PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 26 de julho de 2011

NÃO SE PODE EXTERMINÁ-LOS?


A Moody’s baixou o rating da Grécia para o limiar absolutamente mínimo, abaixo do qual se deixa de estar no lixo e se entra na falência. Decreto de morte para a Grécia.


Isto acontece uma semana depois de as instâncias que mandam na união europeia terem acordado conceder à Grécia um empréstimo de quase cento e sessenta mil milhões de euros.


Vale a pena tirar daqui algumas consequências.


O capitalismo financeiro internacional chegou a um limite de total abjecção. Abjecção que nos cerca e nos quer destruir.


Com o poder absoluto que conseguiu conquistar, este supremo estádio do capitalismo digno do tribunal de Nuremberga, passou a usufruir da suprema e criminosa legitimidade que lhe permite decretar o genocídio eugenista de todos quantos considera serem incumpridores das regras neo-liberais que estão inscritas em letras de ouro na sua cartilha. A fase da absoluta hegemonia da moeda, do dinheiro, da especulação e do lucro.


O capitalismo que temos hoje passou à fase 1984 do Orwell, aquela fase que o Orwell tinha atribuído ao poder estalinista soviético e que é a do poder inteiramente discricionário, autocrático e obscuro que controla tudo e todos.


O próprio presidente dos USA está neste momento na mira do fogo das agências que servem o poder obscuro da ditadura do capital financeiro, o homem foi ameaçado pelas agências de rating.


Tudo o que vem acontecendo desde há três anos aponta para um novo espectro que ameaça muitos países, principalmente, os países europeus que foram inscritos na lista de futuros países prontos para a bancarrota.


É esse espectro que agora decide sobre os nossos salários, sobre o nossos direitos, que nos retira os subsídios de desemprego, o abono de família, que decide quantas freguesias e concelhos e que é podemos ter, que decide quem é que pode mandar os filhos à escola, que decide quem é que tem direito a um hospital ou a um médico, que decide quanto é que vamos pagar para andar de metro, de comboio ou de autocarro, que decide o que é que podemos ver na televisão ou ler nos jornais.


É um espectro, são deuses desconhecidos cujo poder omnisciente decide quem vai viver e quem vai morrer.


Esse poder omnisciente acaba de decretar, pela voz dos lacaios das agências de rating, quantos gregos deverão ser sacrificados, decidiu que a Grécia não tem futuro.


Em breve, esse decreto poderá alargar-se às vítimas que estão na lista dos futuros insolventes, Portugal, Irlanda, Itália, Espanha, Bélgica, Irlanda, Estados Unidos…


Alguém anda a conspirar, alguém anda a empurrar tudo isto para uma nova guerra de grandes proporções e não me parece que seja aquele louco assassino da Noruega.


Serão loucos, serão assassinos, mas têm outros meios.


O que é que nós vamos fazer quando esses gajos nos atirarem para o último dos últimos níveis, abaixo do qual somos declarados falidos?


Pagamos impostos, trabalhamos, não causamos distúrbios, respeitamos os direitos deste e daquele. Nem sequer manifestamos na rua.


Somos brancos, somos pretos, indianos, cristãos, muçulmanos, europeus, africanos, homens ou mulheres, crianças ou adolescentes, gays or not, trabalhamos, quando temos emprego.


Levamos os filhos à escola, à creche quando ela existe, pagamos bilhetes no autocarro, compramos o passe, pagamos as contas no supermercado, não andamos a roubar nem a matar e, então, como é que vêm estes gajos que ninguém conhece, que ninguém sabe donde é que vêm, nem quem é que os elegeu, como é que vêm esses gajos mandar na nossa vida, como é que eles nos vêm punir, castigar, reduzir-nos à miséria?


Será apenas porque resolvemos entrar para a CEE e para o euro?


A Grécia é atirada para o limiar da bancarrota pela Moody’s.


Concentremo-nos nessa gente. Quem são, quem é que os controla, o que é que os banqueiros e os capitalistas da nossa praça ganham com eles. Por alguma razão lhes pagam, devem ter algum interesse nas cabalas em que esses gajos andam envolvidos.


Há por aí cumplicidades criminosas.


De que é que serviu a cimeira europeia?
Não resolveu o problema dos gregos, é o que parece.


Deu-nos a ilusão de que talvez a crise tenha solução, de que talvez não sejamos empurrados para um lugar escuro no centro da terra sem luz e sem oxigénio.


