PEDALAR É PRECISO!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

CLIMA DE GUERRA


Os bancos mandam em nós, os bancos mandam nos governos que nós elegemos. Quem é que manda nos bancos?


Existe uma coisa chamada EBA (European Banking Authority) que eu desconhecia que existisse. Sou eleitor, embora não me sinta obrigado, voto sempre, mas não sabia que essa coisa, aparentemente, é quem decide sobre quais são os bancos de confiança e quais é que não o são. Dito de outro modo, essa coisa, soube hoje pelos jornais, tem o poder de decidir quais são os bancos que ficam pendentes entre ir para a falência ou, com um pouco mais de sorte, serem obrigados a pagar juros mais altos nos mercados.


Sabe-se que os bancos vivem do nosso dinheirito, é pouco e é cada vez menos, mas todo junto dá para juntar os milhões que vão passando pelos cofres das veneráveis instituições bancárias. O que me leva a deduzir de maneira talvez demasiado crua, mas porém verdadeira, que a tal EBA tem, sem que para tal tenha sido eleita, o privilégio e o supremo poder de decidir quem é que vai ficar ainda mais rico e quem é que, na melhor das hipóteses, vai passar a ficar a pão e água.


A história de mais este sinal da irreversível ascensão do fascismo financeiro na Europa, que já não se dá sequer ao trabalho de disfarçar as suas intenções, conta-se em poucas palavras.


Segundo o Público, a EBA “fixou como meta que, dos 91 bancos europeus submetidos aos testes de stress, pelo menos 10 chumbem”. Idealmente, vejam bem, esse número “não deverá ultrapassar os 15”.


O objectivo desta manigância é confessadamente o de “enviar a mensagem de que os exames foram sérios”. Porque se “apenas chumbarem sete bancos, como aconteceu há um ano, ninguém mais acreditará nos testes”. E, se - hipótese completamente absurda e académica, presumo eu - chumbarem 50, “nesse caso o sistema colapsa”.


Ficamos esclarecidos quanto ao que está em jogo nestes simulacros protagonizados pela venerável honestidade político-banqueira a que temos direito.


O sistema bancário em geral, e isto já dura há vários séculos desde que tal sistema nasceu, é suposto que ele seja credível e que suscite total confiança por parte dos depositantes e dos mercados. Negócio de gente séria, de instituições honradas, está visto.


Quando foi da crise das subprimes, sabe-se que as agências de rating avalizaram, deram nota altamente positiva a bancos como o Lehman Brothers, paz à sua alma. Essas agências e os seus raters sabiam o que estavam a fazer, sabiam que estavam a roubar e a condenar muita gente à falência e à miséria, na América e fora dela.


Fiquei hoje a saber que a alta autoridade de controle do sistema financeiro europeu de seu nome EBA, por razões que, na minha modesta opinião, se enquadram numa estratégia conspirativa de tomada do poder, está pronta a sacrificar pelo menos 10 bancos europeus de modo a que os outros 80 continuem a ganhar muito dinheiro graças aos juros mais do que exorbitantes que são impostos aos países chamados periféricos. E, desse modo, a contribuir para a rendição incondicional desses países.


Mas, pela minha parte, não fico inteiramente esclarecido quanto ao verdadeiro papel e estatuto dessa tal alta autoridade e tenho que perguntar: qual é a verdadeiramente altíssima autoridade que está por detrás da EBA, quem é, quem são os responsáveis, quem são os duces, os führer, os condottieri deste fascismo financeiro que passo a passo, degrau a degrau, hoje a Grécia, amanhã Portugal, depois de amanhã a Espanha, quem são os responsáveis deste fascismo, desta ocupação estrangeira que, para além de nos roubar o nosso dinheiro e o nosso pão, vai destruindo implacavelmente as nossas liberdades e as nossas democracias?


Quem são os responsáveis deste clima de guerra que ameaça a convivência, as trocas e negócios pacíficos entre povos do mesmo continente?



terça-feira, 28 de junho de 2011

ESTRATÉGIA DA ARANHA



Entre Portugal e Grécia nasceu não há muitos anos uma espécie de absurda relação fatal, fatalidade negativa entenda-se.


Nos anos 60, quando começou a moda das estatísticas internacionais, Portugal e a Grécia, nas hierarquias europeias, disputavam entre si o penúltimo lugar em tudo o que tinha a ver com indicadores de progresso e desenvolvimento económico, social, cultural and so on. Nessa luta, muitas vezes intrometia-se também a Turquia.


Os anos foram passando, a Grécia e Portugal entraram para a CEE. Mais tarde entraram também para este clube os náufragos do socialismo real, Polónia, Hungria, checos, eslovacos, estónios… Quanto a Portugal e a Grécia, eles tiveram o privilégio de obter o cartão de sócios do clube mais restrito dos membros da moeda única.


Mas as hierarquias estatísticas não mudaram. Portugal e Grécia continuaram no fundo da tabela.


Isto é muito estranho, porque até há poucos anos, tudo parecia correr no melhor do mundo para estes dois países geograficamente e historicamente opostos.


Em comum, eles têm principalmente o facto de ambos serem europeisticamente falando, países periféricos. A Grécia fica bastante para leste e Portugal é o extremo ocidental do continente a que pertence. Ocidental praia lusitana.


Mas ambos os países tiveram e têm um lugar que nunca poderá ser apagado na história da Europa e da Humanidade. A Grécia fundou o essencial daquilo que é a civilização europeia, Portugal levou essa civilização para sítios muito longínquos por mares nunca dantes navegados.


Na realidade, as afinidades acabam aí. Entre a Grécia e Portugal nunca houve afinidades propriamente ditas. Têm histórias completamente dessincronizadas.
Os gregos foram importantes há dois mil e quinhentos anos e depois foram sofrendo as peripécias de sucessivas vagas colonizadoras, a últimas das quais, mortal, foi a do império otomano.


Portugal teve o seu papel global há quinhentos anos, sofreu uma breve ocupação de três reis estrangeiros na primeira metade do século XVII, mas sempre se manteve independente.


Entre Portugal e a Grécia os pontos de contacto de povo a povo, diria antes, as coincidências são relativamente recentes e completamente acidentais.


Perdemos com os gregos a final daquilo que constituiu a manifestação mais desvairada do novo-riquismo euro-português, estou a falar do euro 2004 de triste memória.


No final dos anos 60, os gregos resolveram também ter a sua ditadura, a ditadura tardia dos coronéis, que, também por coincidência, terminou em 1974, pouco mais de dois meses após o fim da ditadura do Estado Novo português.


Coincidência mais recente, Portugal e Grécia aparecem todos os dias relacionados com a auto-fagia da união europeia que se desfaz e com o fim anunciado da moeda única.


No meio disto tudo, fala-se da Grécia e insiste-se em Portugal. Parece que alguém se deu ao trabalho de tecer uma espécie de fio invisível, entre nós, país de brandos costumes virado para o Atlântico e o grego arquipélago do Mediterrâneo oriental.


Esta tecelagem, porém, não ficará por aqui e, neste bordado de contornos invisíveis, nesta teia, outros cairão inevitavelmente.
E que teia é essa?


É a velha estratégia da aranha, a aranha que, nos seus manejos, aprendeu a arruinar as democracias.


Esta aranha já não se dá ao trabalho de disfarçar o seu nome, chama-se capital financeiro, os seus agentes são conhecidos, os seus interesses também. Mas ninguém faz nada, é o velho espírito de Munich que, uma vez mais, tomou conta da Europa.


Os gregos estão na rua, lutam e não desistem. Os gregos são olhados com arrogância eurocêntrica e considerados pela intelligenzia política e financeira europeia e wallstreetíca como uma espécie de escória sem salvação.


Fala-se da Grécia, falemos de Portugal: onde está a nossa escória?


Estamos no mesmo barco da Grécia (da Itália, da Espanha…). Vamos ficar à espera que passe o tornado?


Quarta-feira se saberá se o parlamento grego se submete ao diktat do eixo Berlim-Bruxelas.


Mas, entretanto, a rua grega já manifestou o que é que pensa sobre esse diktat.


Diktat, palavra alemã sinónimo de ditadura.


Há uma ditadura, um espectro, que paira sobre os povos europeus. Principalmente, sobre os povos europeus do sul.


Hoje, a Grécia é apenas uma abstracção para maioria dos europeus.


Mas, não faltará muito, talvez, a Grécia passe a ser um problema bem mais sério.
O parlamento grego não resolverá nenhum problema. Nem o da Grécia, nem o da Europa.


Porque o problema da Europa é o mesmo da Grécia. Chama-se ditadura.


Pode ser ditadura de coronéis ou de generais ou de sargentos. O nome dos lacaios não interessa para o caso.


O patrão desses lacaios chama-se capital financeiro, tem estratégia própria, tem serviços secretos, tem exércitos, polícias, tem administrações, burocratas. Ninguém controla esses aparelhos do diktat financeiro.


A união Europeia tem sido uma verdadeira fábrica de ilusões.


As leis da união são perfeitas, as instituições da união são omniscientes, a tudo dão resposta.


Disseram-nos em 2008 que os países do euro estavam protegidos contra a vaga de falências anunciada pela maior falência da história americana, a do Lehman Brothers. O que resta dessas promessas está à vista.


Disseram-nos que, graças à união europeia, as guerras e as ditaduras tinham acabado. On verra la suite.


Os dias dum paraíso anunciado. Bye, bye European Union, cada um por si e logo se vê. Alá é grande!


terça-feira, 21 de junho de 2011

MAIO 1968, MAIO 2011

Foi rejeitado o candidato presidencial que não gostava de partidos e a quem Pedro Passos Coelho tinha graciosamente prometido o proeminente lugar de presidente do Parlamento.


Neste dia parlamentar pouco se falou de um outro problema muito mais importante que é a questão grega.


O Nobre já tinha o destino traçado, nada a acrescentar, hoje o homem passou à história.


