PEDALAR É PRECISO!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

FERIADOS E LITURGIAS DE SUBMISSÃO


Esta história dos feriados que o governo quer abolir é uma triste história. Triste história dum país cada vez mais triste.


Temos um governo de direita dura, direita duramente neo-liberal. Há muitos governos desses por aí, por essa Europa à deriva e à beira do abismo do default.


Ainda hoje uma das célebres agências de salteadores internacionalmente reconhecidas e receadas, a Moody’s, veio anunciar que o tal de default, falência, bancarrota, falta de dinheiro é o que quer dizer a palavra inglesa, o tal default ameaçava toda a zona euro, incluindo obviamente a Deutschland über alles.


A Moody´s não mencionou explicitamente os outros 10 países europeus da ex-CEE. Esqueceu-os, mas não devia esquecer, porque esses países estão todos na bicha (passe a palavra) do tal de default. Como por exemplo, a Inglaterra e a Hungria, já para não falar da Roménia e da Bulgária, mas estes são países onde 99% da população há muitos anos vive na miséria do default, ou seja, gente que não tem que comer. Adelante.


Temos então o nosso democrático governo de direita, fidelíssimo governo de sua majestade frau Merkel, ela diz mata-se, o Coelho diz esfola-se (credo, sr. Coelho, que raio de ideia!). A sra. Merkel é contra os eurobonds, o sr. Coelho acrescenta: abaixo essa perigosa heresia! A sra. Merkel bate com o punho na mesa, o BCE apenas tem que se preocupar com a inflação e a estabilidade dos preços, o sr. Passos aplaude desmedido e eufórico.


A CGTP e a UGT organizam a greve geral, muito povo segue, muito povo luta e até alguns vêm para a rua, o sr. Coelho não fica nada preocupado, sente que tem o dever cumprido, é um bom aluno mais merkelista e troikista do que os seus patronos.


Mas tudo isto, esta história da euro-zona, da UE, está tudo a ir na enxurrada duma tempestade tsunâmica que ninguém já consegue evitar, nem o Obama, nem a Merkel, nem o Monti, nem o fantasma do Mao Tse Tung. E nada do que se passa aqui neste Portugal à beira do mar da palha e do fado património “mundial”, nada é relevante, tudo o que vier a acontecer vai acontecer vindo de fora. Vai vir de onde? Sabe-se lá? Do Olimpo dos deuses do rating, da especulação, da ladroagem, aceitam-se apostas.


Quantos viverão para contar tal história só digna de Ulisses e de Homero?


O primeiro-ministro português impõs o seu orçamento made by the troika, discutiu-se, mas só se falou dos cortes dos subsídios de natal e de férias, falou-se dos cortes contra os quais o novo líder do povo da esquerda popular e democrática PS concentrou os seus esforços tácticos de político que quer sobreviver.


Mas não se falou do resto, dos cortes na educação, na saúde, na cultura, nos transportes públicos and so on e principalmente esqueceu-se o mais importante: por que hão-de ser os reformados e os baixos salários a pagar a crise?


Trabalham ou trabalharam pouco, trabalham ou trabalharam mal e, por isso, têm que ser castigados?


A classe dominante tem todos os poderes, não apenas o de ter muito dinheiro e muito poder sobre o dinheiro, sobre os empregos, sobre os benefícios, sobre os tachos, sobre os subsídios, sobre as derrogações aos planos municipais para favorecer os amigos que querem construir um pequeno empreendimento turístico em zona ambiental protegida.


Têm esses e muitos outros poderes, mas de todos o mais criminoso é o que consiste em conseguir convencer, através das suas televisões e outros mass media, aqueles que são a maioria da população, aqueles pobres desgraçados, que trabalharam uma vida inteira, que mal ganhavam ou mal ganham para se sustentarem a si próprios e à sua família, conseguir convencê-los que eles não trabalham ou não trabalharam o suficiente.