A questão é que nós portugueses, nós gregos, irlandeses, espanhóis, italianos, nós soi disant europeus, nós não decidimos nada, não controlamos nada, estamos apenas a correr atrás do prejuízo e não fazemos ideia sobre o que é que vai acontecer amanhã.
A Europa! A união europeia é uma perigosa e redundante utopia, a união europeia é um laboratório de criminosas experiências.


Larguemos a Europa e concentremo-nos em objectivos mais realistas e inteligentes.


Sejamos anti-capitalistas e anti-moody’s.


Não se poderá exterminá-los?
Era a pergunta do dramaturgo alemão Karl Valentin nos anos da grande depressão, pouco tempo antes do Hiler subir ao poder.

Olhemos para o Atlântico, somos atlânticos, não somos europeus. Somos mestiços com a África e o Brasil.



Façamos uma comunidade com os nossos irmãos atlânticos do sul, sem agências de rating. Uma comunidade de democracias, de povos inventivos, livres, solidários e livres. De gente com laços fortes entre si, de gente tolerante.


A Europa tornou-se um cemitério, um espaço de morte e de desgraças. Quais federalismos, qual o quê. Deutschland über alles?


Salvemo-nos enquanto é tempo!


quinta-feira, 21 de julho de 2011

VANTAGENS APARENTES DO PÂNICO EUROPEU



Ainda é cedo para se perceber exactamente o que é que foi decidido hoje em Bruxelas na cimeira da última chance, chamem-lhe o que quiserem.

Parece que a dita cimeira centrou a sua atenção exclusivamente na situação explosiva da Grécia, não se terá falado nem de Portugal nem da Irlanda.
Na realidade, nunca saberemos o que é que lá se passou e, mesmo que alguma vez se saiba, isso não vai servir para nada.

O aparente acordo conseguido hoje em Bruxelas pode ser explicável pelo medo do contágio da crise da dívida soberana à Itália e à Espanha. Esse pânico terá tido algum efeito, porque o pessoal que manda nessa coisa chamada moeda única é gente muito macha mas a certa altura, quando as coisas aquecem a sério, perdem os pedais, lá se vai a coragem. O medo é bom conselheiro.

Deduz-se deste aparente acordo que, da parte alemã, prevaleceu a táctica dois passos atrás um passo à frente e, a seguir, logo se verá.

Ainda na véspera, a Dona Merkel tinha-se dado ao trabalho de nos avisar, não esperem nada de espectacular da cimeira, não vamos resolver nada. Era uma ameaça.

Mas parece que as linhas em que corre o comboio da ditadura financeira alemã foram desviadas para uma espécie de impasse, e nessa emergência, a estratégia de Berlim do quanto pior melhor foi confrontada com o dilema do general quando, na véspera da batalha, se prepara para atacar e percebe que afinal está em desvantagem, e decide levantar o acampamento, mandar os soldados para outra parte e esconder as armas e os canhões.

Terá, pois, havido recuo táctico, a Alemanha não cedeu completamente na cimeira, mas cedeu e no fim parece que toda a gente acabou por sair satisfeita.

Os gregos vão receber uma ajuda de 158 mil milhões de euros durante trinta anos. Mas implicitamente, e a bolsa de Londres encarregou-se de o confirmar, ficou estabelecido que os compadres do Peleponeso estão tecnicamente falidos.

Têm trinta anos para pagar, trinta anos, coitadas das crianças gregas! Mas, os juros, valha-lhes isso, desceram para 3,5%. É uma renegociação da dívida, não há volta a dar.

A Alemanha também levou a dela avante porque, neste segundo plano de salvação da Grécia, os bancos e outros credores privados vão ser obrigados a contribuições substanciais.

A grande e poderosa matilha dos negociantes e engenheiros financeiros especulativos e criminosos vai ter que desembolsar cerca de 135 mil milhões de euros a pagar pelos gregos em 30 anos. Esse pessoal da finança alemã vai ter que dizer adeus a uma parte substancial dos créditos e dos lucros com que andavam a salivar. Vão ter que amargar, perdem hoje, mas recuperam amanhã, não tenham pena deles.

O Sarkosy apareceu no seu papel de que gosta mais, o papel de salvador in extremis, naturalmente pareceu o mais satisfeito deles todos. Sabe-se que o homem é de baixa estatura, que usa saltos altos e, talvez por isso, gosta de se pôr em bicos dos pés.