Quanto à Grécia, temos que pensar principalmente na Europa do Sul, e quanto a isso está tudo em aberto, não se sabe bem, mas há inquietantes suspeitas sobre o que é que está para vir.


Fala-se da bancarrota grega anunciada, assistimos às notícias sobre a proliferação dos movimentos meridionais de acampados. Para tentarem compreender o que é que vai acontecer, alguns viram-se para o passado e procuram pistas.


No Público, faziam-se hoje comparações entre a actual situação europeia e a velha história de Maio 68.
Já lá vão quarenta e três anos, muita água correu sob as pontes, vale a pena fazer comparações?


Vale sempre a pena comparar épocas, comparar acontecimentos. Isso não faz mal a ninguém.
Mas, há comparações que fazem sentido e outras nem por isso. Em todo o caso, a história nunca se repete.


Em 1968, a Espanha, a Itália, Portugal e a Grécia eram os principais fornecedores de mão-de-obra dos países lá mais para norte, os quais continuavam nessa altura prósperos, depois das trente glorieuses années do pós-guerra. Os países nortistas estavam ricos e os do sul não sabiam o que fazer com os seus pobres agricultores sem trabalho, sem terra e sem pão.


A situação, passados estes anos todos, conheceu algumas mudanças, o que é natural.


Mas no essencial, mantém-se tudo na mesma, os do norte continuam mais ou menos prósperos, os do sul resvalam para a insolvência.


Principal diferença, em Espanha, em Portugal, em Itália e na Grécia, os desempregados que hoje não conseguem encontrar trabalho no seu país já não são trabalhadores rurais analfabetos. Agora, grande parte desses candidatos à emigração é gente diplomada, licenciada, gente too much qualified.


Em Itália, por exemplo, os cantoneiros, os que tratam da limpeza das ruas das grandes cidades, é gente altamente qualificada, licenciaturas, mestrados, trabalham sete dias por semana, vivem em casa dos pais, não se podem casar, nem ter filhos.


Nos anos 60, a malta nova rural tinha futuro, emigravam. E agora?


Muitos estão a acampar na rua, em praças públicas, vão-se manifestando, mas não sabem muito bem o que fazer. Acampam e dizem que estão revoltados. Será que se vão mesmo revoltar?


É que se se vão revoltar a sério, aí a coisa pode mudar de figura.


A memória humana costuma ser curta, já nos esquecemos que o que está a acontecer na Grécia foi anunciado pela reacção bastante violenta de muitos estudantes ao assassinato pela polícia de um jovem manifestante. Isso já foi há pelo menos dois anos.


Dizem-nos, em 68, a “revolução” não tinha motivos económicos. É verdade. Só que o lugar da revolução era outro, era nos países ricos do norte da Europa, principalmente em França e na Alemanha.


Foi uma revolução de jovens estudantes universitários e fiers de l’être, que não estavam particularmente preocupados em ter ou não ter emprego. Estavam mais interessados em manifestar a sua solidariedade com os operários, vejam só! Mas os operários só entraram em cena para a tal revolução quando o cortejo já ia em andamento. A CGT comunista descobrira, entretanto, que não podia perder o comboio.


E aqui chegamos a um ponto-chave.


Maio 1968 em França foi uma revolta dos estudantes contra os pais, contra os professores, contra a autoridade dos adultos, contra o De Gaulle, contra o sistema político, contra a separação e dominação entre sexos, pela liberdade individual, contra as tiranias, contra o partido comunista, contra a União Soviética, contra o Estaline, contra toda essa história da velha esquerda. Foi uma revolta política e cultural, e principalmente foi uma revolta contra o secular patriarcalismo e o machismo europeu ocidental.


Contudo, o desfecho disto tudo ficou muito aquém dos objectivos mais políticos.


Tivemos uma revolução de mentalidades, ainda bem, mas quanto ao sistema político e ao capitalismo eles souberam resistir, mudaram aquilo que era necessário mudar para que tudo ficasse na mesma.


Os capitalistas adaptaram-se, prepararam-se cuidadosamente para a fase seguinte, a fase do triunfo do capitalismo financeiro sobre os políticos, sobre os capitães de indústria e sobre o movimento sindical. Foram mais fortes, foram mais espertos e agora continuam mais fortes do que nunca.


Quais são os objectivos dos movimentos de acampados de que nos falam os jornais?


Mudar o sistema político, mudar a economia, acabar com o capitalismo, agradecer aos pais que os vão sustentando? Não sei e eles provavelmente também não.
Talvez mudar a Europa e impor urbi et orbi a ideia internacionalista de direitos iguais para todos os povos e cidadãos, independentemente do que quer que seja?


O problema incontornável e provavelmente mais terrível do que a ficção sobre a vitória dos alemães e dos japoneses na 2ª guerra mundial, desenvolvida por Philip. K. Dick em O Homem do Alto do Castelo, é que a sorte, o destino da Europa estão nas mãos dos banqueiros e dos poderes ocultos que mandam nos mercados.


Constatemos o incontestável, as democracias europeias foram vencidas pelas agências de rating e pelos banqueiros que as manipulam.


Nestas comparações a propósito de 1968, o Salazar, o Franco e os coronéis gregos vêm muito a propósito.


O novo fascismo de hoje, o fascismo da finança, não se exibe em paradas, com uniformes espampanantes e braço no ar. É muito mais sofisticado, age silenciosamente e é terrivelmente eficaz com as setas com que nos atinge e adormece.


Fomos apanhados na armadilha, tornámo-nos uns pobres animais de jardim zoológico.


Nenhum governo nos vai safar desta. E a esquerda europeia também não.


Talvez o povo, talvez os povos, sabe-se lá.


A história não costuma repetir-se, mas enquanto ela gagueja, sejamos realistas, sonhemos o impossível.



sábado, 18 de junho de 2011

NOVO GOVERNO, VIDA NOVA?



Pensei numa espécie de comentário telegráfico sobre o novo governo, mas estendi-me. Não sei se isso é bom ou mau sinal.


Primeiro ponto a considerar, a situação intra-europeia é o que é, a Grécia cada vez mais empurrada para fora do euro. A Merkel convenceu o Sarkosy que não havia nada a fazer e, assim sendo, a Grécia está cada vez mais próxima do seu velho rival e inimigo, a Turquia Otomânica.
Não se tratou propriamente de convencer, a Merkel simplesmente disse ao Sarkosy, é fácil de adivinhar, se não concordares, vocês entram também na lista dos próximos a excluir do euro. Para além da França, quais são, depois da Grécia, os candidatos mais prováveis da lista dos países ex-euro? Óbvio, Portugal e a Espanha, antigas potências coloniais ibéricas e católicas.
Por mais Berlusconis que tenha, a Itália está naturalmente excluída da lista. A razão salta à vista: o início daquilo que é agora a união europeia começou com o tratado fundador de Roma. Logicamente, a exclusão italiana teria um efeito simbólico devastador. Valha, pois, aos italianos Roma e o seu tratado.


Por exclusão de partes, do sul da Europa, entram na lista a Grécia, Portugal e a Espanha. Não há volta a dar. Este é o retrato europeu pendurado no salão de Bruxelas no dia em que foi anunciado o novo governo de Portugal.


Não vou falar sobre o Passos Coelho, ocasiões não vão faltar. Assinalo apenas que o primeiro-ministro indigitado parece ter cometido a proeza de conseguir, num contexto de perda de soberania, de intervenção estrangeira e de pré-falência, convencer em poucos dias quatro não-políticos, que apresentou como independentes, a entrarem para o governo.


O facto de ele ter feito essa escolha vejo-a como muito sintomática da marca de origem deste governo. Dupla marca de origem: O PSD é um partido pobre em pessoal político altamente qualificado, o PSD é um partido pobre em políticos corajosos e disponíveis para dar a cara neste momento dramático que vive o país.


Não é por puro acaso que as missões mais arriscadas e difíceis tenham aterrado exactamente no regaço dos tais ministros ditos independentes. Com uma agravante: dois deles vão ter a responsabilidade das pastas mais odiosas.


Nas finanças, sabe-se que o programa já está traçado, é o programa da troika, resume-se facilmente, cortar nos salários, aumentar os impostos, cortar nas despesas dos mais fracos, privatizar por meia dúzia de tostões.
Como o programa é para cumprir, foi-se buscar alguém que tem andado lá pelos bastidores de Bruxelas e de Frankfurt. O novo ministro das finanças vai ter um tremendo handicap, vai ser identificado como o homem do triângulo Bruxelas-Washington-Frankfurt. Estarei a ser injusto? Admito que sim, oxalá, seria bom sinal.


No super-ministério da economia e de mais não sei quantas coisas, incluindo comunicações e emprego, vamos ter um economista que é professor numa universidade de Vancouver, não o conheço, não sei nada sobre como é que ele foi parar ao Canadá. Deve ter sido por boas razões, em todo o caso, viajar é sempre muito educativo, pode ser que o homem tenha ideias arejadas e ousadas, oxalá.


