismo terão sido lançados, a partir do séc. XV, pelas repúblicas italianas com as suas rotas do comércio para o oriente.


Mas as condições decisivas para o início dessa revolução foram criadas pelas rotas abertas pelos portugueses com a Índia e o extremo oriente.


Porém, o capitalismo constituiu-se a partir das riquezas acumuladas pelos piratas ingleses e holandeses no séc. XVI. Riquezas pilhadas aos barcos portugueses e espanhóis nas rotas do Atlântico.





Tais riquezas multiplicaram-se rapidamente em grande parte graças ao génio dos judeus que Portugal e a Espanha tiveram a inteligência de expulsar para o norte da Europa. Mais uma coincidência.


Foi aí no norte da Europa que nasceu o capitalismo e é aí que o capitalismo continua hoje na sua rota histórica, capaz não apenas de criar riqueza e empregos, mas também de impor a sua hegemonia aos outros países mais pobres.


Não é exagero afirmar isto, mas factos são factos, Portugal nunca teve e continua a não ter capitalismo no verdadeiro sentido histórico da palavra.


Aquele capitalismo que Marx admirava porque era o motor de uma nova sociedade, uma sociedade avançada cujo desenvolvimento levaria inevitavelmente a uma sociedade muito mais avançada que era, na sua ideia, a sociedade comunista.


A sociedade do futuro sonhada, entre outros, pelo Dr. Álvaro Cunhal. Sonho que nunca se concretizará, mas que muitos continuarão a sonhar.


Mas esses sonhos, como diria o Marx, são uma espécie de ópio do povo.


A história do “capitalismo” português pode ser condensada em poucos parágrafos.


Portugal teve um grande capitão de indústria chamado Alfredo da Silva. Começou em Alcântara a fabricar velas e sabões, prosperou, criou muitos empregos, transferiu-se para o Barreiro onde construiu um grande complexo industrial. Meteu-se na navegação, nos tabacos, na banca, nos seguros, criou a partir de tudo isso um dos 100 grupos económicos e financeiros mais importantes do mundo no início dos anos 1960.


Segundo parágrafo, pode haver algumas honrosas excepções, mas os capitalistas portugueses, aqueles que hoje passam por tal, não produzem, não têm fábricas, quase não têm empresas, não têm muitos trabalhadores assalariados, mas têm centros comerciais, têm hospitais, têm companhias de seguro, têm bancos, têm auto-estradas, pontes e portagens, têm acções em muitas bolsas internacionais e muito dinheiro em off-shores, têm muitos trabalhadores com contratos a prazo ou a recibos verdes. Dominam a economia, as finanças e principalmente a política e os políticos em Portugal. São estes os “nossos” capitalistas.



Em linguagem cinematográfica, são uma espécie de piratas das Caraíbas, rapinam, usufruem, exploram, mandam em tudo e em todos aqueles em quem vale a pena mandar.


Fim de parágrafo: estes capitalistas são considerados capitalistas porque ganham muito dinheiro. Mas, a origem desse dinheiro é, na hipótese mais favorável e tolerante, mais do que duvidosa.


Donde vem todo dinheiro e esse poder?


A maior parte vem do Estado e dos favores do Estado.


Uma grande parte vem das Parcerias Público-Privados, em linguagem técnica as PPP.


Muitos milhares de milhões vêm das obras públicas, das auto-estradas, das scuts, das obras sem concurso, dos free-ports, dos negócios com contentores, das Estradas de Portugal, dos negócios da saúde, dos hiper-mercados, da gasolina, da electricidade, das eólicas. A lista não tem fim, não sou o Tribunal de Contas. Também sei que, mesmo que fosse eu a mandar nesse tribunal, ou na chamada alta autoridade da concorrência, isso não iria servir de nada.


Estes capitalistas e os seus inúmeros empregados distribuídos pelo aparelho do estado, pela imprensa e televisão e pelos partidos do arco do poder reconhecem-se na quinta-essência do pensamento “neo-liberal”.


Defendem a iniciativa privada, mas principalmente a liberdade de despedir livremente e com o mínimo de indemnizações todos aqueles que para eles têm trabalhado, defendem a liberdade de deslocalizar as empresas que foram subsidiadas pelo Estado para outros países que oferecem salários mais baixos e menos direitos para quem trabalha.


Defendem a privatização das empresas públicas que dão lucro, defendem que o Estado deve financiar o ensino privado, defendem o fim do serviço público de saúde.


Haverá entre esta gente alguém capaz de um mínimo de respeito por obrigações tão elementares e óbvias como sejam as do serviço público, do bem comum, do respeito por quem trabalha? Haverá aí nesse grupo de grandes interesses gente para quem o interesse nacional deva estar acima de quaisquer outros interesses e de rapinas pessoais?


Salteadores de beira de estrada, com os seus capangas, os seus funcionários, os seus políticos.


Salteadores, cujas quadrilhas há décadas se mantêm bem instaladas aos comandos do Estado.


Salteadores que recolhem as migalhas deixadas por outros salteadores bem maiores e mais competentes e mais poderosos.


Salteadores ao serviço dos verdadeiros capitalistas, aqueles do norte que estão aos comandos da união europeia.


As eleições do 5 de Junho não vão mudar nada em relação a tudo isto.


É que as causas já são antigas.


A hora continuará a ser da direita, a hora dos capitalistas portugueses de meia tigela e dos seus políticos. Capitalistas e políticos sem uma ideia digna e ambiciosa para um grande país. Capitalistas que se contentam em prosperar graças aos baixos salários, à pobreza e à precariedade.


Capitalistas que se alimentam da teta do Estado e dos favores e negócios providenciados pelos governos dos partidos da direita que estão comodamente sentados no poder há mais de 35 anos.


Estou a falar do PS, do PSD e do CDS-PP, os partidos agora chamados do arco do poder. Arco do poder, direita dos interesses, direita dos capitalistas ferro-velho que dominam os bancos e os negócios, que despedem gente, que pagam salários miseráveis, que cortam nas pensões. Gente sem vergonha, uma espécie de mladics jugoslavos que deveriam ser enviados para o TPI.