Convencê-los que eles são os responsáveis do “empobrecimento” de que nos fala com voz meiga o sr. Coelho primeiro-ministro, e que, assim sendo, têm que se esforçar e que se sacrificar muito mais.


Que poder o dessa gente que apenas tem sabido roubar e explorar, o poder de serem capazes de conseguir que os desgraçados que exploraram e que continuam a explorar se deixem convencer e assumir que têm a obrigação de aguentar e de se sacrificarem mais ainda. Tenho assistido a exemplos disso na televisão. Grau máximo da ignomínia.


Têm que trabalhar mais tempo, é isso, têm que se sacrificar muito mais, Deus é grande!


Mais meia-hora diária, talvez uma ou duas horas daqui a uns meses, o patrão agradece, obrigado sr. Coelho!


Trabalhar mais dias por ano, ter menos feriados, menos pontes.


Acabe-se, pois, com os feriados.


Triste história, diria triste fado, este dos feriados.


Vivemos num estado laico, mas é um estado laico com muitas excepções vaticânicas.


Nas cerimónias oficiais, lá temos quase sempre numa mesinha ao lado mas em cima do palco o sr. Bispo da diocese ou o sr. Cardeal. Tudo como no tempo do dr. Salazar.


Dos mesmos tempos, herdámos o Dia do Corpo de Deus – alguém sabe o que é que isso quer dizer? – e o dia da Nossa Senhora da Assunção (15 de Agosto). Nesse dia de ferragosto, pico do Verão, o povo fica a olhar para o céu tentando vislumbrar o foguetão que leva os anjos que seguram a Nossa Senhora em direcção ao céu. Valha-nos a Virgem Santíssima!


Nunca percebi por que razão é que em vez deste dia 15 de Agosto, não se celebrava o dia anterior, 14 de Agosto, aniversário da grande batalha de Aljubarrota, que selou para sempre o destino de Portugal.


Em Dezembro temos mais um feriado religioso, em que se comemora a mesma senhora santa da dita assunção.


Mas nesta data, a santa senhora chama-se Senhora da Conceição. Conceição, concepção, nunca percebi como é que a mãe de Jesus Cristo conseguiu ficar grávida no dia 8 de Dezembro e dar à luz passadas pouco menos de duas semanas. O Papa é infalível, deve ter uma resposta.


A esta lista de feriados religiosos acrescem ainda a sexta-feira santa e a Páscoa (mas este é um feriado que calha sempre ao domingo), o dia de Natal e o 1º de Janeiro que também é um feriado religioso, dia da paz ou coisa parecida.


Todo este calendário de feriados religiosos já vem muito de trás. Não tenho nada contra, nada contra o direito à preguiça, como diria o ilustre Paul Lafargue, ilustre genro do ilustre Karl Marx.


Mas, se querem acabar com os feriados e castigar o desgraçado povo que trabalha todos os dias úteis do anos, castigá-lo com a sem esperança de um pequeno feriado de tempos a tempos, então acabem com todos os feriados religiosos. Deixem-nos apenas o Natal, pois, além de feriado religioso, é um dia feriado que alimenta muitos empregos.


Mas, atenção srs. vassalos da Frau Merkel, não toquem nos feriados civis. Pequena excepção: porque se trata de um feriado concebido para que a nomenklatura que nos explora se possa pavonear em nome da nação que eles desprezam, não tenho nada contra que acabem com o 10 de Junho, dia da raça, Cavaco dixit, dia de Camões e de mais não sei o quê.


Nos tempos que correm, tempos de abismo euro-europeu, com as fronteiras que de novo de vão fechar e de nacionalismos à solta, não nos retirem os símbolos da nossa independência e da nossa identidade, não toquem no 25 de Abril nem no 1º de Maio. E, em homenagem à República laica de 1910 deixem em paz o 5 de Outubro.


Quanto ao 1º de Dezembro, dia da restauração, mais do que nunca se impõe que se mantenha esse símbolo da nossa sofrida história, para que continuemos independentes e orgulhosos da nossa soberania.