Há depois um outro independente também com uma missão mais do que difícil, cabe-lhe o ministério da Saúde.
É pessoa conhecida, não apenas porque foi contratado há alguns anos para director-geral dos impostos com um salário quase milionário, o que provocou uma polémica um bocado histérica. Mas, como conseguiu aumentar a cobrança dos ditos impostos e pôr os serviços a funcionar com elevados níveis de eficácia, a história do salário passou para segundo plano. É bom, é pedagógico que se aprenda a reconhecer, sem mesquinhas invejas, o mérito de cada um. Mudar as mentalidades do país, talvez fosse preciso para isso criar um ministério.
O novo ministro da Saúde vem da banca, o que pode não ser boa recomendação. Mas, não tenhamos preconceitos, o homem é muito competente, pôs o Estado a cobrar impostos a gente que nunca os pagava, por isso, imaginemos, agora, ele vai acabar com os desperdícios no Serviço Nacional de Saúde e defender um serviço público de qualidade para todos quantos dele precisam.
A questão é que não são tarefas comparáveis. Nos Impostos, havia, dum lado, os funcionários à caça de mais cobranças, funcionários caçadores que ele conseguiu motivar. Mérito seu, indiscutível. E do outro lado, do lado oposto? Não havia ninguém, havia apenas embora não tão poucos como isso, os refractários ao pagamento das suas obrigações, que se escondiam e faziam tudo por passar despercebidos. Quando eram apanhados, o que é que podiam fazer? Os mais espertos e mais ricos podiam remeter-se à justiça, que é aquela coisa que a gente conhece ou, então, pagar. A maior parte pagava.
Agora, na saúde, a cena é muito diferente. Vamos ter um exército de funcionários administrativos coligados com outros funcionários médicos, enfermeiros, auxiliares, sindicatos and so on, muitos dos quais, embora afirmem o contrário, não estarão particularmente interessados em dignificar e melhorar o serviço público de saúde.
Para o novo ministro, vai ser um jogo muito complicado, conseguir combater todas as fontes de desperdício sem ao mesmo tempo fazer regredir a qualidade dos serviços e os direitos das pessoas à saúde. Conseguir essa proeza não vai passar apenas por simples medidas de poupança nisto e mais naquilo, por cortes.
A questão decisiva que se coloca ao novo ministro está à vista. Será que um homem da banca e da gestão de empresas vai ser capaz de atingir os seus objectivos macro-financeiros de cortes na despesa e, ao mesmo tempo, ter presentes no seu espírito de responsável político que decide sobre a vida de milhares de pessoas, os rostos entre a multidão de gente vulnerável cuja vida depende do hospital, do centro de saúde, do médico de família?
Outra questão, será que esse mesmo bancário e gestor agora ministro vai ter o poder de motivar e obrigar os agentes da saúde pública a cumprirem todas as suas obrigações e compromissos deontológicos? Será que vai proteger a saúde pública contra os apetites dos bancos pela privatização da dita saúde? Será que na defesa da saúde pública que lhe compete, o novo ministro será capaz de moralizar o exercício das profissões da saúde e excluir ou punir todos quantos, médicos ou enfermeiros ou outros que se limitam a servir-se da sua função apenas para ganhar uns cobres?


Ao novo ministro da Educação, quarto independente desta lista, foi também atribuído o ensino superior e a ciência. É curioso que aquilo que o PSD do Durão Barroso fez, quando separou o ensino superior do ministério da educação, volte agora atrás com outro primeiro-ministro do PSD. Ensino superior e ciência voltam ao panteão da 5 de Outubro. Funestos presságios.
Parece que este Ministro independente é independente e muito crítico em relação à longa e escabrosa história do ministério sediado nesse panteão. Ministério que, além de ser o maior elefante branco da administração pública portuguesa, se especializou desde 1974 na realização de múltiplas experiências laboratoriais dignas dum romance de ficção científica, cujo principal resultado, que está à vista de todos quantos queiram olhar e ver, foi a destruição do nosso sistema de ensino.
Fico à espera do resultado desta eventual luta entre David e Golias.


O telegrama já vai longo.


O CDS tem três ministros.


Não consigo compreender a obsessão do Paulo Portas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Terá na sua mente uma nova doutrina sobre as prioridades exteriores de Portugal, como, por exemplo, estará na sua ideia deslocar essas prioridades e alianças para África, América Latina e Ásia em detrimento do eixo Berlim-Bruxelas? Ou será que, muito simplesmente, alimenta a ilusão de que lhe basta chegar a Bruxelas e dar um murro na mesa? Será que o novo ministro das “Relações Exteriores” vai retomar a tradição euro-céptica do seu antigo companheiro e cúmplice político Manuel Monteiro. Pode haver surpresas, nunca se sabe.


O novo ministro da Segurança Social, confesso não tenho opinião, anda de lambretta, o que é simpático, vi isso no outro dia na televisão, é o ministro mais jovem, o que também pode jogar a seu favor, se bem que isso da idade biológica nunca poderá servir como critério. William Pitt, tanto quanto me lembro foi primeiro-ministro da Inglaterra aos 25 anos, o que é um precedente de bom augúrio.


Assunção Cristas tem praticamente a mesma idade do seu colega de partido e de governo. Vai ter a seu cargo aquele que é provavelmente o ministério cujo potencial é mais elevado. Parece um enorme disparate dizer isto, mas não é.
Dois terços do território de Portugal estão a morrer, os jovens foram-se embora, os mais velhos vão cultivando o seu pedacinho de terra no meio de aldeias abandonadas, até ao fatal dia.
Esta triste história já começou há praticamente cinquenta anos com a emigração e o êxodo rural. Mas o coup de grâce foi dado pela CEE. Pagou-se aos agricultores para deixarem de cultivar, pagou-se aos armadores de barcos de pesca para abaterem as suas embarcações. Destruiu-se o sector primário da nossa economia. Primário quer dizer neste caso uma coisa essencial, quer dizer que na vida dum país o mais importante, a tarefa mais primária é a capacidade para produzir alimentos. O Malthus explicou isso muito bem, sem alimentos, nenhuma população pode subsistir.
Qual a missão da nova ministra deste novo ministério? Enorme e complicada, mas excitante.
Não se trata apenas de contribuir para reanimar a agricultura, o mar e as pescas, modernizar esses sectores e atrair os jovens para essas profissões.
Tudo isso vai ter que ser feito com uma ambição muito mais ambiciosa: a de reorganizar o território, combatendo a desertificação e as assimetrias regionais. Poder-se-ia chamar a este ministério o ministério da Equidade Territorial. Elevado potencial, indiscutível, assim Deus nos ajude.


Assunção Cristas é uma estrela ascendente da política portuguesa e não apenas do CDS, pertence a uma nova geração que não tem nada a ver com a brigada do reumático. Situa-se politicamente numa nova direita informada e aberta à sociedade.


Novo governo, vida nova? On verra bien.


Ao ponto a que chegámos, Portugal depende muito de quem governa, depende muito da qualidade de quem ocupa os lugares-chave. Infelizmente, no momento presente, as alternativas são escassas.
Temos um novo governo, temos novas caras, para trás ficou o pesadelo Sócrates.
Esperemos que a cura de oposição do PS seja bem sucedida e que, assim, esse velho partido se torne útil ao país.
Que venha uma nova classe política, que venham novos personagens políticos, gente séria, competente e dedicada ao serviço público. Mas, nada está garantido. Uma longa provação nos espera.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

ENTRE NOVA GERAÇÃO E BRIGADA DO REUMÁTICO



Terminaram as eleições, sabemos quem são os vencedores e os vencidos, temos a democracia, ainda bem, the show must go on.


Se considerarmos o estado a que o país chegou e também a dimensão da derrota da chamada esquerda, é inevitável que a política portuguesa entre numa fase patética com umas pessoas conhecidas por isto ou por aquilo a aparecerem com vontade de falarem acerca do que lhes vai na alma. Uma espécie de happening político.


O meu sentimento é que o efeito dessas dispensáveis confissões é quase pornográfico.


Tendo acabado felizmente o consulado socrático, uns tantos personagens aparecem à procura de autor.


Mas, por detrás desta procura, o que vejo são problemas que têm a ver principalmente com uma difícil substituição de gerações.


Esta substituição é um fenómeno biologicamente inevitável, com repercussões sociológicas, psicológicas, históricas, and so on. Mas, os seus resultados raramente são previsíveis.


A maior parte das gerações passam, a maior parte não passam à história, pelo que naturalmente nunca mais se ouve falar delas. Infelizmente, foi isso que aconteceu em Portugal durante cerca de quarenta anos.


A geração de 1870, a do Antero e das Conferências do Casino, deixou marcas que nunca serão apagadas. Cem anos depois veio a geração que deitou o Estado Novo abaixo. Também esta geração não será esquecida.


Para sermos rigorosos, a geração do 25 de Abril é a que nasceu na década de 1940 e que, por coincidência que é preciso ter presente neste período pós-eleitoral, chegou agora à idade da reforma. É triste para as gerações que vão sendo substituídas, mas o tempo não perdoa.


Sejamos ainda mais rigorosos, quando falamos de gerações, estamos a falar de médias, apenas de médias. Médias que ocultam diferenças entre este e aquele, entre uns que fizeram umas coisas e outros que fizeram o seu contrário.


Não nos deixemos perder por entre aritméticas.


Médias aritméticas que colocam no mesmo plano, por exemplo, o cidadão Ernesto Melo Antunes, ideólogo do 25 de Abril e o cidadão Aníbal Cavaco Silva que do 25 de Abril nunca percebeu patavina, o que não admira. É que quando era preciso, não mexeu um dedo para que qualquer coisa de novo acontecesse.


Consideremos outro aspecto dessas aritméticas.


Ana Gomes aritmeticamente não pertence à geração a que me estou a referir. Mas pertence-lhe politicamente. É mais nova, tem currículo e isso não é de somenos. Nos idos do PREC, andou pelo MRPP, não sei se participou na meritória confecção dos grandes murais revolucionários que alegravam a cidade de Lisboa.


Pelas minhas contas, ela pertence à média geracional desses jovens pintores de murais, da qual o mais conhecido é actualmente o chefe da comissão europeia.


Na história da psicologia experimental há duas figuras famosas, Pavlov e o seu cão. Desse feliz encontro nasceu a teoria dos reflexos condicionados.


Não sei se as declarações que Ana Gomes proferiu recentemente sobre o Paulo Portas têm alguma coisa a ver com essa teoria. Mas presumo que possa haver aí qualquer coisa de geracional, se bem que ela e o Paulo Portas pertencem mais coisa menos coisa à mesma geração. O que sei, e esse é o meu sentimento pessoal, é que a minha simpatia por Ana Gomes, que sempre admirei pela sua combatividade e coragem, se desvaneceu exponencialmente e isso chateia-me. Mais uma decepção a acrescentar ao meu currículo de decepções.