Continuará tudo na mesma, então qual é o problema, já estamos habituados…
O problema é óbvio: é que tudo isto vai ter que ter um fim.




Pensemos então, concentremo-nos no pós-5 de Junho.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

RELER MARX




Vivemos as incertezas e o pânico da crise, a campanha eleitoral é patética, não se vislumbram saídas. Mas nada impede que procuremos ajuda. Reflectir é preciso, apeteceu-me, pois, reler alguns clássicos da economia política.


E comecei pelo Marx de 1844, o Marx criativo e sublime cuja genial máquina de pensar não lhe dava sossego. Tempos heróicos esses, os resultados práticos não foram brilhantes é verdade, mas a culpa não é de quem consagrou toda a sua vida a estudar e a combater o capitalismo!


(Textos retirados da edição da Pléiade, Marx, Oeuvres, Économie, II, traduzi o melhor possível)



I


Para que o ponto de vista da economia nacional não passe duma abstracção, o capitalista e o proprietário – que são, como qualquer operário, membros da nação – deveriam chegar à seguinte conclusão: o que me interessa não é que eu consiga ter um lucro maior; o que importa é que o meu benefício aproveite a todos; por outras palavras, o capitalista deveria abolir o ponto de vista do seu interesse particular e, caso se recusasse a fazê-lo, deveria haver quem tivesse o direito de decidir por ele (p. 14).



II
Em caso de crise, (…) os operários deverão reduzir as suas despesas e, para aumentar a sua produtividade, terão que trabalhar mais horas ou produzir mais por cada hora. (…)
Em todas as crises há sempre um movimento cíclico que atinge os operários. Não conseguindo vender os seus produtos, o empregador não consegue empregar trabalhadores. Ele não pode vender os seus produtos, porque não tem compradores. Não tem compradores porque os operários apenas têm par dar em troca o seu trabalho e não podem dar em troca aquilo que não têm.


(…)
Um salário que baixou, mesmo que volte a subir de seguida, nunca volta a atingir o seu nível anterior (p. 155-156).

III
Eis as consequências do aumento das forças produtivas em geral:



a) A situação dos operários piora em relação à dos capitalistas, na medida em que o valor das vantagens que cada um retira é relativo. Em qualquer relação, o gozo de cada um é sempre de natureza social.



b) O operário torna-se uma força produtiva cada vez mais unilateral, que produz o mais possível no mínimo de tempo possível. O trabalho qualificado muda cada vez mais para trabalho simples.



c) O salário depende cada vez mais do mercado mundial; a condição operária torna-se cada vez mais dependente do acaso.



d) No capital produtivo, a parte destinada às máquinas e às matérias-primas cresce mais rapidamente do que a destinada às subsistências. O aumento do capital produtivo não é, pois, necessariamente acompanhado dum aumento da procura de trabalho (p.152-153).

IV



“Suponhamos”, diz H. Merrivale, que foi professor de economia política na Universidade de Oxford, empregado do ministério das colónias inglesas e também um pouco historiador, “suponhamos que, por ocasião duma crise, a nação seja obrigada a um grande esforço para se livrar de algumas centenas de milhar de braços supérfluos, qual seria a consequência disso? Na volta, quando houvesse uma procura mais viva de trabalho, seríamos confrontados com um défice. Por mais rápida que possa ser a reprodução humana, ela precisa sempre do intervalo duma geração para substituir os trabalhadores adultos. Ora, os lucros dos nossos fabricantes dependem sobretudo da sua faculdade para explorar o momento favorável duma forte procura e, desse modo, serem indemnizados pelo período de estagnação. Mas esta faculdade só lhes está assegurada se tiverem à sua disposição máquinas e braços; é preciso que possam estender ou distender as suas actividades consoante os caprichos do mercado, senão serão completamente incapazes de se aguentar na luta desenfreada da concorrência (…)” (p. 462).




quarta-feira, 25 de maio de 2011

ALTERNÂNCIAS


Teoricamente, a questão essencial das democracias é a da alternância.


Sumariamente, alternância deveria significar que agora governa a direita, a seguir governa a esquerda, mudam os projectos, mudam as políticas, depois logo se vê. A ordem é arbitrária.


Porém, na prática, a alternância política não tem ido além de breves fogachos de mudança. Tem prevalecido uma clara linha de continuidade, a hegemonia da direita conservadora, banqueira e patronal nunca esteve minimamente ameaçada. E não falo apenas de Portugal.


Simples aparências de mudanças, muda o disco e toca o mesmo, sai a direita, e a seguir entre outra direita mais ou menos mascarada de esquerda.


Quando sai o PSD, entra o PS. Sai a direita Buenos Aires, os seus funcionários e os seus banqueiros, entra a direita do largo do Rato, os seus boys e os mesmos banqueiros. Manda esta lógica da alternância democrática à portuguesa que no próximo dia 5 de Junho à noite, os protagonistas do costume se limitem a trocar de papéis. Sai o PS, volta o PSD, simples troca de actores, mudam os figurantes.


Mas a previsível substituição na porta de armas do quartel que se anuncia parece que, desta vez, vai ser mais complicada. É que chegámos a um ponto em que, qualquer que seja a votação final no 5 de Junho, a guia de marcha do próximo governo já está aprovada e a direita que vai governar vai ter que respeitar as ordens da troika estrangeira. Simples questões de soberania, quem é que preocupa com isso, nos dias que correm?


Cómodo para a troika, complicado para o futuro governo. É que, enquanto a troika está espalhada entre Bruxelas, Frankfurt e Washington, o governo vai estar ali naquele que é um dos sítios mais feios de Lisboa, a praça Teixeira Gomes. Que se amanhem.


Até a estas eleições, havia ainda expectativas de uma aparência de mudança, uma aparência de sucessão, uma aparência de alternância política.


O próximo primeiro-ministro, qualquer que ele seja, vai ser apenas o representante obediente e obrigado da chanceler germânica e seus acólitos.


Vice-rei duma democracia fantasma, obrigado a conduzir o país para o abismo da interminável engrenagem da dívida externa e do défice.


Representante da troika, incapaz de dar um murro na mesa e dizer para toda a gente ouvir, acabou-se, custe o que custar, vamos mesmo ter que mudar de vida. Baixem os juros, pagamos quando pudermos, basta de absurdos sacrifícios, basta de austeridade, prioridade à economia e ao emprego!