Do alto da sua importância de presidente francês, que não sei bem qual é, little Sarkosy anunciou que a ajuda da união europeia à Grécia será de 54 mil milhões de euros em três anos (de hoje a 2014).

Anunciou também que vão ser apresentadas pela união europeia antes do fim do Verão, propostas para melhorar a governança da zona euro. E acrescentou – ele e a Merkel é que são os patrões, pelo menos, é isso que ele acredita - : a chanceler Ângela e eu próprio concordámos que era preciso avançar com muita ambição e voluntarismo nas próximas semanas para um novo modelo de governança económica da zona euro.

Mais palavra, menos palavra, foi isso o que o homem disse, explicou que a nossa (deles, casal franco-alemão) ambição é aproveitar a crise grega para fazer um salto qualitativo na governança da zona euro.

Federalismo, moeda única, ditadura única, preparemo-nos!

Saudades dos Filipes espanhóis!

Outros personagens desta tragi-comédia em que se brincam com milhares de milhões, também se mostraram muito satisfeitos.


O Trichet do Banco Central Europeu, que, antes da cimeira, era contra a participação dos privados, saudou a solução encontrada para ajudar a Grécia.


O FMI e a sua nova dirigente, a Christine Lagarde, que Deus a guarde, anunciou que também vai participar no novo plano de ajuda à Grécia.


A banca subiu na bolsa.


Os transportes vão aumentar 15%.


Novas medidas de austeridade estão anunciadas, não se sabe bem quais nem exactamente para quando, mas é questão de semanas, antes do fim do Verão, a limpeza estará completa.


As decisões da cimeira da troika europeia de hoje, 21 de Julho do ano da desgraça de 2011, talvez fiquem na história. Quem sou eu para fazer juízos pré-históricos.


Porém, no imediato, não vejo o que é que tudo isso vai mudar aqui para estes lados do Atlântico ocidental periférico europeu.


Talvez esteja muito simplesmente a ver um daqueles filmes americanos de ficção com muitos efeitos especiais numa galáxia distante, com extra-terrestres que se divertem, que decidem isto e aquilo, faço zapping, olho à volta e continua tudo na mesma.


Talvez consigamos sobreviver. Alá é grande!


Valham-nos a metafísica e as transcendências das longas durações. Daqui a cinquenta anos, tudo isto será muito mais claro. Tarde demais.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

A SUL, NADA DE NOVO


Está marcada para quinta-feira, 21 de Julho, uma cimeira extraordinária dos responsáveis dos governos da união europeia.


O simpático presidente belga da união europeia tinha anunciado esta reunião para a passada 6ª feira, mas a chanceler Merkel prontamente mandou desmarcar. Quem manda, manda.


Não é difícil imaginar o que vão ser os resultados da dita cimeira.
Eles estão anunciados há muito tempo.


A união entre aspas europeia está sob a alçada da hegemonia germânica, nem toda a gente sabe ou aceita isso, mas essa é a realidade, haverá volta a dar? Há, há, mas quem é que toma a iniciativa? A Grécia, a Irlanda, Portugal, a Itália, a Espanha, cada um por si, ou todos juntos? E quem é que toma a iniciativa, os governos colaboracionistas ou os povos inconformistas e indignados?


O puzzle de tudo o que está acontecer neste ano da desgraça de 2011 é muito complexo, nem tudo é preto, nem tudo é branco. Há sintomas de que dentro da própria Alemanha muita coisa está em aberto. A conspiração do capital alemão de tendências imperialistas tem adversários internos.


Helmut Kohl não é um político qualquer, é um personagem histórico cuja visão e coragem deixaram merecida marca. Na história da Alemanha pós-nazi ninguém foi tão longe quanto ele na aproximação a uma Europa próspera e de paz.


Recebeu da união europeia o apoio à sua vontade de reunificar a Alemanha. A Alemanha foi reunificada pela sua vontade, mas sem esse apoio europeu a reunificação teria sido um completo fiasco.


Talvez porque quisesse demonstrar as boas razões da sua insistência em integrar a antiga Alemanha estalinista na Alemanha e na Europa, Kohl promoveu Angela Merkel e fez dela chanceler.


Parece que ontem deu sinais de estar arrependido, mas a questão não é essa.


Eu acredito que na Alemanha existe uma fractura entre aquilo que é o tradicional sector perigosamente fascista da Deustschland über alles e o sector mais identificado e mais preocupado com os valores de uma Europa de paz e de valores universais e de fraternidade e de solidariedade. Mas não sou alemão nem vivo na Alemanha, limito-me a ver os sinais que de lá chegam.