Ò Ana Gomes, estamos no mais antigo país da Europa, não estamos nos USA. Em política com P grande, malgré Maquiavel, nem tudo é permitido.


Como se não me bastasse este lamentável episódio, hoje, na minha qualidade de episódico espectador de canais de notícias, tive direito à lamentável prestação dum personagem, o sr. general Pezarat, que é dos tempos do PREC e que na televisão veio também acusar o Paulo Portas. Acusou-o de ter mentido ao povo português a propósito das armas de destruição maciça do Iraque. A que acrescentou a mesma conclusão da Ana Gomes, o Portas não é idóneo, não pode pertencer ao novo governo português.


Are you crazy?


Onde é que estavam na campanha eleitoral? A campanha acabou. Se querem insistir, escrevam um livro, contem tudo, convençam-nos.


Quem é que representam? Têm alternativas à troika, ao descalabro da(s) esquerda(s), têm alternativas para resolver as desgraças do povo português, as desgraças desgraçadas de um milhão de desempregados e das suas famílias?


Se não têm nada de novo para dizer, ou calcem as pantufas, não se ponham em bicos de pés, sejam honestos, ou preparem-se para a luta política de maneira séria.


Doravante, acabou-se a brincadeira.


Idêntico recado para o Doutor Cavaco.


Este doutor é da mesma geração do general Pezarat, o doutor é de direita o general será de esquerda, se é que ambas as etiquetas querem dizer alguma coisa nestes tempos que correm. O doutor não teve nada a ver com o 250474, o outro teve o mérito de estar lá, teve o seu papel.


O doutor é presidente desta desgraçada república e, antes disso, foi seu primeiro-ministro durante 10 anos.


Agora que é o “supremo magistrado da nação”, designação que muito o deve envaidecer, o Doutor Cavaco descobriu as virtudes e os méritos da agricultura. Confiou-nos esse seu estado de alma no discurso que proferiu em soleníssimo momento na capital do distrito mais envelhecido de Portugal, no passado dia 10 de Junho, dia, que, não ainda há muito tempo, designou como o dia da raça.


O doutor Cavaco confessou-nos a sua nostalgia da agricultura e acho isso muito comovente. Certamente, nostalgia dos seus tempos de infância, na recuada época em que ainda não se imaginava nas funções a que os deuses se dignaram elevá-lo.


As memórias da infância podem levar-nos a perder o sentido da realidade e a memória dos factos. É o problema do prazo de validade das gerações, a memória é cruel, atraiçoa-nos.


No seu quase poético devaneio, o actual presidente desta actualmente falida república confundiu a realidade dos factos históricos. É que se esqueceu de referir que foi exactamente no seu consulado de primeiro-ministro, quando era o deslumbrado bon élève da CEE, que a agricultura e as pescas foram destruídas em Portugal.


Implacavelmente e definitivamente destruídas para gáudio e proveito das agriculturas dos “parceiros” europeus que agora nos estão a empurrar para a bancarrota e que lançam boatos sobre as bactérias disseminadas nos nossos pepinos. E para desgraça de várias gerações de infelizes agricultores e de pescadores que foram obrigados a descobrir outros caminhos para sobreviver.


Muitos terão conseguido sobreviver, não tiveram outro remédio, lá se desenrascaram.


O país é que não parece estar a caminho de sobreviver, estou a pensar principalmente nos dois terços de território português que vão a caminho do mortal sono da desertificação.


De bons sentimentos, está o inferno cheio.


Bons sentimentos que vêm à tona nesta imperscrutável mudança de ciclo político.

Tudo isto me faz pensar naquela cena da brigada do reumático, a brigada dos generais vacilantes nas suas bengalas que foram a S. Bento prestar vassalagem ao Marcelo Caetano, creio que foi, mais dias menos dia, em Dezembro de 1973.


O tempo vai passando. Mais geração, menos geração, resta-nos perguntar o que é haverá de novo na frente ocidental?



sexta-feira, 10 de junho de 2011

DESMUNDIALIZAÇÃO, NACIONALISMOS, DIREITA VOLVER ?



É inevitável, na história das sociedades que se exprime na soma dos dias vividos pelos que estão cá, pelos cá estiveram antes de nós e pelos que virão depois, nessa soma de histórias os ciclos repetem-se mas nunca são iguais.


Nos anos 1920/30, tivemos a pior crise até então jamais vivida pela Europa moderna com o pós-grande guerra, a economia em ruínas, a paz de Versailles, a invasão do Ruhr, a hiperinflação, o descalabro da república de Weimar e a humilhação alemã, a subida ao poder dos nazis, o fascismo italiano, o fascismo na Hungria, o Estado Novo salazarista, a derrota da república espanhola e a revanche franquista, o anúncio de nova grande guerra.


Durante todos esses anos de desgraça, de miséria e loucura assassina, os demónios do nacionalismo soltaram-se não sei se por causa ou contra a ideia trotzkista e internacionalista de revolução mundial, anti-burguesa e anti-nacional.


Já lá vão muitos anos, desde essa época fatídica, muita água e muitos cadáveres correram sob as pontes.


No novo século em que vivemos, duas novas palavras aparentemente sábias, justas e “progressistas” tomaram conta do nosso léxico político: globalização e potências emergentes. Duas novas palavras cheias de promessas.


Mas, essas duas palavras começam agora a ser questionadas e é possível que estejamos a entrar num novo ciclo com novas filosofias quanto ao livre comércio e às relações mundiais.


O estado calamitoso a que chegou a união europeia poderá ser o sintoma, talvez o mais sintomático no imediato, dum descalabro anunciado, que é o da utopia da globalização ou mundialização como queiram chamar-lhe. Utopia que se impôs naturalmente ao pensamento das elites intelectuais e políticas durante a última década.


Façamos aqui um parêntessis, a mundialização é uma criação do génio português embarcado em cascas de noz atravessando o Atlântico para além do Cabo da Boa Esperança e muitos outros cabos. Acrescente-se, o mundo moderno nasceu quando Bartolomeu Dias descobriu que havia uma passagem entre o Atlântico e o Índico em direcção ao Oriente. Isso está comprovado, não é basófia nacionalista.


Voltemos à mundialização. É um conceito recente, aproveitado principalmente por gente com ideias velhas, estou a pensar nos fanáticos do liberalismo capitalista. Esta gente sempre precisou de mercados, abram-se as fronteiras, abram-se os mercados.


Mas as coisas não correram ou não estão a correr como se previa.


Numa entrevista a um jornal francês há pouco tempo, em Abril, Michel Rocard que foi o primeiro-ministro mal amado de François Miterrand e que é considerado como o político socialista mais rápido a perceber as mudanças que estão no ar, declarou a um jornal francês que “a livre-troca integral acabou, ela provocou demasiados prejuízos. A China e a Índia são capazes de produzir tudo o que nós produzimos. E, como os seus custos são muito menores do que os nossos, todos os nossos empregos na indústria estão ameaçados. Isto não é tolerável.»


Bravo, Rocard, palmadinha nas costas do homem. Mas, ò Rocard, a verdade é que tudo isso já era mais do que óbvio há muito tempo. Socialistas como tu, altermundialistas e outros internacionalistas europeus há muito tempo que andavam a dormir na forma. Andavam embalados em doces ilusões sem se darem conta que o inexorável tractor da realidade ia destruindo lentamente a economia europeia, com as deslocalizações e com os baixos preços praticados pelas potências emergentes graças a uma mão-de-obra pletórica, baratíssima e sem direitos sociais.


Levou tempo, a Organização Mundial do Comércio foi negociando a abolição de tarifas aduaneiras, os mercados foram-se abrindo. Resultados?


No que nos diz respeito a nós neste jardim à beira mar plantados, o resultado mais óbvio parece ser este: a Europa, versão união europeia, caminha para a falência.


Portugal já lá está. De quem é a culpa? Chamem a polícia, convoquem o tribunal.


Resultado político principal e global desta falência anunciada?


Os discursos nacionalistas estão de volta.


Começam a estar de volta, tanto quanto percebi - e não vou referir países demasiado óbvios como a Áustria - exactamente no país que inventou a palavra chauvinista, palavra derivada do nome do soldado Nicolas Chauvin que, segundo reza a lenda, mesmo depois de ter perdido três dedos e parte do crânio, continuou a lutar com orgulho pelo seu país de França.


Falta pouco menos dum ano e o país do Chauvin já está praticamente em plena campanha paras as eleições presidenciais.


No debate político que antecipa essas eleições apareceu um novo tema, cuja palavra-chave é desmundialização. Srs. jornalistas dos telejornais e de outros órgãos de desinformação, registem esta palavra, ela vai ser muito falada.


Esta semana, um dos jeunes turcs do PS francês, candidato com hipóteses mínimas mas muito ambicioso, à designação às eleições presidenciais, um tipo chamado Arnaud Montebourg publicou um livro de menos de 100 páginas, ao módico preço de 2 euros. Título elucidativo, completamente apelativo Votez pour la démondialisation, votem pela desmundialização.


O argumento do autor resume-se rapidamente: “o mundo tem andado pelo caminho errado, a mundialização levou-nos todos à derrota”, mais coisa menos coisa, essa é a ideia. A mundialização é responsável pelas deslocalizações, aumentou a pressão para a diminuição dos salários, a mundialização, citemos o homem, “fabricou desempregados no norte e aumentou o número de quase-escravos no sul, destrói por toda a parte os recursos naturais, deu o poder aos senhores das finanças e retirou aos povos o poder que eles tinham de se auto-determinar.” Fim de citação.


O que é que propõe o Montebourg? Propõe o que está no air du temps, “um protecionismo moderno, verde e europeu”. Protejamo-nos, protejamos a Europa, protejamos o ambiente, em síntese, defendamo-nos da invasão dos tais emergentes que fabricam a baixo custo, que exploram os seus quase-escravos e que se preparam para destruir o planeta, voltemos ao protecionismo aduaneiro de antigamente.