Primeiro-ministro fantasma de um país fantasma de cidadãos resignados, eis o futuro, não antevejo outro cenário.


Daqui a um ano, ou seja, quando tivermos mais de um milhão de desempregados e muita gente a viver na rua, não estaremos melhor do que está hoje a Grécia. Simples consolação, provavelmente não estaremos sozinhos, haverá outros pigs caminhando para a mesma via sacra.


De quem é a culpa de termos chegado a este ponto? Boa questão.


Culpados, os políticos que nos têm governado e os que os têm deixado governar.


Culpados, os eleitores que têm elegido essa gente.


Culpados, os sindicatos que recolhem as quotas e que de vez em quando fazem umas greves e umas manifestações que não servem para nada.


Culpados, os partidos da esquerda arqueológica cuja influência social e capacidade de mobilização e de propor alternativas são nulas.


Culpados, todos aqueles que se divertem a dizer mal dos políticos e da política e que confundem tudo na sua ignorância. Que saem à rua, com ar divertido mas que não fazem nada de sério e consistente para dar dignidade e sentido à política, à democracia e a uma verdadeira alternância entre aquilo que são os interesses e a hegemonia do capital financeiro e políticas empenhadas em conciliar prosperidade com modernidade, com ecologia, com solidariedade e justiça social.


Infelizmente, o 5 de Junho não vai mudar a indigência colectiva em que mergulhámos. Mas a história não tem fim, chega sempre um dia em que alguém descobre que é tarde demais, que já basta e decide passar à acção.


On verra bien!



sábado, 21 de maio de 2011

UM NOVO TRATADO DE LISBOA PARA UMA EUROPA COM FUTURO

Puerta del Sol, porta do sol, em Lisboa também temos um lugar assim chamado, fica entre o Castelo e Alfama, dali vê-se o Tejo até para além do Mar da Palha. É Lisboa no seu máximo esplendor.


Não muito longe desta vista que se avista das Portas do Sol de Lisboa, um pouco mais para ocidente fica o Terreiro do Paço.



Há muito tempo que sonho com um acampamento no Terreiro do Paço, um milhão de pessoas acampadas à volta da estátua equestre do D. José.


Parece que esse sonho está a começar a acontecer não muito longe de Lisboa, apenas a 500 quilómetros, na Puerta del Sol em Madrid.


Paradoxal, eu nem sequer gosto especialmente de Madrid.


Em 12 de Março, o povo saiu à rua, desceu, entre outros sítios, a avenida da Liberdade em Lisboa.

Não foi apenas a chamada geração à rasca a caminhar por todo aquele espaço, estive lá, pude constatar e concluir que, de acordo com a lei dos grandes números que rege a estatística, essa caminhada pôs à vista de toda a gente que em Portugal a esmagadora maioria das pessoas que pertencem cada uma à sua geração estão todas à rasca.


Os mais novos, porque estão perplexos, preocupados e sentem que não têm futuro.


Os pais dos mais novos porque não vêem futuro para os filhos e porque têm que se sacrificar pela falta de futuro deles.




Os que se aproximam dessa coisa sinistra que chamam “terceira idade” e que vivem no pavor de perder o emprego e de não terem uma reforma minimamente decente e vivível para o resto dos seus dias, seja o que for que isso queira dizer.



Os que chegaram à reforma, que dantes tinham imaginado vir a ser uma fase de alívio, de distensão, e de serenidade e confiança e que agora fazem contas e que percebem que aquilo que recebem não dá para nada.



Problema, há sempre um mas, a descida desta gente, cheia de razões para estar à rasca, pelos caminhos da liberdade, não passou dum fogacho. Houve quem pensasse, ao vê-los reunidos e comprometidos, todos juntos e mobilizados, que a sua demonstração de força iria assustar, iria chamar à responsabilidade os poderosos, os que mandam.



Pura ilusão de óptica, os poderosos continuaram na deles, quem se assustou foram os próprios manifestantes, dali não saiu nada. Parece que saiu uma sigla, não fixei bem, M12, não sei o que é que isso quer dizer.



Dali não saiu política e está tudo dito.



Ó meu, queres mudar a sociedade? Faz política.



Não gostas dos partidos, não gostas do sistema político, achas que os políticos são todos corruptos, estás desempregado, és precário e não tens futuro? Faz política. Não sabes como, em que partido? Inventa, discute, estuda, trabalha as tuas células cinzentas, não fiques na casa de banho a ler banda desenhada.



Passemos à frente.



Temos, então, o pessoal da Puerta del Sol. Hispânicos, castelhanos, madrilenses e de outras cidades espanholas, sobretudo malta jovem, em Espanha 40% dos jovens estão desempregados.



Nunca percebi como é que a Espanha se tem conseguido aguentar tantos e tantos anos com taxas de desemprego próximas dos 20%. Só um economista daqueles bem engravatados conseguirá explicar essa incongruência social e política, esses economistas conseguem, eles conseguem sempre explicar tudo e mais alguma coisa porque ninguém percebe o que é que eles querem dizer e, na realidade, eles não têm nada para dizer.



Abaixo os economistas, viva a economia política, viva Karl Marx e Adam Smith. Desculpem o desabafo.



Espanha, Puerta del Sol, a coisa já dura há uma semana. Se o governo fosse popular de direita, ou seja o governo que se anuncia para depois das eleições, já tinha havido ali muito provavelmente algumas mortes, nestas coisas há sempre alguém quem mais ordena na polícia.





E havendo mais mortes, onde é que já iria o rastilho?



Rastilho, rastilho, a Europa está pendente dum rastilho.



Em que Europa é que estou a pensar?



Penso na Europa velho continente, velho continente com muito orgulho, não é sr. Rumsfeld, braço direito do sr. Bush na invasão do Iraque?



Penso na Europa com futuro e quando falo de futuro não estou a pensar em copy paste, estou a pensar em coisas novas, coisas novas com raízes em muitas coisas passadas, lutas pela justiça, pela igualdade, pela fraternidade, pela liberdade.