A aparente dissociação do Kohl em relação à sua protegida Merkel é um sinal significativo da fractura inter-germânica que poderá trazer eventuais repercussões positivas sobre a crise europeia e o futuro da Europa.


Gostava de saber o que é que o Joschka Fischer, antigo ministro dos estrangeiros e vice-chanceler do Gerhard Schroder pensa sobre tudo isto. Mas alguém terá criado um manto de silêncio à sua volta ou então, não sei. Fischer sempre foi um genuíno defensor duma Europa solidária, sem hegemonias e sem patrões.


Os nossos jornais deviam dar mais atenção às vozes discordantes dentro do mundo germânico. Talvez seja por preguiça que não o fazem, o pessoal entra às 10, sai às 5, não está para se chatear, fecha o jornal, vai para casa.


Li, entretanto, uma notícia da Lusa, ora aí está, as agências continuam a ter a utilidade de disfarçar a preguiça e incompetência dos jornais, alguém da agência se deu ao trabalho de ler uma entrevista de um responsável alemão do misterioso Fundo Europeu de Estabilização Europeia (FEEF), fundo sobre o qual muito se tem escrito, mas não o suficiente para se perceber para que é que essa coisa vai servir, até agora não serviu para nada.


Em entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, o presidente do FEEF afirmou preto no branco que “Até hoje, só houve ganhos para os alemães, porque recebemos (eles, alemães) juros acima dos refinanciamentos que fizemos e a diferença reverte a favor do orçamento alemão.”


O que este senhor afirmou não é novidade, o que é novidade é que um importante jornal alemão resolva dar voz a um distinto responsável alemão por um fundo europeu, fundo que é suposto prestar socorro aos países periféricos europeus atirados para o caixote do lixo pelas agências de rating, as quais são manipuladas pelos banqueiros alemães. É novidade assinalável que este distinto responsável alemão e europeu tenha a coragem de vir dizer aos alemães, vocês estão a fazer enormes lucros com a crise do euro periférico dos países atirados às feras.


Alguém da Deutscland über alles terá lido com atenção estas palavras do distinto compatriota?


Já aqui foi explicado que, sobre o euro e a união europeia, paira um clima de guerra.


Como em todas guerras, tem que se considerar que existem duas frentes.


A frente invasora está bem organizada, é o exército comandado pelo capitalismo alemão, com os seus funcionários políticos chefiados pela chanceler Merkel, com os seus aliados nórdicos, holandeses, finlandeses, dinamarqueses, suecos, noruegueses.
Estamos perante uma espécie de remake da guerra de secessão americana, norte contra sul.


Só que, a sul, não há chefes, não há estratégia, não há exército. Os políticos desta frente, limitam-se afirmar todos os dias Portugal não é a Grécia, a Espanha não é Portugal, a Itália nem é a Grécia, nem é Portugal, nem é a Espanha.


A França também começa a dizer que não é nenhum desses países, talvez por causa do seu irreprimível fascínio pelo presidente Obama, que há poucos dias veio solenemente garantir que os USA não eram nem a Grécia nem Portugal.


O problema do sul da Europa não é apenas o de não ter aliados dentro da dita “união” europeia.


O problema meridional é ter os políticos que tem.
Políticos sem qualquer peso, sem qualquer estratégia, sem qualquer poder de influência.
Políticos ridículos e amadores. E vou deixar de fora os corruptos.


Gostava de perceber se o doutor Cavaco anda a ouvir vozes, como a Joana d’Arc. Será que Deus lhe segredou ao ouvido que a solução da crise europeia é simples, basta desvalorizar o euro?


Doutor Cavaco, acha que a Alemanha vai aceitar uma moeda mais fraca do que o dólar? A Alemanha está a ganhar todo o dinheiro que lhe apetece, graças, entre outras coisas, ao euro que têm, o euro que é deles.


Desse poder não vão abdicar na próxima reunião de emergência de quinta-feira. Obviamente não vão desvalorizar a moeda dita “única”, nem vão prescindir da sua exigência de meterem os privados no rateio das dívidas soberanas dos países do sul da Europa, todos, incluindo a França.


Doutor Cavaco, recolha-se à sua insignificância e inutilidade. É triste, mas a sua capacidade para representar um país, que está a ser espoliado pelas maquinações dos poderes financeiros que mandam na Europa, não vai além de dar palpites parvos e patéticos para aparecer nos telejornais.