O lançamento deste livro não acontece por acaso. A ideia de desmundialização começou por ser lançada por um filipino, mas deixemos isso para mais tarde. Trata-se duma história, que não sendo propriamente francesa, foi lançada na Europa pela líder da extra-direita francesa, anti-europeia e “anti-moderna”, Marine Lepen, filha do seu pai.


Passe a imodéstia, já há bastante tempo que aqui tinha chamado a atenção para o facto da extrema-direita francesa estar a marcar não apenas o debate das eleições francesas, mas também a agenda programática política europeia dos próximos tempos.


No centro deste debate sobre a desmundialização vão figurar mais uma vez e na pele de principais acusados o famigerado neo-liberalismo e “os “fundamentalistas da abertura comercial”, filiados na seita religiosa “da livre-troca”. Vão também estar entre os acusados, Montebourg dixit, os herdeiros da “nobreza anti-patriótica”, cujos membros, durante a revolução francesa foram para o estrangeiro conspirar.


“Anti-patrióticos”, a palavra está dita, está pronunciada não por um vulgar nacionalista de extrema-direita, mas pela boca dum importante dirigente socialista francês.


Os nacionalismos estão de volta, isto era inevitável, a união europeia não vai a lugar nenhum, ou seja, caminha para o precipício fundo e escuro da bancarrota, encontremos, pois, os culpados de todas essas desgraças.


Deus é de todos, mas cada um que trate de si. Toca a reunir as tropas, a música do clarim militar vai começar a soar à porta dos nossos ouvidos.


Resta saber interpretar os sentidos e as ordens destes novos sons, direita-esquerda, esquerda-direita, direita-extrema direita, direita volver?


quinta-feira, 9 de junho de 2011

PARE, ESCUTE, OLHE À ESQUERDA, OLHE À DIREITA: ONDE ESTÃ OS RESPONSÁVEIS?

A queda do PS em 5 de Junho não é um facto fortuito. Vai deixar muito pessoal político no desemprego, mas o mais importante não é isso. O que importa é compreender o seu significado.


Tentemos então perspectivar e contextualizar no respectivo espaço geo-estratégico e político tudo o que aconteceu nesse bloody Sunday.


A derrota do PS, que era obviamente inevitável, é um dos últimos actos dignos de registo na história da chamada social-democracia europeia ao cabo destes últimos 40 anos. O próximo e último acto desta história já está anunciado, com o inevitável adeus do PSOE espanhol.


Entretanto, vão passar muitos anos até que se volte a falar, por razões sérias, desta gente.


A social-democracia europeia teve alguns méritos na história política do século XX, isso é indubitável. Principalmente, os suecos.


Mas, vale a pena fazer o balanço dos méritos do que esses partidos fizeram até ao fim da década de 1960? Vale a pena fazer nesta altura o balanço da história da outra “esquerda” a soviética? O que é que isso adiantaria?


Recordemos, no entanto, foi o partido social-democrata alemão, que era o partido de Marx, de Engels, de Kautsky, de Bernstein, de Liebknecht e de Rosa, Luxemburgo, foi este partido que fez a cama, se assim se pode dizer, dos nazis para acabarem com a república de Weimar dos ditos social-democratas. E, depois disso, como se sabe, começou a tragédia da barbárie das barbáries.


O presidente social-democrata Ebert, chanceler alemão tanto quanto me lembro durante bastante tempo nessa época, não esteve no golpe de Munich nem no que aconteceu depois. Mas foi ele que esteve à frente da Alemanha em momentos decisivos.


Abreviemos, do que se trata é assinalar o fim do ciclo que termina com a queda do PS português, ciclo que se iniciou no princípio dos anos 1970, ciclo durante o qual a esquerda social-democrata europeia fez o trabalho sujo do neo-liberalismo.


Esses partidos fizeram-se eleger com programas ditos social-democratas, de esquerda, foram para o poder e depois governaram como neo-liberais, obviamente de direita. Essa obediência da esquerda social-democrata ao capitalismo selvagem aconteceu impunemente durante 40 anos, e os povos europeus foram calmamente votando nessa gente.


Tudo isso acabou agora, questo ciclo è finito. E acabou, porquê? C’est très simples. O neo-liberalismo já conseguiu alcançar todos os seus objectivos, triunfou em toda a linha, impôs os PECS, o monetarismo, a austeridade, a supremacia dos bancos, o poder discricionário das agências de rating.


As agências de rating agora mandam nos governos eleitos pelos povos, querem melhor do que isto? Os neo-liberais mais fundamentalistas nunca terão, nas suas mais ousadas fantasias, imaginado um resultado tão extraordinário!


Consumada a vitória, para os neo-liberais, os social-democratas tornaram-se descartáveis, foram varridos. Que vão procurar emprego, arranjem outros patrões. Terminou o ciclo dos preciosos préstimos da social-democracia, o neo-liberalismo chegou ao seu apogeu e os resultados de tudo isto estão à vista.


Attention, não estamos numa telenovela. Fazemos este aviso, chamamos a vossa atenção, as cenas seguintes são difíceis, a realidade nua e crua pode perturbar seriamente as pessoas mais sensíveis.


O braço armado triunfante do neo-liberalismo europeu chama-se troika, vimo-lo na televisão. As suas vítimas, que, resumindo, somos nós mesmos e os gregos, foram condenadas a um ghetto de total e absoluto retrocesso social.


Estes vencedores neo-liberais de hoje têm muitos antepassados e conseguiram ir muito para além daquilo que eram os objectivos mais ousados dos liberais mais radicais do século XIX.


Conseguiram impor em toda a linha, e nós portugueses vamos ser eloquentes testemunhas dessa vitória, a ideologia da absoluta eficácia e hegemonia do mercado e do carácter “natural” e absolutamente inquestionável das leis económicas liberais.


Impuseram a ideologia que condena a interferência do Estado seja no que for, impuseram a ideologia do sagrado princípio segundo o qual a liberdade económica é o fundamento primeiro e último de qualquer liberdade política.


O triunfo do neo-liberalismo pode resumir-se na hegemonia absoluta do economismo sobre tudo o que são relações sociais, sindicais, culturais, religiosas, nacionais ou outras. Hegemonia absoluta da economia capitalista cujas prioridades mais prioritárias são o lucro e o dinheiro.


Supremacia definitiva do economismo que, apoiado na força da sua superior, implícita e óbvia racionalidade, regulará, para além, da economia e das finanças, quaisquer outros comportamentos humanos, sejam eles políticos, jurídicos, sexuais, ou familiares, ou psicológicos. Vá-se lá saber quais os limites dessa omnisciência.


Pairando sobre as nossas cabeças, vigia-nos agora e manda nas nossas vidas uma espécie de anarco-capitalismo que apenas jura pela iniciativa privada e que questiona a legitimidade da simples existência do Estado.


Os próximos passos deste bando desenfreado na sua esquizofrenia adivinham-se facilmente: privatizar a segurança social, a justiça, o exército, a polícia, a marinha e quaisquer serviços públicos, principalmente os que dêem não apenas poder mas também lucro, proibir a administração e os bancos públicos. O Estado deverá desaparecer, alguém se há-se ocupar dos pobrezinhos, dos órfãos, das viúvas, dos estropiados e dos sem-abrigo.


É um triunfo sem falsos pudores nem falsas modéstias este triunfo do capitalismo cujo objectivo implícito é destruir a humanidade.


Alguns escreveram sobre essa vertigem suicidária do capitalismo. Deixemos essa questão para outra altura.


As forças vitoriosas do pior capitalismo possível chegaram às nossas portas, às portas da nossa desgraça. Mas chegaram aqui com a cumplicidade activa das esquerdas europeias social-democratas, e também com a cumplicidade passiva de algumas das outras.


Apetece-me lembrar aquilo que alguém escreveu há volta de 2400 anos.


Na Ética a Nicómaco, Aristóles distinguiu entre economia e cremastística. Para o filósofo grego, a cremastística “natural”era a arte de enriquecer e ela era aceitável apenas se estivesse ao serviço da comunidade, porque servia a sua sobrevivência. E esse devia ser o objectivo da economia, o bem da comunidade.


Mas a cremastística propriamente dita, ou “comercial”, era radicalmente diferente porque o seu objectivo não era o de produzir bens úteis, era apenas o de acumular dinheiro. E Aristóteles considerava que esta era uma actividade anti-natural.


É que, tal como Platão, ele condenava a ambição do lucro pelo lucro e a obsessão em juntar e acumular riqueza. No seu pensamento, a economia devia ser posta ao serviço da comunidade, devia servir para produzir bens úteis. Ora, a cremastística « comercial » substituía os bens pelo dinheiro, privilegiava a obsessão do lucro. Servia apenas o objectivo de criar dinheiro a partir do dinheiro.


O dinheiro, a usura e os agiotas criam mais dinheiro a partir do dinheiro. Criam mais dinheiro a partir do dinheiro que roubam aos nossos salários, a partir do dinheiro que roubam aos impostos que pagamos, a partir do dinheiro que nos falta e nos condena à miséria.


É nessa fase que estamos agora, estamos na fase em que são as bolsas e as agências de rating que têm o privilégio de “criar” riqueza.


Já não estamos na fase do esquema de Marx (D – M – D’), dinheiro que cria mercadoria, que, por sua vez, cria mais dinheiro. A fórmula ficou mais simples: (D – D’), ou seja, dinheiro que cria mais dinheiro, mais dinheiro para os especuladores e os conspiradores, mais pobreza, sacrifícios e miséria para os excluídos do circuito dos privilegiados da fórmula capitalista.


É esse o capitalismo que temos agora, foi-nos legado com os cumprimentos de muita gente de esquerda.


E, agora?


Estamos ao dispor da troika, dominados pelo neo-liberalismo, ao serviço da união europeia pan-neo-liberal, estamos sob a alçada dos bancos cremastísticos que nos impõem o seu poder, a sua ditadura, somos seus escravos.


Alternativas?