Vejo na televisão o acampamento juvenil da Puerta del Sol e continuo a sonhar com o acampamento no Terreiro do Paço.



Sejamos objectivos, o Terreiro do Paço, tem mais sol, tem mais Tejo, tem mais água, tem mais vista, tem barcos, já teve estaleiros que construíram os barcos que foram até à Índia, até ao Brasil, até a Malásia e ao Japão.



Penso na hipótese de uma nova Europa que ultrapasse a velha, penso nas utopias europeias de justiça para todos e sonho de novo.



A Europa, ao ponto a que chegou, precisa de novas gerações para mudar o futuro que condena as gerações à rasca. A Europa pode lá chegar, mas precisa que as novas gerações se ocupem da política, para que haja política nova.



Resumamos, entre outras coisas, a Europa política tem que se repensar, tem que fazer tábua rasa do desgraçado passsado desta última década.


A Europa política precisa dum novo tratado de Lisboa.



Assim sendo, jovens de toda a Europa, organizem-se, tragam as vossas mochilas, venham acampar no Terreiro do Paço.




E aproveitem para mandar para o espaço os políticos que continuam a vender-se aos banqueiros do costume.



Sejam exigentes, sejam capazes de exijir o impossível, nem mais nem menos, apenas isso.


O futuro da Europa e das gerações à rasca está nas vossas mãos. Grande responsabilidade a vossa.



quinta-feira, 19 de maio de 2011

CONTRA A TROIKA GERMÂNICA, NÃO PAGUEMOS!




Há gente que, porque se acha mais forte do que nós, se arroga o direito de nos dar ordens. Nessas alturas, não podemos deixar de ser confrontados com a inevitável questão que é a de saber se nós, aqueles que parecem mais fracos, vão aceitar obedecer àqueles que parecem ser mais fortes.


Hoje ouvimos a chanceler Merkel exigir com ar soberano que Portugal deve diminuir o tempo de férias e aumentar a idade da reforma. Nada disto está previsto no compromisso de submissão à troika, patrocinado pela dita senhora.


Trata-se dum ultimato novo imposto pela lógica do mais forte, a Alemanha, para impor a sua ditadura aos mais fracos, os países falidos, grupo a que pertencemos por imposição alheia.


A reacção portuguesa a este ultimato deixou-me em estado de choque.


Toda a gente com mais ou menos responsabilidades em Portugal ouviu o que a chanceler tinha para dizer como uma coisa normal. A Alemanha é mais forte, por isso, nós obedecemos.


Nenhum líder político ou sindical deu à frau germânica a única resposta que se impunha: ó tia Merkel meta-se na sua vida, trate lá das férias e da idade da reforma na deutschland. Aqui, estamos em Portugal, temos o Tejo, aqui não passa o Reno.


As respostas desses “responsáveis” que ouvi na têvê são sintomáticas e sintomaticamente revoltantes. Foram todas coincidentes, à esquerda como à direita: em Portugal já se trabalha mais horas do que na Alemanha, em Portugal a idade da reforma já é mais tardia do que na Alemanha. Por isso, ó dona Merkel, reconsidere, olhe que não tem razão!


O que é que tudo isto dá como adquirido? C’est três simple: Portugal tem a obrigação de dar explicações à frau Merkel, porque é ela quem manda. Ela é a mais forte, nós somos seus dependentes, ou seja, somos seus criados para todo o serviço.


Chegámos a este ponto de terrível submissão ao poder germânico, chegámos, pois, a este ponto que o chanceler Hitler, apesar de toda a sua máquina de guerra, nunca conseguiu atingir. De quem é a culpa? Boa questão.


A frau Merkel vair emprestar dinheiro a Portugal, ou seja, vai sobretudo financiar os bancos portugueses e o pagamento das dívidas de Portugal aos bancos alemães e a outros por aí espalhados. Como garantia desse empréstimo a juros agiotas, obrigou o governo português socrático de gestão, que até ao último minuto sempre jurou a pés juntos que não era preciso pedir ajuda externa, e os partidos que a chanceler considera serem os únicos partidos de legítima oposição, a assinar um compromisso.


Nesse compromisso, na sua versão original e única em inglês, que como se sabe é a língua neo-liberal e imperialista, não consta qualquer espécie de cláusula sobre a redução do tempo de férias nem sobre o aumento da idade de reforma como contrapartida de Portugal ao empréstimo.


Os tais partidos do “arco do poder” nunca se referiram nem a uma coisa nem a outra. Mas nunca se sabe, porque com essa gente…


O que sabemos e sobre isso não restam quaisquer dúvidas, é que o compromisso com a troika está a ser assumido por esses partidos como o seu futuro programa de governo. Alguns até querem ir ainda muito mais além, fazem imenso zelo em serem mais papistas do que o papa.


Fiéis servidores de sua majestade germânica, disponíveis para servir a sua augusta vontade, prontos para tudo, eis os nossos partidos do “arco do poder”.


É uma triste história não apenas porque a frau Merkel, em vez de Angela, podia ser a Carla Bruni, sempre haveria algumas desculpas.

É uma triste história porque ela não tem fim à vista, a dívida, a submissão, as obrigações de Portugal para com a Alemanha e os seus parceiros euro-êuricos vão crescer em permanente espiral.


Não nos vamos livrar dessa engrenagem.

Em breve, teremos um milhão de desempregados e milhares de pessoas a estender a mão à caridade, em vãos de escada ou nos passeios.

Dívida e juros a acrescentar à dívida e aos juros.

Empresas falidas a acrescentar à interminável lista de empresas falidas.

Muita gente ainda acha que se vai safar ou que até vai ganhar muito dinheiro.
Tremendo egoísmo, terríveis ilusões.

Tremendo egoísmo, tremendas ilusões também da Alemanha com toda a prosápia e arrogância do seu PIB de quase 5%.

É que quando, depois de ter concluído a renegociação já em curso da dívida da Grécia, a Alemanha tiver que aceitar a renegociação da dívida da Irlanda e de Portugal, da Espanha e da Itália, quando for confrontada com o agravamento do declínio da economia americana e da explosão da sua dívida externa, a que santos se vai agarrar a Deutschland uber alles?