A sul, nada de novo.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

PRIVATIZAÇÕES, IMPOSTOS E LIBERALISMO


A notícia do dia de hoje, 14 juillet, dia da tomada da Bastilha, foi a conferência de imprensa do novo ministro das finanças.

Devo admitir que, no seu papel de ministro plenipotenciário mandatado pela troika, o homem esteve bem. Diria mais, comparado com os seus antecessores e o que nos resta da memória de todos eles, este novo ministro faz parecer esses esquecidos personagens como uma espécie de merceeiros no fazer as contas e no raciocinar, sem desprimor para os ditos merceeiros, gente laboriosa e muito útil.


O ministro inaugurou um novo estilo, é pausado, pesa bem as palavras, é arguto, é prudente, transmite confiança e seriedade. Para ministro das finanças neo-liberal dum país à beira da bancarrota, what else?


Mas, não fiquemos pelo estilo e perguntemos onde é que está a coerência política entre este ministro e o seu discurso neo-liberal?


Nos USA há neste momento uma guerra política que opõe duas Américas, a democrata ou de esquerda e a republicana ou de direita.


Esta guerra faz-me pensar numa outra que também opôs republicanos e democratas americanos, foi na grande depressão do final dos anos 20, princípio dos anos 30.


Houve o crash de Wall Street, houve os quilómetros de pessoas na fila por um prato de sopa, foi a grande depressão. O presidente republicano Hoover, em nome da ortodoxia liberal fundadora dos USA recusou-se a intervir, ao Estado o que é do Estado, aos privados a livre iniciativa e os mercados. E o país afundou-se.


Veio felizmente o democrata Roosevelt com o New Deal, um ambicioso programa político de intervenção social e económico que salvou a América da recessão. A América e não só, porque já nessa altura, as recessões num país rico podiam provocar recessões em cadeia.


Quando agora vejo o Obama na televisão rodeado pelos chacais republicanos neo-liberais que apenas juram pela livre iniciativa, pelos mercados e contra os impostos não penso apenas nas consequências que essa guerra poderá ter em relação às economias fora da América e principalmente as dos países mais vulneráveis, entre os quais está Portugal.


Penso no Herbert Hoover e nas responsabilidades que o fundamentalismo liberal teve na grande recessão de há oitenta anos. Penso também nas contradições do neo-liberal Vítor Gaspar e do governo do qual é a peça-chave.


O homem é um adversário de respeito e quem não reconhecer isso arrisca-se a muito más surpresas.


É forte e isso ficou à vista na conferência de imprensa. Que eu saiba, nenhum jornalista o colocou perante a contradição básica, e no entanto ela salta aos olhos, a contradição inerente à sua prática de ministro cujo pensamento é neo-liberal.


Um verdadeiro político neo-liberal, estou a falar de alguém que seja coerente com as suas convicções ideológicas, - sublinho a palavra ideologias, porque entendo que, tal como o comunismo, o neo-liberalismo é uma ideologia – dizia eu, para estar de acordo com a ideologia, o ministro Vítor Gaspar não devia aumentar impostos. Pelo contrário, impunha-se que tratasse, na primeira ocasião, de os baixar. Chamo a isso coerência política, coisa cada vez mais rara e fora de moda.


Ora, ninguém confrontou o sr. Ministro com o desvio entre a sua ideologia e a sua prática governativa.


E a ocasião estava ali à mão. Sobre o que é que o ministro discorreu na dita conferência? Sobre duas coisas.


Sobre um novo imposto que atinge os assalariados, os reformados e os precários, ou seja o essencial das forças produtivas ou que já o foram.


É o imposto do pai natal, e a injustiça e a desonestidade dum tal imposto são óbvias. Um governo que, antes de o ser, sempre disse que não aumentaria os impostos e a primeira coisa que decidiu foi punir, castigar desalmadamente quem trabalha e vive com mais de 500 euros. Um governo que, na sua fúria castigadora, poupou o lote dos privilegiados que se entretêm livremente a acumular fortuna.


Falou também das privatizações.


O corte no subsídio do natal vai ser aplicado apenas em 2011, é o que o governo promete, mas os governos falam, falam e depois, enfim, quem é que pode acreditar piamente, confiadamente nas suas palavras?