Segundo a opinião dum jovem euro-deputado do Bloco de Esquerda, que li hoje no Público, “Portugal não tem partidos de esquerda. A gente olha para eles e é forçoso reconhecer: nem um único”.


Vai o senhor deputado de Bruxelas seguir o exemplo do seu patrão Francisco Louçã ou vai-se demitir?


Ouvi também na televisão um candidato ao lugar do Sócrates no PS falar sobre um novo ciclo.


Da parte desta distinta gente de esquerda, este género de conversa era impensável há 3 dias. The times they are changing!


As esquerdas, como as direitas, sempre cultivaram a mentira e a conveniência dos discursos mais convenientes. Preguiça mental, arrogância, falta de respeito pela verdade e desprezo pelo povo, eis os atributos da esquerda, constantes e invariáveis ao longo do tempo, da esquerda qualquer que ela seja, social-democrata, soviética, arqueológica, moderna, ou de confiança, j’en passe.


Caminhando por todos esses tremendos caminhos, chegámos a este ponto da história, mimeticamente obedecendo às convenções estipuladas pelas esquerdas e pelas direitas.


Não vejo muito bem como é que o futuro deste país abismado na cratera e nos destroços duma história importada, à qual apenas pertence episodicamente, não vejo muito bem como é que esse futuro vai, se realmente futuro houver, conseguir ultrapassar todas essas tretas.


Vamos ter que repensar e inventar muita coisa. Comecemos pelo regime político e pela justiça.


Meditemos sobre o exemplo da Islândia, o primeiro país do mundo que decidiu levar a julgamento um primeiro ministro pelas suas responsabilidades na falência do país.


Comecemos pelo princípio das causas de todas estas desgraças. Do passado façamos tábua rasa.


Sous les pavés, la plage. Escavemos, alguma coisa havemos de encontrar.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

ELEIÇÕES, PERDEU O BLOCO, PERDERAM AS SONDAGENS


Como previsto, tivemos as eleições.


A noite eleitoral, confesso, não trouxe nem grandes surpresas nem momentos particularmente cinematográficos. Foi tudo muito cinzento, muito frouxo, muito para desligar o aparelho e ler um livro.


Parêntessis sobre esta noite desinteressante, neste momento, estou a ler um livro que recomendo vivamente, Sakalina de Tchecov. É sobre uma viagem a uma ilha de deportados no antigo império russo, com o Japão do outro lado, no Pacífico. Não conhecia o livro, mas já sabia do amor de Tchecov pelas viagens, releio regularmente a sua obra-prima, a Estepe.


Retomemos o pós-eleições, esse fiasco do grande frisson que nos tinha sido prometido.


Nessa noite para esquecer houve um momento único, sejamos objectivos, um momento muito particular, foi o adeus do Sócrates.


Antes desse adeus acontecer fui recapitulando mentalmente, há vários anos que imaginava ansiosamente as circunstâncias em que esse tipo que nos arrasou a vida durante estes mais de seis anos apareceria na televisão a anunciar que se ia embora.


Ansiei tanto por esse momento, finalmente ele aconteceu, foi ontem às 9 e meia da noite.


Não se trata propriamente duma decepção, mas as coisas não aconteceram exactamente como eu tinha imaginado. O Sócrates, engenheiro ou não, é um actor, deve ter ensaiado imenso, trazia a lição bem estudada, o homem tem muitos talentos e conseguiu celebrar em grande estilo a cena do seu adeus até ao meu regresso. Je tire ma révérence, tiro o panamá, the show must go on, o homem anunciou o seu interregno pessoal, saiu com o seu odioso sorriso, preparem-se para daqui a cinco anos. Alguém com muito menos talento do que ele conseguiu voltar e agora lá está sentado no seu trono. Cenas da vida republicana.


Em qualquer eleição há sempre aquela questão de se avaliar quem perdeu e quem ganhou. É uma espécie de reflexo condicionado futebolístico.


Quem ganhou, parece-me óbvio, ganhou o Passos Coelho, ganhou o Portas e ganharam todos aqueles que por detrás deles esfregam as mãos de contentes.


Vai haver mudança de boys, de figurantes, mas por detrás os patrões vão continuar a ser os de sempre. Há os vencedores da noite à vista de toda a gente e há os vencedores escondidos.


Mas a questão mais interessante é tentar perceber quem é que perdeu. Mas não é fácil fazer para já um balanço.


Esse balanço vai ter que ser feito ao longo dos próximos tempos. O que é que vai acontecer à Caixa Geral de Depósitos, quanto tempo é que vai ser preciso para chegarmos ao milhão de desempregados, o que é vai acontecer com a cultura, com a educação, com a ciência, com os transportes públicos, com a água, com a electricidade, com a segurança social, com a agricultura, com o interior, com a natalidade, com as pescas, com a indústria…


Em primeiro lugar, sejamos mais uma vez objectivos, quem mais perdeu no imediato do acto pré e pós eleitoral foram as empresas de sondagens e toda a parafernália mediática que nos chagou durante, pelo menos duas semanas, os ouvidos e os olhos com sondagens diárias.


Essa gente perdeu, os seus cálculos estavam errados e depois tiveram o descaramento de vir dizer que tinham acertado em cheio. Alimentaram o folhetim o PSD ora descola ora não descola, tudo isso era certamente manipulado por alguém com os seus cálculos políticos.


No final, o PSD ganhou com mais de 10% dos votos sobre o PS. Falhanço total e sem desculpa.


Quem é que assume a responsabilidade desses erros? Serão as empresas de sondagens empresas honestas? Faut pas rigoler, já estamos habituados a essa história, o destino normal e sem recurso das sondagens pré-eleitorais deve ser: para o caixote do lixo, já! Aumentará o desemprego nessa importantíssima actividade económica? Paciência, que se inventem outras actividades socialmente mais úteis.


Segundo perdedor e aqui entramos no ranking dos protagonistas.


Segundo perdedor indiscutível, o Bloco de Esquerda e Francisco Louçã.


Concedo e já o escrevi aqui, Louçã esteve bem nos debates e naquilo que me pareceu ser a sua campanha eleitoral.


Mas o seu problema e o do Bloco não está aí, ele começou muito antes, ou seja, começou quando o Louçã decidiu apoiar o Alegre, logo no dia seguinte, quando aquele putativo candidato à presidência da república se declarou disponível para se apresentar às eleições.


O erro original começou aí nessa aliança espatafúrdia e contre nature entre o BE e o putativo e óbvio apoiante daquilo que seria a alegre candidatura. Ou seja, a aliança entre o Louçã e um tipo chamado José Sócrates. Uma espécie de aliança imaginária entre George Bush júnior e Sadham Hussein.


O Pinheiro de Azevedo no auge do PREC de 1975 gritava numa das janelas que dão para o Terreiro do Paço, gritava que o povo é sereno.
O BE aprendeu a gritar baixinho para si próprio, o povo é estúpido, o povo de esquerda é obediente e organizado, nós decidimos, eles obedecem.


É a tradicional e muito antiga arrogância das elites de esquerda que falam em nome do povo ignorante e dócil e que pretendem guiá-lo pelos meandros da história.


Tivemos o Alegre episódio e, a seguir veio, o episódio da falsa moção de censura. A lógica mental, arrogante e política subjacente é a mesma. Episódio que se diria ser protagonizado por adolescentes filhos de pais ricos que se entretêm com jogos em que gozam com os filhos dos pobres. Conheço bem esse tipo de jogos.


Os altos dirigentes do BE decidiram, pois, apresentar uma moção de censura, mas, atenção, veio-nos prevenir o grande líder parlamentar do BE, não é para deitar abaixo o governo, é para deitar abaixo toda a gente, nós é que somos os bons, sigam-nos.


O povo nestas eleições, afinal, não os seguiu e o tal líder, e o resultado está à vista, foi um dos oito deputados que o BE perdeu nestas eleições.


O culminar desta estratégia tem uma palavra: Terreiro do Paço. Estou a falar da estratégia bloquista alimentada no seu elitismo pelo desprezo pelo eleitor comum, ignorante e apenas preocupado em ganhar dinheiro e ter emprego para se sustentar e aos filhos. Tal estratégia foi assumida pelo BE à vista de toda a gente e com todo o desplante quando os grandes dirigentes da auto-designada esquerda de confiança se recusaram ir ao Terreiro do Paço falar com os altos funcionários empregados da troika.


O Terreiro do Paço é ali tão perto, mas esse grupo de políticos iluminados por misteriosas visões políticas, essa elite cujos desígnios nos escapam, não se deu ao trabalho de ir ao terreiro dizer àqueles senhores o seu pensamento, argumentar com eles, dizer-lhes, olhem, vocês são uns agiotas, estão aqui para nos roubar, para nos explorar, para tirar o pão da boca dos nossos filhos, fuck you e, depois, vinham cá para fora e contavam tudo isto às câmaras da televisão e aos jornalistas que estivessem lá para os ouvir.


Finalmente, perdedores em toda a linha o BE e o Louçã, porque, ò Louçã, num partido normal a obrigação da sua direcção quando esse partido perde metade dos seus deputados não será a de se demitir e convocar imediatamente um congressso ou coisa que o valha? O que é que fez o Sócrates? Diz-me lá, ao menos, pensaste nisso, pensaste na hipótese de te demitir? O que é que te distingue do Sócrates, és melhor do que ele? Não pensaste, está à vista. E isso não me surpreende.


É que o BE não é bem um partido político, será uma seita? Não sei. Em todo o caso, se é um partido, deve ser extra-terrestre, vem doutro planeta e não se rege pelas regras deste outro planeta onde nos movemos nós pobres mortais.


Tudo isto já vai longo.


Para concluir a questão sobre quem perdeu.