Aos países nórdicos fechados no egoísmo do seu aparente sucesso?

Aos ingleses, provavelmente mais perto da falência do que a Espanha?

A quem, Frau Merkel? A que é que se vai agarrar?

Aos chineses, a Singapura, ao Japão, à Austrália, ao Canadá?

Para onde é que vai exportar as maravilhas da deutsche technologie?

A história é como a vida, há os momentos bons, há os momentos maus, hoje estamos lá em cima, uma semana depois descemos cá para baixo. A vida é cruel, Frau Merkel, não se fie demasiado, pode acontecer que a força da sua ditadura se torne uma tremenda fraqueza.

No seu país, poderá acontecer um sobressalto social-democrata, já houve outros no passado. Poderá também nascer uma nova paisagem política mais verde.

Nos países do sul da Europa onde muita gente está a ser acossada e condenada à miséria e à humilhação, poderá haver um sobressalto cívico e político, movimentos fortes na luta pela equidade e pela justiça, movimentos que exijam taxas de juros de zero por cento e prazos mais prolongados em alternativa a não se pagarem as dívidas aos banqueiros alemães.

Uma dimensão inimaginável, como até há pouco tempo eram inimagináveis os movimentos sociais da Tunísia e da praça Trahir, uma espécie de rastilho de pólvora de solidariedade que se pode propagar entre os povos do sul da Europa contra a ditadura do norte e a incompetência e submissão dos seus governantes. Tudo pode acontecer!

Hosni Mubarak, Ben Ali estavam seguros no conforto dos seus palácios e das suas contas na Suiça. Estavam.

Na Europa do Sul, na Europa dos fracos face ao poder do norte europeu e germânico, as exigências de justiça e de dignidade, a vontade de um ajuste de contas vão crescer. Esperemos que sem nacionalismos e outros ismos.

Ajustes de contas moduláveis em diferentes versões. As mais pacíficas vão do pagamos o que pudermos e quando pudermos até ao não pagamos.

A engrenagem em que os países fortes fecharam os países fracos não tem outra saída. Senhores banqueiros, senhores socráticos, frau Merkel, pensem nisso.
Quanto à união europeia, no meio de tudo isto?


Na história como na vida nunca nada está escrito com antecedência de forma irrefutável. Sejamos, por isso, modestos nas nossas expectativas, sejamos realistas.



Para sobreviver, para ser a união de qualquer coisa, a Europa deve manter os pés assentes na terra, deve começar por mandar para casa a interminável casta de burocratas bruxelloise que tem devotamente servido os interesses da ditadura que tudo fez para impor à Europa, em nome dos mais fortes, uma utópica união política sem futuro.



Fiquem-se pela livre circulação de mercadorias e de pessoas. Se o conseguirem, já é um grande avanço.



Deixem a Europa sossegada nas suas diferenças, nas suas afinidades e contradições culturais, na sua solidariedade na defesa dos direitos humanos, do trabalho e da ecologia e da boa convivência entre vizinhos.



Não compliquem, deixem-nos viver a nossa vida em paz. Não nos chateiem!



terça-feira, 17 de maio de 2011

DSK, TROFÉU DE CAÇA DO SISTEMA AMERICANO


Plus dure sera la chute, é um velho provérbio francês.

Dominique Strauss-Kahn, de quem já aqui falei, teve demasiados sucessos, é um político demasiado brilhante, demasiadas invejas, demasiados inimigos.

Talvez demasiado vulnerável por gostar demasiado de mulheres. Mulherengo, o que para muita gente é um insulto que desqualifica.

Para o puritanismo politicamente correcto que domina os USA, mulherengo é sinónimo de pedófilo. Extermine-se.

DSK não era apenas a esperança da esquerda francesa. A sua mais que provável vitória nas eleições presidenciais francesas do próximo ano ameaçava ser uma espécie de tsunami varrendo o pântano germânico que acolhe as direitas e os interesses que dominam e exploram a Europa.

Para sair desse fundamentalismo capitalista, a Europa precisa duma esquerda ousada, realista e inteligente. DSK estava naturalmente indicado para essa missão.

Plus dure sera la chute…

Os americanos, os seus procuradores de justiça, a sua polícia, a sua imprensa, a sua televisão souberam interpretar à letra o provérbio francês.


As imagens que vi hoje na televisão não são a imagem de DSK.


São a imagem da América, são a imagem dum país racista, anti-europeu, dum país puritano, incapaz de ultrapassar os seus velhos complexos de país recente com pouca histórica e com pouco património próprio, um país crescentemente proto-fascista e tremendamente perigoso.



Nunca vi imagens dum político americano ser mostrado às câmaras de televisão após uma noite de interrogatórios, algemado como se fosse um terrorista que acabou de matar centenas de pessoas.



Vi o que vi e que toda a gente pôde ver, vi um político francês que tem sido apontado como o futuro presidente da república de França, que é presidente da principal instituição financeira internacional, sedeada na capital americana, vi este político europeu ser guilhotinado em público por funcionários americanos orgulhosos do seu papel.


O que essas imagens nos dizem é que este francês e europeu, por não ser americano, tinha demasiado poder.

A tudo isto acresce que, além de francês, o homem é judeu.

Tudo somado, tinha que ser humilhado e destruído à vista de toda gente.

As autoridades americanas não precisaram de recorrer à força especial dos SEAL que mataram o Bin Laden. Foi muito mais cobarde.

Nesta cena de extermínio, entraram em acção, em alegre sintonia, a América de Guantánamo, a América de Wounded Knee e a América fascista do Klu Klux Klan.

São séculos de civilização o que separa estas imagens da televisão americana da justiça praticada na Europa.

DSK é culpado? Eis a pergunta que compete à justiça elucidar.

Mas, para julgar DSK, a justiça americana não precisou de debate instrutório, nem de julgamento. Já decidiu, o homem é culpado.

A sentença foi lavrada pela televisão.

Tout ça me rapelle l’afaire Dreyfus!

Mas, nada disto vai ficar por aqui, espero, confio na França.

Deus nos livre da América!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

COLAPSOS ANUNCIADOS


Nestas últimas semanas, ficámos a saber como vão ser os discursos políticos na próxima campanha eleitoral. Não pressagiam grandes esperanças.