Mas, sobre as privatizações, parece não haver grandes dúvidas, eles vão privatizar rápido e em força, foi o que o Salazar fez quando mobilizou as tropas para as guerras coloniais no início dos anos 60.


A questão das privatizações é uma história muito mais séria do que o imposto do pai natal.


Basta olhar para a lista das empresas a privatizar, para perceber a gravidade do que se vai passar.
À vista desarmada, descobre-se que a lista foi pensada como uma espécie de apelo ao saque, estou a falar de saque de piratas.


São oferecidas, aos futuros piratas, empresas que são as últimas “jóias da coroa” teoricamente vocacionadas para assegurar serviços públicos. Empresas, cuja importância crucial não deriva apenas do facto de estarem ao serviço dos cidadãos em geral. Elas são elementos essenciais da independência nacional.


Não gostam da expressão, eu faço questão, é que não há liberdade sem independência nacional.


Sei que já nos resta pouco dessa independência, mas agora, no espaço de poucos meses ou semanas, não conheço o calendário, sei que esse pessoal do governo com o ministro das finanças à frente estão todos com muita pressa, eles vão fazer passar para as mãos do capital privado, estrangeiro ou não – essa distinção não interessa muito, porque nós já sabemos de que casa gasta o capital dito nacional - , a ANA dos aeroportos, a TAP, a Galp, a EDP, as Águas de Portugal, a REN, os CTT, a CP Carga e o ramo segurador da CGD.


Resumindo e concluindo, o Governo, de que o doutor Vítor Gaspar é ministro das finanças, vai pôr a leilão e vender pelo preço da uva mijona as empresas estratégicas nacionais que nos restam. Estratégicas, sim. Haverá coisas mais estratégicas do que a água, a energia, o ar e os transportes e comunicações?


Mas o aspecto estratégico não é o critério decisivo do negócio.


Se essas empresas fossem deficitárias, se dessem prejuízo, o governo, por mais neo-liberal que seja, nunca as poria à venda. Só vai privatizar as que vão dar lucro aos privados, é a velha história de amor entre governantes e capitalistas. Esse amor eterno, esse sim, é o critério decisivo, o critério digno da ideologia neo-liberal.


Estes senhores que agora mandam em nós são coerentes na oferta de chorudos negócios a preço de saldo, oferecidos ao capital internacional, mas não são neo-liberais quando se trata de impostos. Privatizam por um lado, aumentam impostos por outro, ninguém é perfeito.


Parêntessis: esta frase faz-me pensar no filme de Billy Wilder Someone like it hot (1959).


Escapa-me, porém, por que é que o governo Passos Coelho insiste em privatizar a RTP. É que a RTP não dá lucro.


Aliás, os patrões das televisões privadas não estão nada contentes e percebe-se porquê.


Um novo canal privado só vai aumentar a concorrência.


Ora, os capitalistas da nossa praça, que passam a vida a mandar vir contra o Estado, mas que não podem passar sem ele, que dependem das chamadas parcerias público-privadas e de outros negócios mafiosos, esses capitalistas, que não vão pagar o imposto do pai natal, entram em pânico quando aparece um novo concorrente no mercado e, então, desatam aos berros.


Não é verdade, Dr. Balsemão, que vai começar a berrar contra o governo do partido de que é o distinto fundador nº1?


Para chatear esses nossos tremendos e nefastos capitalistas, privatizem então a RTP.


E já agora, privatizem também a Carris, os Metros de Lisboa e do Porto, a Refer. Privatizem a CP toda e não apenas a CP carga que é a única que dá lucro.


Não são coerentes no que toca aos impostos, ao menos, sejam coerentes em relação às privatizações. Vá lá, livrem-nos de tudo o que o nos dá despesa e prejuízo, livrem-nos do que não é rentável.



O povo que paga impostos, a legião dos que ganham quinhentos euros ou pouco mais, ou ainda menos, o povo dos falsos recibos verdes, o povo dos desempregados, o povo que paga tudo, o povo que tem as costas largas provavelmente humildemente agradecerá.


Um povo de brandos costumes agradece tudo.





sábado, 9 de julho de 2011

MARIA JOSÉ



Falou-se, escreveu-se muito sobre Maria José Nogueira Pinto.


Não vou acrescentar nada ao que já foi acrescentado.


Raramente estive de acordo com as suas opiniões, estou-me a referir ao fundo, à filosofia, à ideologia, ao seu sistema de pensamento, às causas políticas que defendia. Quem sou eu para estar a fazer comparações.