Obviamente, o PS perdeu, perdeu o poder, perdeu os empregos para os seus boys. Mas a sua derrota foi extraordinária. Ficou muito aquém do que manda o entendimento humano. Este partido dito socialista, na melhor das hipóteses, depois de todas as patifarias que pregou ao povo português, nunca deveria ter ficado acima do seu pior score, o de 1985 (se a minha memória não falha) do Almeida Santos. Abaixo dos 20%, sim seria a derrota normal, lógica, se é que há lógica na política.


A derrota do PS foi extraordinária, mas a ajuda do BE nesse facto tão extraordinário não me parece dispicienda.


O povo é sereno, a palavra cabe sempre ao povo, os tempos estão duros, Portugal é hoje a sombra dum país que existiu como tal apenas e sempre que lutou pelo seu destino. Isso aconteceu nos últimos dois séculos apenas em momentos fugazes.


Depois desta noite eleitoral, imagino Portugal no início do século XIX, há 200 anos. Estaremos em condições de resistir aos neo-invasores?


Talvez, talvez. Mas temos que inventar outro tipo de armas, cultura, transparência, justiça, educação, luta contra a corrupção, solidariedade, justiça social, responsabilidade, capitalismo sério, banqueiros que paguem impostos e que financiem gente capaz e ambiciosa, patrões sérios e responsáveis, democracia, políticos honestos, políticos competentes e cultos.


Armas que sejam eficazes contra os donos da união europeia e do euro que mandam em nós, contra a ditadura dos países que se estão a rir, que gozam à nossa custa neste momento. Pressinto que não há grandes razões para optimismos.



Apesar de tudo, boa sorte sr. Passos Coelho, peut-être que Dieu, s’il existe, nous aidera-t-il!


sábado, 4 de junho de 2011

REFLEXÃO ELEITORAL, CONCLUSÃO

Do lado dos pequenos partidos que se apresentam às eleições, a informação que nos foi dada pelos média foi nula ou completamente caricatural. Programas, ideias, candidatos, desses partidos, tudo isso não passou dum verdadeiro deserto do Sahara.


Para meu esclarecimento pessoal, decidi pois investigar na internet. Foi um trabalho muito produtivo, que confirmou a falta de imparcialidade, de profissionalismo e de honestidade dos média que temos. Que confirmou que a agenda desses órgãos de informação não se subordina ao interesse público e à verdade, limita-se a cumprir os desideratos dos grupos de poder instalados no sistema.


Na minha opinião, que obviamente não passa disso, o mais interessante documento que encontrei nessa viagem internáutica foi a intervenção que uma deputada municipal de Lisboa do PPM proferiu na Assembleia Municipal, no passado dia 3 de Maio. Intervenção motivada pelo relatório escrito acerca da actividade municipal apresentado pelo presidente da CML à Assembleia.


Lendo o texto, tive a sensação de que tudo o que nele é dito vai para além do concelho e da administração autárquica de Lisboa. É um documento inteligente, bem fundamentado e devidamente crítico e cáustico que se aplica ao país que temos e aos responsáveis que o têm andado a (des)governar. Merece ser lido com atenção e, após reflexão, achei que se justificava dar a conhecer esta prosa aos poucos leitores que acompanham este blog.


Não estou a tomar partido, limito-me a assinalar factos que merecem ser assinalados, limito-me a fazer circular opiniões políticas que não são divulgadas nos médias da nossa praça e que devem ser conhecidas e quiçá objecto de reflexão.


Acrescento que a autora desta intervenção, Alline Hall, é a cabeça de lista do PPM por Lisboa às eleições legislativas de amanhã.










O PPM fica perplexo com a aura de auto-elogio das informações escritas do Sr Presidente da Câmara. A Reforma Administrativa, que é o verdadeiro assassinato sem escrúpulos do municipalismo, é visto como um acto heróico de grande feito e com aval científico. Esquece-se que nem sempre os estudos científicos e estatísticos servem bem as pessoas. Os munícipes precisam de um contacto mais próximo com os seus Presidentes de Junta, numa necessidade de identificação, confiança e aproximação tão necessárias ao seu bem-estar! E lá se foi mais uma tradição humanista portuguesa, a ser apagada das ruas e bairros de Lisboa, e o Sr Presidente congratula-se...Congratula-se também com as obras do Pátio da Galé, mas, em nenhum momento, se preocupou em recuperar ou estudar o local na realidade. Sim, porque há vestígios arqueológicos do antigo Paço da Ribeira, da Casa da Índia e até da Ópera do Tejo! No entanto, isso é completamente ignorado ou até desconhecido. Mas o que importa isso ao Sr Presidente? Quer é abrir esplanadas padronizadas e descaracterizar ainda mais o município! Mais um pouco e o Pátio da Galé se transformará numa feira popular sofisticada. Já que gosta tanto de estudos científicos e de basear as suas opções nos mesmos, porque não manda fazer um levantamento dos vestígios arqueológicos desses monumentos emblemáticos que foram da cidade e que estarão lá incorporados? Poderia fazer dali um complexo museológico, recuperando verdadeiramente o passado dos lisboetas e perpetuando-o para o futuro. Quiçá até mudar para esse espaço o Museu da Cidade, que merece mais dignidade e importância, pois é o museu que conta a história de Lisboa, testemunha todos os seus momentos e teria toda a lógica em estar instalado nos edifícios recuperados do antigo Paço, destruído com o Terramoto.E o que faz o Sr Presidente? Povoa o espaço com restaurantes de luxo com algo que ninguém sabe bem o que seja, isso da “comfort food”, como lhe chama, para Português algo como “comida confortável”, que deve é causar um desconforto enorme na carteira dos Portugueses... Ah, já me esquecia, aquela zona é mesmo só para turista ver... e consumir...Ou seja, o que faz é supor que tudo o que é cosmopolita e bem polido, tem um ar de modernidade... como se as imagens estrangeiradas transportassem consigo um cunho ou uma sensação de qualidade. Na nossa apreciação, que peço de empréstimo a Fernando Pessoa, isso chama-se “provincianismo”.Quanto aos vários Planos de Pormenor pensados para a cidade, chamo a atenção, em particular, para o Plano de Salvaguarda da Área Envolvente do Palácio da Ajuda. Desejamos mesmo que seja para salvaguardar aquele património, porque já chegou a destruição feita nos anos 50 do século XX de parte da Real Barraca. A zona que não ardeu no incêndio a 10 de Novembro de 1794 foi destruída em nome do progresso, para construir a linha do eléctrico. Peço-lhe que mantenha a parte da ruína das antigas cozinhas da Real Barraca, uma das poucas construções que subsistiram do arquitecto Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena, autor dos teatros de ópera de D. José e do risco da igreja da Memória. Estas ruínas, cujos azulejos já quase desapareceram na totalidade porque nunca foram devidamente cuidados, (embora nos anos 90 do século XX ainda se encontrassem “in situ”), constituem das poucas referências que não foram apagadas pelo incêndio mencionado, pelo tempo ou pela ignorância. Pedimos-lhe que preserve esse património na sua totalidade. E sim, é bom que faça um remate decente à fachada Poente do Palácio, que é uma vergonha. Não sei se sabe, Sr Presidente, mas habitualmente, chamam àquela fachada que está inacabada, esburacada, em péssimo estado, a fachada da República, em contraponto com a principal, que é a fachada da Monarquia. Magnânima, sólida, imponente, que transmite segurança, força e confiança, enquanto a fachada da República é aquela desgraça a desfazer-se, um pouco como vemos o regime actualmente. Em 37 anos, 3 vezes na bancarrota, é algo nunca visto na História de Portugal! E, curiosamente, sempre pelas mãos do PS. Parece que não têm amor nem consideração pelo país e pelos portugueses, só se preocupam com o poder e o dinheiro de forma gananciosa. A República deixou o país na miséria, agora nas mãos de entidades exteriores para sobreviver. Não para se desenvolver, repito, PARA SOBREVIVER. Foi para isso que mataram o rei, o príncipe herdeiro e deram um golpe de Estado completamente anti-democrático? Foi para isso que impuseram uma República que está completamente podre? Se era o caos que desejavam instalar no país, parabéns, conseguiram-no!Com certeza o Sr Presidente vê agora uma boa oportunidade de mascarar a fachada republicana presente no lado Oeste do Palácio da Ajuda. Mas se tem de o fazer, então faça-o com dignidade, e preservando os vestígios arquitectónicos. É o mínimo que um Presidente da Câmara consciente pode fazer com um edifício tão importante da cidade e da História de Portugal.E por falar em actos que deveriam ser conscientes, eis que vemos o nosso Presidente da Câmara, qual herói de banda-desenhada, capa e espada, ou só capa (de preferência cor-de-rosa), voando dos Paços do Concelho para... o Intendente. Benemérito, dá-se ao luxo de dispender 5.600€ de renda mensais, por 10 anos, quando tem o edifício dos Paços do Concelho completamente à disposição, mantendo-o apenas para “reuniõezinhas”. O que equivale a 672 mil euros de um gasto completamente supérfluo, desnecessário, que não intervém positivamente em nada na zona. Pelo contrário: já tínhamos dificuldades em ter mais residentes em Lisboa, devido à sua mudança essa dificuldade acentuou-se! Os prédios na zona aumentaram as rendas para o dobro! Deve ser para verem os seus lindos olhos, Sr Presidente. Pois foi isso que conseguiu com a mudança de instalações – inflaccionar preços de arrendamento, gastou sem dó dinheiro dos contribuintes, sem contabilizar ainda os gastos para instalar devidamente os serviços! Imagine-se o que não virá por aí!Esses 672 mil euros não correspondem a nenhum investimento para reabilitar um edifício ou alguma estrutura no Intendente: é um gasto caprichoso só para pagar uma renda. Quando o Sr já tem uma casa, que lhe foi atribuída! Queria mudar-se, pagava do seu bolso e não com dinheiro dos munícipes! Os mesmos munícipes, Sr Presidente, que votaram em si para governar e orientar a cidade, e não para esbanjar o dinheiro deles com rendas absurdas, pagas por uma década, quando o Sr foi eleito apenas por 4 anos! Isso é abuso de poder! Isso é esbanjamento irresponsável do dinheiro do município! Isso é total irresponsabilidade e demagogia; é ser-se leviano com o dinheiro dos outros! Não foi para isso, definitivamente, que votaram em si.Esta é a típica acção demagógica própria do PS: lembram-se de um caso semelhante, na cidade do Porto? Pois o PPM lembra-se na perfeição. O Sr Dr Nuno Cardoso achou por bem deslocar o centro camarário para a zona da Sé, uma parte muito degradada dos bairros históricos do Porto. Resultado: a zona continuou degradada, apesar de ter gasto dinheiro a “maquilhá-la” e continua a ser perigosamente (in)transitável, mesmo de dia.Pois não queremos maquilhagem em Lisboa nem demagogia gratuita, Sr Presidente. Muito menos despesas supérfluas, vergonhosa e despudoradamente gastas nas suas deslocações para o Intendente. Por acaso o Sr vai lá ficar a dormir? Ou é só para passear de dia? Ou julga que a sua omnipresença é suficiente para melhorar toda aquela zona? Isso é ter-se em alta conta, não há dúvida!O Sr Presidente diz-se ateu, mas quer-nos parecer que é exactamente ao contrário. Parece-me profundamente religioso. Inspira-se em Deus, julgando-se acima do juízo dos homens, e que as suas acções são perfeitas e imaculadas. Não é, Sr Presidente, não é Deus, nem pode ter pretensões de o ser. Não é omnipresente, pois à noite o Intendente vai continuar a ter os problemas que sempre teve, e nem a sua aura quase divina, emanando da antiga fábrica da Viúva Lamego e com a sua simbologia algo maçónica, poderá acabar com a criminalidade e os problemas sociais graves que ali se passam.Julga-se, talvez, o Intendente Pina Manique do século XXI. Mas para isso, Sr Presidente, precisava de estar em outra categoria...Só peço humildemente desculpa por uma referência que fiz, há meses atrás, sobre si, Sr Presidente. Afinal, não será à frente da Câmara Municipal que irão erguer-lhe uma estátua. Pelos vistos, será no Intendente ou, quiçá, será o Sr a própria inspiração à nova estátua da República, na Avenida do mesmo nome, concretizando a simbólica que, actualmente, é própria a esta República Portuguesa: pura demagogia, exaustiva retórica, deslumbrante espectáculo, total esbanjamento, absoluta indiferença social, entre outras tantas posições... Aconselhamos um livro, para inspiração na realização dessa obra-prima da estatuária portuguesa, que irá nascer para comemorar os 100 anos a cavar a cova de Portugal. Iconograficamente, poderá recorrer a Cesare Ripa. Sempre é melhor e mais digno que figuras de mulheres com ares badalhocos e barretes na cabeça...Quase a terminar, uma palavra quanto à ecologia e espaços verdes – os espaços quase inexistentes da nossa cidade.Refiro-me à Cerimónia de Comemorações do dia Mundial da Floresta. Para festas, o Sr Presidente está sempre pronto. Mas para plantar árvores e fazer uma proposta ecológica verdadeiramente revolucionária para a cidade de Lisboa, isso deixa para o Sr Vereador Sá Fernandes. Que também, não faz nada, a não ser andar de bicicleta. Ou melhor, mandar fazer pistas para bicicletas. Porque ninguém nunca o viu em cima de uma. Até desconfiamos no PPM que o Sr Vereador Sá Fernandes não sabe andar de bicicleta, apenas sonha à noite, ardentemente, em andar nelas, daí a sua obsessão por tantas ciclovias. Como diz o líder do meu grupo municipal, não é o vereador dos espaços verdes, mas dos espaços vermelhos – a cor dessas ciclovias!Só posso concluir que o Sr Presidente é uma vítima, uma vítima do sistema; participa, sem perceber bem, na ruína do país. O Sr Presidente é a verdadeira figura da tragédia grega, ou seja, está mais próximo de uma personagem de Sófocles, do que de Aristófanes; limita-se a fazer o que os outros fazem – negócios cujas motivações são pouco claras e os lucros ao povo, nenhuns. Tudo numa grande tragédia à portuguesa que o nosso país, e a cidade em particular, se tornou.Saúdinha, Sr Presidente, e que viva muitos anos para ver bem o que anda a fazer e passar a reformar convenientemente, o que é a sua obrigação. Falar menos, fazer mais, gastar menos, poupar mais. Isto beneficiaria a cidade em muito maior grau que as suas deslocações e mudanças de instalações desnecessárias. È que todos nós somos responsáveis pelos nossos actos. Não só no imediato, mas principalmente para com as gerações vindouras, que nos julgarão. E que irão escolher se se orgulharão de nós ou se terão vergonha. E, de facto, actualmente os motivos de orgulho são muito poucos. Isso, sim, é a maior tragédia.