Na frente periférico-ocidental europeia onde nos situamos não se anuncia nada de novo. É que os discursos que temos ouvido apenas denunciam a mediocridade do pessoal político que representa o povo e pensa e governa o país.


O PSD, que muda de retórica cada vez que muda de líder, converteu-se de vez ao neo-liberalismo internacional e, convencido que descobriu a pólvora, defende políticas mais radicais do que as que nos são impostas pelos senhores da troika.


Mais redução de impostos para o capital, mais impostos para o povo, mais privatizações pelo preço da uva mijona. Mais coisa, menos coisa, é esse o programa do sr. Catroga e do seu comanditário Passos. Esta gente faz-me pensar naquelas antigas seitas católicas cujo zelo apostólico as obrigava a ser mais papistas do que o papa e a santa inquisição.


Temos noutro quadrante e sob pano de fundo duma certa impotência e desmobilização, o discurso dos anti-capitalistas nostálgicos da criminosa utopia soviética, o PCP e o BE, cujos programas muito sinteticamente apostam na renegociação da dívida. Pouco mais do que isto, falta de imaginação?


O CDS fez algum caminho e muito provavelmente vai-se tornar o árbitro do pós-5 de Junho.
Tem uma nova geração de quadros e de protagonistas, gente nova, boas cabeças, há que reconhecê-lo.


Programaticamente falando, centrou-se em torno duma perspectiva democrata-cristã com preocupações sociais, anti-luta de classes e pela harmonia e convergência de interesses entre patrões honestos e trabalhadores que se esforçam.


Tudo muito bonito…


Quer castigar as fraudes fiscais, mas não se pronuncia sobre as fraudes, os abusos e os privilégios do sistema bancário e dos grandes grupos capitalistas.


Defende a agricultura mas não apresenta um modelo ou soluções para o desenvolvimento económico contra a desertificação de dois terços do país e o abandono dos campos. Não diz nada sobre a entrega das terras a quem as quer cultivar nem quanto às culturas intensivas que destroem o território e o que resta da sociedade rural do Alentejo, por exemplo.


Também é omisso sobre alternativas de desenvolvimento industrial.



No terreno rural como no industrial, aliás, estes neo-centristas convergem bastante com as preocupações do PCP, mas nenhum desses partidos apresenta alternativas novas. Ora, é de alternativas que a gente precisa.


Mas sejamos honestos: no deserto poluído de ideias que se anuncia, o CDS, não sei se é por ter sido o último a apresentar o seu programa, foi de todos os partidos aquele que apresentou propostas mais dignas de reflexão.


Quanto ao programa socrático-socialista, trata-se de um pseudo-programa, é um discurso de silêncios desonestos, um discurso de aldrabões. Isso não nos admira, já os conhecemos de ginjeira.


Tema único do socialismo que nos tem explorado e trazido à desgraça: a grande infâmia da oposição parlamentar que chumbou o PEC 4 e fez cair o governo socialista. Reclamando-se vítimas inocentes injustamente traídas, eis os socialistas portugueses neste ano da desgraça de 2011.


O fado socialista oficial é o fado camiliano “Maria, não me mates que sou a tua mãe”.
Como é um povo fadista, Portugal saberá certamente recompensar essa gente, e, em vez de os meter na cadeia, vai quase certamente levá-los em ombros para S. Bento.


Temos três partidos que concorrem entre si com vista à distribuição de jobs pelos seus apaniguados durante os próximos quatro anos.


Temos um país na falência. Teremos muita gente provavelmente a morrer à fome ou simplesmente por inanição, ou por ruptura mental.


Temos um país, que deixou de ser capaz de se sustentar, capaz de ter vida própria e de decidir o seu destino. Um país que depende, semana após semana, da “ajuda” externa, da “ajuda” do FMI e dos parceiros da união europeia para pagar salários, compromissos e dívida externa.


Um país dependente da agiotagem dos “parceiros” e “amigos” da união europeia, os quais nos emprestam dinheiro à taxa de quase 6%. Dinheiro que, sublinhe-se, lhes foi emprestado pelos bancos alemães à taxa de 2,5%. Uns amigalhaços.


Renegociar a dívida? Convençamos os irlandeses e os gregos, talvez juntos se consiga qualquer coisa. Não é coisa pouca. É que a relação de forças é-nos muito desfavorável, pensemos nisso.


Somos o único país em recessão no mundo, consolemo-nos, na quarta-feira teremos duas equipas portuguesas numa final europeia de futebol. Fado, Fátima, Futebol, onde é que eu já ouvi isto?


Tudo o que ganharmos nos próximos anos vai ser para pagar juros. Uma engrenagem diabólica, estamos nas mãos deles, banqueiros, CEE, BCE, FMI, Angela Merkel, populistas-fascistas europeus and so on.


Estamos nas mãos de toda essa gente. A não ser, a não ser que a política do próximo governo de Portugal consiga pôr em prática uma estratégia para afrontar os jogos bolsísticos dos banqueiros e as pulsões neo-fascistas europeias.


Mas, no jogo político que se trava actualmente com vista às eleições, não vejo nenhum partido que defenda um programa com uma prioridade destas, uma prioridade verdadeiramente estratégica, cujas armas estejam apontadas contra um alvo vital a atingir.


Na minha opinião, esse alvo, o alvo da nossa luta política tem que ser a ditadura da união europeia e do euro.


Sejamos claros, a união europeia destruiu a nossa capacidade para produzir os recursos alimentares de que necessitamos, destruiu o nosso aparelho produtivo, fez de nós um país consumista viciado no crédito fácil, um país vivendo acima das suas possibilidades, um país novo-rico e imprudente. Um país mais injusto e desigual.


Ficámos nas mãos da união europeia agiota, que nos leva os anéis e os dedos. Somos súbditos, servos, criados e eternos devedores dos países ricos da europa. Somos como aqueles portugueses que dantes emigravam para o Brasil e que ficavam para o resto da vida escravos das dívidas que tinham que pagar aos fazendeiros que os empregavam.