Há duas, três semanas, vi-a na SIC Notícias e percebi, fiquei chocado. A alma, o espírito, mesmo aquela extraordinária ironia, a ironia demolidora que sorria enquanto articulava o seu discurso, ainda vi alguns sinais da mulher que me tinha habituado a admirar. Mas percebi que provavelmente não voltaria a tê-la ali no ecrã da minha casa.


Neste país de faz de conta, de arrivistas, de políticos de plástico, de gente pouco ou nada séria, Maria José Nogueira Pinto era um caso completamente à parte, não tinha a ver com esse universo.

Não era a vontade de poder que a movia, o que a movia era muito mais intemporal e digno de admiração, era o poder da inteligência e o sentimento de solidariedade com outros humanos.


Tinha uma forte consciência nacional sem o ridículo e perigoso nacionalismo patrioteiro de outros tempos. Há muito tempo, que isso está fora de moda, à direita e à esquerda, estamos atrelados à carroça da CEE, vivemos num país sem alma.


Maria José Nogueira Pinto manteve-se firme, coerente, lúcida e convicta até ao fim da sua vida prematuramente interrompida.


Criou-se um enorme vazio. É uma história muito triste, porém, a marca que esta mulher nos deixa é extraordinária. Ela fica na minha memória e agradeço-lhe por tudo o que fez por mim e pelo meu país.


Vou ter saudades da Maria José e do país que estava na sua cabeça. Ambos me vão fazer muita falta.



sexta-feira, 8 de julho de 2011

CAPITALISMO TÓXICO


Alguma gente, que tem andado muito caladinha, começou ontem a falar contra as agências de rating. Como de costume, acordaram tarde e a más horas, isso não me admira. As elites da nossa praça é gente sem convicções, limitam-se a defender os seus interessezinhos, abrem a boca apenas quando levam um murro no estômago.


Agora resolveram mandar vir contra as agências de rating e contra a passividade da união europeia, enchem o peito com ar de querer parecer gente de coragem.


Banqueiros que têm que refilar em causa própria, não têm outro remédio, políticos da direita, da esquerda e do governo sempre a reboque dos acontecimentos e das suas vaidades e mediocridade. Gente que tem utilizado o país a seu belo prazer, gente que tem mentido, gente que tem roubado.


Gente que não se deu ao trabalho de alertar o país acerca dos meandros, das teias e da conspiração dos sectores dominantes do capitalismo financeiro europeu que querem tomar conta da união europeia.


Gente que se recusa, e que considera essa simples hipótese como um pecado capital, discutir a pertença de Portugal à União Europeia e/ou ao euro, a fatídica moeda única.


De repente, como se tivessem sido iluminados pelo Altíssimo, estes senhores descobriram o lobo mau.


Como se diz, vozes de burro não chegam aos céus e para se perceber a engrenagem diabólica que armou a armadilha, passe o pleonasmo, em que caiu o periférico país que somos, para se perceber os meandros da estratégia da aranha que vai ser mortal para as democracias europeias, para se perceber os compassos de tudo isto, o caso que merece reflexão, reflexão urgente, esforcem-se, é a intervenção do sr. Wolfgang Schäuble, ministro alemão das finanças.


Não se trata de mais um ministro, a gente vê-os desfilar, são muitos, andam por aí aos montes. É que o sr. Schäuble é amigo e camarada dos bancos alemães, é o ministro que tutela as finanças da Alemanha que, por sua vez, é o país patrão dos países da união europeia e patrão de muitos comanditários.


Este mais que poderoso ministro deu-se ao luxo de criticar esta quarta-feira a decisão da agência de rating norte americana Moody's que desclassificou Portugal para o nível supremamente inferior abaixo do qual deixa de haver qualquer nível. Os senhores da Moody's, os mesmos que recomendavam os títulos tóxicos do Lehman Brothers, mandaram-nos agora para o lixo. Lixados, what else?


«Estamos tão surpreendidos com a decisão dessa agência de rating como todos os outros, não compreendo o que está na base dessa avaliação», disse o sr. Schäuble, em conferência de imprensa.



O ministro ficou surpreendido e eu fico surpreendido com o facto de ele estar surpreendido. E fico surpreendido porquê?