Se querem ir mais longe na memória do país mais antigo da Europa, então substituam o 1º de Dezembro pelo dia 6 de Abril, dia que evoca o ano de 1385, quando o povo português, contra as pretensões do rei de Castela, proclamou nas Cortes de Coimbra o Mestre de Avis como Rei de Portugal e dos Algarves.


A história deste antigo país recordar-vos-á, sr. Coelho e apaniguados, em três linhas de nota de pé de página. Resta-me, pelo menos, essa consolação.





quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“NOVO RUMO” OU “RUMO À VITÓRIA”?


A política de esquerda à portuguesa, além de cansativa e demasiado previsível, parece-se cada vez mais com um recreio de escola, com os miúdos a brincarem e a agredirem-se uns aos outros, é verdade que dali não vem mal ao mundo, na pior das hipóteses, vai ficar tudo na mesma.


A esquerda portuguesa, essa é a tradição, está cheia de boas intenções e de ideias gerais generosas. Com alguma frequência e ritmo ao jeito de um baile bem ordenado, lá vão aparecendo os eventos, como agora se diz, em que a dita esquerda manda mensagens supostamente dirigidas ao povo.


Não me estou a referir às procissões que desfilam aprumadas e gloriosas pela avenida da Liberdade abaixo. Gloriosa avenida da gloriosa liberdade!


Procissões sindicais, na maior parte das vezes, procissões partidárias exclusivas do PCP pois nenhum outro partido tem capacidade para se aventurar por um espaço tão largo e interminável.


Procissões de professores ou de indignados cuja metafísica política nos deixa frustrados, porque não sabemos afinal quais são as causas que levam esta gente a vir para a rua atrapalhar o trânsito?


Estou a pensar numa simples folha A4, um daqueles espaços em branco que acabam por ser preenchidos por alguma mente de esquerda subitamente inspirada por uma ideia genial, agora é que vai ser. Gente inspirada, não diria pelo espírito santo, mas suficientemente motivada e disponível para reunir um pequeno grupo de apaniguados, de compinchas decididos a agitar as massas para as grandes tarefas urgentes e inadiáveis.


Tivemos hoje o último exemplo, muito interessante, desta vocação e destino do activismo português de esquerda em prol das grandes causas. O apelo dado à estampa na comunicação social de hoje, designado de Novo Rumo começa por ser um documento sociológico. É encabeçado por Mário Soares e é subscrito por alguns ilustres uns mais desconhecidos que conhecidos, tanto quanto percebi, tudo gente da área socialista, ou seja, afecta ao grande partido socrático da esquerda popular e democrática.


Como qualquer documento político que se apresente como apelo às massas, o tal de Novo Rumo tem ditos e não-ditos.


Imagino a sua factura como o resultado de uma espécie de recreio inter-geracional, com miúdos acabados de sair da faculdade e que esperam tornar-se pessoas importantes altamente consideradas, secundados por gente já mais madura e bem instalada mas que continua a cultivar o hobby de uma sociedade melhor, tudo gente tutelada por alguns seniores sobreviventes e teimosos, senadores que não desistiram de se mostrar, de dar a sua opinião. Com plenos direitos de cidadania, quem é que vai contestar isso.



Além do carácter de óbvio exercício de divertimento recreativo, o documento é uma espécie de pot pourri dirigido às crianças pagãs que frequentam aulas de catequese. Não se auguram muitas conversões à verdade e fé teológicas que são propagandeadas.


“Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira…” proclamam os autores. Olhe que não, Dr. Mário Soares, olhe que não! Como é que vamos deixar de ser impávidos? Tem alguma solução miraculosa contra a impavidez? Olhos os olhos, diga-me lá, o que é que vai fazer para encerrar tal espectáculo? Aviões em zona de exclusão aérea?