Algum desses partidos que se vão apresentar ao sufrágio dos eleitores pensou numa prioridade estratégica quanto à nossa relação com os governos europeus que nos “ajudam”? Algum, por exemplo, decidiu que tem que se negociar os juros da “ajuda”?


Grécia, Irlanda, Portugal, dívida externa, dívidas soberanas, maus governos, democracias incompletas, povos politicamente analfabetos, há um pouco de tudo isto do lado das vítimas.


E do lado dos carrascos? Ganância, abusos de poder, racismo, capitalismo selvagem.


No meio de tudo isto, onde é que paira a utopia da união europeia, comunidade de países iguais e solidários?


No meio de tudo, isso, o que é que estamos a fazer no euro?


Em 1975, Portugal teve a honra de concluir o ciclo da perigosa utopia da revolução socialista europeia.


Talvez estejamos fadados para outras proezas de fim de ciclo histórico.


Pelo caminho que tudo isto leva, não me admirava que em 2013, mais ano menos ano, se consumasse o colapso da união europeia e do euro que conhecemos.
Será um acontecimento histórico da mais relevante importância, claro.


Acontecimento com a marca made in Portugal, teremos ao menos essa consolação.
2013, pode ser o título dum romance estilo Georges Orwell, sobre o princípio do fim da união europeia.


Débâcle europeia, começando com o inevitável colapso financeiro e social de Portugal, falência filha da recessão e do milhão de desempregados que aí vêm, vítima da dívida externa e dos juros galopantes e astronómicos cobrados pelos “amigos” da onça europeus.



Portugal e a Europa no seu melhor. Wake up!





quinta-feira, 5 de maio de 2011

VÍTIMAS E CARRASCOS








Tudo isto acaba por ser muito deprimente, quando me refiro a isto, refiro-me ao que aconteceu hoje neste dia 5 de Maio de 2011. Dia em que a troika internacional veio apresentar o seu ultimato ao decadente e triste país que é o nosso.


Mas consideremos outras hipóteses, talvez haja aqui aspectos positivos.


Estamos no auge da crise, à beira da bancarrota, mas temos a “ajuda” internacional. Vem aí muito dinheiro, 78 mil milhões, é muita massa. 12 mil milhões são para os bancos, já estamos habituados. Os bancos são sempre, seja qual for a situação, os reis dos animais, na selva são eles quem mais ordenha.



Perante o ultimato da troika, há quem conclua, finalmente, Portugal vai começar a ser governado, vai haver estratégia, vai haver objectivos.



Implicitamente isto quer dizer o quê? Quer dizer que antes do 5 de Maio nada disso existia, não havia estratégia, não havia governo, só havia gente a aproveitar-se do poder.


Esta grande Ideia segundo a qual finalmente Portugal vai começar a ser governado é transmitida pelos especialistas encartados que se agitam na comunicação social.


Mas o que é mais curioso é que a grande Ideia também é apoiada pelos dois “principais partidos”, considerados como o “arco da governação” porque são eles que, desde há 35 anos têm mandado nos governos que conduziram o país a esta situação de falência nacional.


Ou seja, governos cujos resultados são mais ou menos idênticos aos da monarquia constitucional em 1892.


Esta grande Ideia hoje largamente difundida pela comunicação social parece também ser, não percebi muito bem porquê, apoiada pelo terceiro partido do tal respeitável arco, o CDS/PP.


Os sacrificados, as vítimas do costume vão sofrer muito, tudo isso é confirmado pelos seus carrascos, os altos participantes nacionais ou estrangeiros no golpe de estado que foi hoje concretizado.


Exemplos rápidos.


Nos próximos dois anos a recessão vai ser de 4%. Querem melhor exemplo das desgraças que essa gente nos promete?
Muito menos riqueza produzida, muito mais falências, muito mais pobreza, muito mais desemprego. Esta é a síntese possível em poucas palavras.


Segundo o ministro das finanças que hoje misteriosamente reapareceu, em 2013 a taxa de desemprego vai atingir os 13%. O ministro teve a lata, teve o descaramento, teve a arrogância de pronunciar este número en passant, sem especial ênfase, sem mostrar qualquer sinal de preocupação, para ele é apenas mais um número, disse-o assim como quem diz, olha amanhã vou à ópera, vou ao S.Carlos ver a Madame Butterfly.


Ministro que ressuscitou ao fim de três semanas de silêncios e de rumores de kidnaping político.


Tinha-se feito ver na televisão há dois ou três dias, já não me lembro exactamente, ao lado do Sócrates, primeiro-ministro que, apesar de o seu governo ser apenas de gestão, não resistiu a vestir o seu habitual papel de político de sucesso sempre sorridente a despachar balelas.


O Teixeira ministro entrou nessa fotografia com cara de enterro, tive a sensação de que alguém lhe terá apontado uma pistola ou vens ou estás feito. E ele lá apareceu.


Hoje, 5 de Maio de 2011, dia particularmente triste e deprimente da história de Portugal, o homem, o ministro parecem ter ressuscitado.


Sabe-se lá, será um reality show ou uma história de suspense.


Dará talvez para se fazer um filme noir, que é um género que prezo muito e que anda desaparecido.


O ressuscitado ministro apareceu em conferência de imprensa, deu entrevistas, sempre a insistir nas más notícias com o ar natural de quem não é atingido pelas terríveis novidades e de quem não tem nada a ver nem com as origens nem com as consequências da intervenção estrangeira e das desgraças que ela vai provocar entre os mais fracos, entre as pessoas e as famílias com menores recursos, com menores qualificações, mais velhos, and so on.


Neste dia de 5 de Maio de 2011, que provavelmente a história recordará no futuro como dia particularmente nefasto, o pormenor mais interessante, o facto mais forte que talvez explique a ressurreição do ministro Teixeira dos Santos é que neste dia nefasto nem sombra do Sócrates.


O homem desapareceu, fez-se substituir pelo seu desaparecido ministro. Terá passado à clandestinidade?


Não acredito, esse tipo não tem estofo para passar à clandestinidade, essa é uma passagem demasiado grave que exige predicados morais que estão muito para além das suas capacidades.


Na minha opinião, trata-se apenas dum fait divers de pura cobardia política que o Sócrates justificará para si próprio em nome da eficácia política do marketing para ganhar as próximas eleições.