Faz parte, desde pelo menos os tempos do Príncipe de Maquiavel que a principal qualidade dum político é que nunca seja apanhado nas teias de surpresas imprevistas. Não estou a citar, mas a ideia é essa, quem manda, quem tem poder só consegue guardar esse poder se não for surpreendido por coisas, factos, acontecimentos imprevistos. Político que é político sabe prever o que se vai passar amanhã, depois de amanhã e no próximo século. Se não sabe, se não tem o dom da presciência e se quer ter algum sucesso na vida, o melhor que tem a fazer é ir roubar para a estrada, por outras palavras, procurar um lugar num conselho de administração e tratar da vidinha.



Gozar das sinecuras de conselho de administração estilo Lusoponte isso não é tarefa de político. É que ser político, fazer política é coisa séria. Em Portugal não é coisa séria, como se sabe, isso está mais que comprovado. Mas na Alemanha não se brinca com essas coisas.



Sendo um político alemão de alto gabarito, o senhor Schäuble é certamente um político a sério, pelo que logicamente fico surpreendido quando ele vem afirmar que ficou surpreendido com a decisão desses empregados do capital financeiro tóxico conhecidos por agência Moody’s.



Tenho para mim que o sr. ministro alemão teve antecipadamente, e atrevo-me até a supor que estará talvez na origem, da decisão desses empregados.



E digo ao sr. ministro alemão, mando-lhe daqui deste lugar periférico à beira do Tejo donde partiram as caravelas, a seguinte mensagem.



A Alemanha dos grandes interesses financeiros e especulativos engajou-se num extraordinariamente perigoso jogo especulativo. Essa Alemanha conspira contra a democracia, conspira contra a Europa, conspira contra a paz. Essa Alemanha faz o jogo da ditadura do capitalismo tóxico e dos seus homens de mão. Ontem foi a Moody’s, amanhã ou depois de amanhã vão ser a Fitch, a Standard & Poor’s e a DBRS. Daqui a um, seis ou doze meses, vão ser os coronéis, os generais e os sargentos.



Jogo especulativo extraordinariamente perigoso que põe em confronto de carácter bélico, e isso é cada vez mais claro, os povos do norte da Europa contra os povos do sul. Os do norte, embalados pela sua fugaz prosperidade, cujo vértice cíclico pode estar no fim, e que, entrincheirados nos seus opulentos preconceitos anti-meridionais, desprezam e condenam os povos meridionais preguiçosos, corruptos e burros, raça inferior. Não querem, do alto da sua egoísta e suicidária arrogância, pagar a crise dos países do sul, países explorados pelos bancos e pelas multinacionais alemãs e outras Nokias.



Este confronto belicista justificado pela pretensa superioridade moral, civilizacional e rácica do norte da Europa tem que ser desmistificado.



Não fiquemos, pois, pela espuma das coisas.



O assunto das agências de rating, nada disto tem a ver com um ataque americano contra o euro.



A América entrou no ciclo da decadência dos impérios. A América precisa de exportar, o principal credor externo da América é a China, seu adversário número um, a América precisa de exportar, a América agradece o euro forte.



As agências especulativas norte-americanas apenas estão a fazer o seu trabalho, é um trabalho de porcos, sem desprimor para os ditos animais. Elas são criação do capitalismo financeiro que se alimenta de falcatruas, de engenharias virtuais, de falsas promessas e de vigarices. As agências de rating americanas são filhas desta nova cultura do capitalismo financeiro tóxico e trabalham para quem lhes pagar melhor.


Serão pagas nesse dito trabalho de porcos pelo governo americano? Nenhum indício racional e credível aponta nesse sentido.



In questo momento, l’America è tropo lontana. I Tedeschi sono tropo vicini.



O lixo tóxico atirado pelas agências de rating contra os países periféricos do sul da Europa não desresponsabiliza nem cada um dos países atingidos (Grécia, Portugal) ou a atingir (Itália, Espanha), nem os países que estão por detrás desse ataque (identifiquem-se).



Ao contrário do que li hoje, 7 de Julho, no Público, não é verdade que a partir de agora “já não é nada connosco”. Bem pelo contrário, tudo o que se está a passar, tudo o que vai acontecer nos tempos dramáticos que estão à nossa frente tem a ver connosco.



Não nos deixemos intoxicar pelos conspiradores do fascismo financeiro que quer sufocar as democracias da Europa.



Não fiquemos à espera dum Messias enviado por Bruxelas.



A união europeia não é, nunca foi nem, nunca será a Terra Prometida.



Contemos apenas connosco próprios. Em época de globalização essa é a lei, tudo o resto são contos do vigário.