sexta-feira, 3 de junho de 2011

REFLEXÃO A PROPÓSITO DE FINS ELEITORAIS

Entrámos no chamado período de reflexão pré-eleitoral. Vamos então tentar reflectir.

Na campanha eleitoral, a melhor parte foi o período pré-eleitoral. Alguns debates na televisão foram úteis e construtivos, uma raridade.

O que é que faltou nesses debates? Faltaram os pequenos partidos. Eu sei que é complicado meter toda a gente a discutir entre telenovelas, mas a falta desses partidos prejudicou o debate. Isto, se admitirmos como essencial que na luta política e nas campanhas eleitorais o mais importante é que os cidadãos tenham a oportunidade de examinar os argumentos de todos os candidatos.

Entre a pré-campanha e a campanha propriamente dita o hiato foi tremendo, não houve qualquer continuidade.

O que é tivemos na campanha propriamente dita? Houve episódios, tricas de comadres, questiúnculas, mas nada de sério foi discutido.

Peço desculpa, tenho que reconhecer que apenas o Francisco Louçã soube prolongar na campanha o que tinha dito nos debates ao insitir na questão determinante para o futuro de Portugal nos próximos anos, que é a da inevatibilidade da renegociação da dívida.

O que é significa isso de renegociar a dívida?

Significa tudo nesta guerra de trincheiras em que se tornou a comunidade europeia e o euro.



A comunidade europeia e o euro, vejo tudo isso como o exército de Napoleão que vai ocupando a Europa, que vai impondo o seu diktat, que chega à Península Ibérica, que chega a Portugal, que chega à Rússia. Sempre com a Inglaterra por perto watching.



Estamos hoje na mesma situação das invasões napoleónicas. Vamos negociar com o invasor? Talvez fosse o mais sensato, mas o invasor não vai aceitar negociar.



Qualquer invasor, por princípio, só aceita capitulações.



Os partidos da troika estão prontos para capitular.



Aceitar o diktat da troika sem resistência, sem renegociar os juros do empréstimo, sem renegociar os prazos, sem renegociar as obrigações que nos são impostas será pura capitulação. Essa foi a posição não explicitamente admitida pelos partidos do “arco do poder”.



Obviamente e essa é a verdade, os partidos da troika estão prontos para capitular.



Estão prontos, querem ser bem vistos em Bruxelas, em Berlim e em Washington, dizem o que é obrigatorio que digam agora, mas daqui a menos de um ano vão querer renegociar.



E vão ter que engolir o que andaram agora a proclamar, vão ter que renegar tudo aquilo que tem sustentado a sua luta eleitoral pelo poder, baseada na ocultação da verdade literal e política que está no memorando da troika.



A campanha eleitoral do triunvirato partidário que quer ocupar o poder andou a esconder a verdade dos sacrifícios e do massacre que nos vão ser impostos.



Escondeu, em particular, a verdade da nossa perda de soberania.



O PCP falou de maneira suave da necessidade de se debater o euro e a soberania nacional. Mas não fez disso cavalo de batalha.



O Louçã colocou a questão da renegociação da dívida, ele é economista e qualquer economista sabe que essa renegociação vai estar na ordem do dia e não vai faltar muito tempo. Mas o Louçã não é o Bloco de Esquerda, é apenas a sua aparência. É a aparência duma alternativa de poder que não existe.



Qualquer economista, por mais monetarista que seja, sabe que Portugal não vai poder pagar a dívida à troika e aos outros credores se não houver criação de riqueza, se não se vencer a recessão.



Qualquer economista que conheça minimamente a história da grande depressão de 1929/1933 sabe que nessa altura quem tinha razão não era o presidente Herbert Hoover, que confiava cegamente na iniciativa privada e no mercado para resolver a crise, mas o novo Presidente Franklin Roosevelt que mobilizou com toda a força a intervenção maciça do Estado para reanimar a economia e o emprego.




Com o guião da troika não vamos lá. É o guião Herbert Hoover, um guião liberal que, por maioria de razões, em Portugal não tem a mínima hipótese de resolver o que quer que seja.



É que em Portugal, infelizmente, todos dependem, todos dependemos do Estado, o Belmiro de Azevedo, o Américo Amorim, o Ricardo Salgado, o Jorge Coelho, o Joaquim, o António, a Maria.



Não temos verdadeiro capitalismo, não temos iniciativa privada, não temos sociedade civil.



Continuamos, continuaremos apenas a ter partidos preocupados em manter, em criar tachos para os amigos.



E, por tudo isso, a campanha eleitoral foi, como diria o Gil Vicente, uma “floresta de enganos”.



Enganados, iludidos e mal pagos.



Mas, reflictam, votem, além dum direito isso é uma obrigação de cidadania (infeliz palavra, faz-me lembrar o Fernando Nobre).



Pela minha parte, no momento da verdade, no silêncio do confessionário da mesa de voto, vou provavelmente decidir votar num desses partidos que não tiveram ocasião nem tempo de antena na televisão para enganar o povo. E votarei conformado com a ilusão de que afinal no meio de todas estas desgraças ainda haverá alguns partidos honestos nas suas convicções e que não mentem.




Dia 6 de Junho, segunda-feira, dia aziago. Triste futuro.