Resolveu desaparecer hoje porque, se aparecesse, os eleitores seriam tentados a identificá-lo e a apontá-lo como o principal responsável da tragédia em que o país mergulhou. Obviamente, isso não lhe interessa, assim sendo, resolveu fazer de morto.


Reaparecerá sorridente amanhã, com aquela tremenda confiança de quem acredita que o povo não tem grande cabeça, o povo tem a memória curta, as pessoas agora estão mais preocupadas em sobreviver. Mas não guardam rancor, é o que lhe dirão os seus conselheiros em marketing político.


Este tipo, José Pinto qualquer coisa Sócrates, que ainda ocupa as funções de primeiro-ministro, este chico-esperto como lhe chamou o comentador Marcelo, este diplomado fabricado num domingo ao fim duma tarde, este promotor de centros comerciais em zonas ecologicamente protegidas e desenhador de maisons, esse tipo, dizia eu, continua plenamente activo e prepara-se para continuar a praticar mais malfeitorias.


Não passou à clandestinidade, mas alguém terá que o obrigar a regressar ao anonimato que merece. Questão de sobrevivência nacional.


Muitos eleitores, porém, continuarão a acreditar no personagem. São conhecidas tantas histórias de crentes e charlatães. Em geral todas costumam acabar mal. Mas o povo é sereno, já dizia o Pinheiro de Azevedo.


No dia 5 de Junho se saberá que país é que temos.


segunda-feira, 2 de maio de 2011

BIN LADEN E A SUA MORTE PÓSTUMA



A cerimónia fúnebre em alto mar, segundo ritos muçulmanos adaptados pela special force da CIA às conveniências estratégias americanas, terá acontecido ao largo do Paquistão. Essa é a versão oficial para consumo popular.






A partir da plataforma dum porta-aviões, o Bin Laden foi enviado borda fora, acompanhado dum contra-peso qualquer. Autrement, sem o dito acompanhamento, pela força da lei de Arquimedes, o corpo começaria a flutuar e a ganhar gosto à viagem marítima vogando como um surfista louco, sabe-se lá, direito ao golfo de Aden.


A verdadeira verdade da história desta cerimónia fúnebre marítima é que ela ficará sepultada por muitos e muitos anos não no fundo do mar mas nos arquivos da CIA.


Pela minha parte, sinceramente, ò Bin Laden, digo-te com toda a sinceridade, tu cá tu lá, quem com ferros mata com ferros morre, e tu és um bom exemplo da justiça desse refrão popular. Paz à tua alma, falo de alma mas é apenas uma maneira de falar.


Digamos, então, paz à tua alma, mas guerra aos fanáticos assassinos, e não és o primeiro nem serás o último, que vêm a este mundo para matar e torturar vítimas que, por definição, são inocentes.


As televisões do planeta ficaram histéricas com a notícia e, apesar dos poucos pormenores quanto ao ataque à vivenda paquistanesa onde pernoitava o líder saudita, deram à notícia mais de uma hora de horário nobre, até o FMI foi parar às sínteses do dia nos alinhamentos das estações indígenas.


Os telejornais são uma fonte inesgotável que nos confirma a toda a hora as conveniências das limitações da inteligência humana.



Tivemos direito a opiniões de ministros e comentadores e a reacções mais ou menos autorizadas. Foram recordadas as matanças da Al Kaeda e colocaram-se algumas questões quanto ao terrorismo “transnacional” e ao seu futuro, agora que o líder islamita afundou no mar alto.

Falou-se do seu provável sucessor, perguntou-se o que é que vai acontecer com a Al Kaeda, vai haver mais atentados, mais terrorismo, mais terroristas, mais vítimas?


A inteligência mediática é limitada, é lenta, resta saber se tudo isso é por falta de inteligência.


É que ninguém se dá à coragem de explicar sem papas na língua o que é isso da Al Kaeda e quais as origens do extremismo muçulmano, ninguém se dá ao trabalho de nos dizer de onde é que isso vem. Tudo boa gente que adora o obviamente correcto.


A genealogia desses extremismos é muito antiga, mas não vamos falar das cruzadas.
Falemos de coisas mais recentes.


Bin-Laden foi apoiado pelos USA nos seus tempos de aprendiz de taliban na guerra do Afeganistão contra os soviéticos. Defendia então os interesses dos ditos USA, objectivamente é disso que se tratava.


Tal como o Saddam Hussein quando fazia a guerra ao Irão com armas enviadas pelos USA.



Tal como os reis da Arábia Saudita, onde o sr. Bin Laden nasceu em berço de ouro, que sempre defenderam o tio Sam.


A genealogia dos extremismos al-kaédicos nasce e cresce com o poder de todos os regimes árabes cujos potentados têm vivido na opulência dos petro-dólares.


Vem desses regimes despóticos criados e apoiados pelos americanos e seus aliados israelitas e ocidentais, regimes-vampiros que se têm alimentado da miséria, da humilhação e da opressão de gerações e gerações de árabes, egípcios, tunisinos, sírios, palestinianos, yemenitas, marroquinos, mauritanos, afegãos, paquistaneses, líbios, and so on.

Não é exagero afirmar, e meço bem as palavras, a Al-Kaeda é uma criação dos USA, dos regimes árabes seus protegidos e dos seus aliados israelitas e ocidentais.


E acrescento, a morte do Bin Laden não passa duma morte póstuma.



É que o anúncio da morte da Al-Kaeda já começou há alguns meses, nas ruas de Tunis e na praça Trahir do Cairo e essa morte vai prosseguir por entre as fronteiras pós-coloniais e os destroços dos regimes autocráticos da Síria, da Líbia, do Sudão, do Yémen and so on.


E quando a Al Kaeda estiver definitivamente morta e enterrada, os povos e as democracias árabes não se darão ao trabalho de organizar cerimónias fúnebres no alto mar para os Kadhafi, os Bashar Al-Assad, os Ben Ali,os Ahmadinejad, os Karzai, os Hosni Mubarak, os Ali Abdalah Saleh, os Omar Hassan al-Bashir.


A CIA e os americanos poderão então ir pregar para outra freguesia.