Percebi que o que preocupa os autores do apelo é principalmente que tal anarquia coloque “em causa a sobrevivência da União Europeia”. Criticam a dita união por ter acordado “tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada”.


Tais preocupações são-me totalmente indiferentes, estou-me completa e definitivamente nas tintas quanto ao eventual futuro da união soviética europeia. As razões de tal indiferença já aqui foram explicadas, porventura com demasiada insistência.


Ò Dr. Soares, wake up! Dos políticos europeus no activo. V. Exa. é um dos últimos que teve a oportunidade de frequentar e de conhecer, diria eu intimamente, alguns dos principais líderes europeus.


Então, Dr. Mário Soares ainda não percebeu que esta história da crise das dívidas soberanas europeias que tem servido para justificar o cerco político-financeiro aos chamados países periféricos da Europa, tudo isso não passa afinal dum complot da frau Merkel e dos seus apaniguados germano-capitalistas para levar avante o velho sonho germânico para dominar a Europa e, através da Europa, o Mundo? Ainda não percebeu isso ou anda a dormir?


Novo Rumo ou Rumo à Vitória?


Em Abril de 1964, Álvaro Cunhal escreveu para o Comité Central do PCP, o Rumo à Vitória. Dez anos antes do 25 de Abril.


Talvez o Dr. Soares, que foi compagnon de route do dr. Cunhal ganhasse alguma coisa em reler agora este texto cunhalista. Porque isso de rumo, isso é uma palavra um bocado messiânica. Indiscutivelmente era messiânica na mente do líder comunista, acabado de sair da fortaleza de Peniche.


E messiânica continua a ser porque é provavelmente o texto que melhor suporta a originalidade ideológica e política da militância PCP. Uma espécie de bíblia de prosélitos.


Messiânica porque apelava os mais crentes e os menos crentes à luta contra o fascismo.


Contra quem apela agora o Dr. Soares e seus acompanhantes? Contra o capitalismo, contra as agências de rating, contra a frau Merkel?


Leia, Dr. Soares, o Rumo à Vitória, ponha os seus jovens amigos a discutir as teses do Dr. Cunhal. O Dr. Cunhal era marxista-leninista, tinha muitas culpas no cartório. Mas tinha uma qualidade ímpar: o Dr. Cunhal não papagueava, não se limitava a dizer o que lhe vinha à cabeça, estudava, trabalhava muito.


O Dr. Álvaro Cunhal foi até aos dias de hoje o autor das análises mais certeiras acerca da sociedade portuguesa. Mas não se limitou a ser sociólogo, tirou daí consequências e conclusões nem sempre acertadas mas no essencial, em muitos casos, incontestáveis.


Relembremos algumas das coisas que, em 1964, Cunhal escreveu a propósito das consequências da adesão de Portugal à EFTA em 1960 e sobre a eventual adesão ao Mercado Comum (e aqui socorro-me da síntese do meu velho amigo XicoMelo):


— liquidação das pequenas e médias empresas, e cada vez maior domínio da economia nacional por um reduzido número de grandes grupos monopolistas;


— agravamento da exploração da classe operária, com a intensificação do trabalho, com o aumento do desemprego, com a diminuição dos salários reais;


— invasão do mercado interno por mercadorias estrangeiras com as quais as nossas indústrias não estão em condições de competir, com a consequente dependência de todo o nosso comércio externo;


— agravamento da crise da agricultura portuguesa, sujeita a medidas discriminatórias e de desfavor em relação aos produtos agrícolas, acentuando a dependência do comércio externo e piorando a situação económica geral;


— invasão renovada de capitais estrangeiros, interligando-se cada vez mais com o capital financeiro português, reforçando a dominação imperialista.


Tudo isto, claro, como sempre, em nome da concorrência e da competitividade!


Álvaro Cunhal advertia também sobre a eventual adesão ao Mercado Comum: não interessa a Portugal passar do domínio do imperialismo inglês no seio da EFTA para o domínio dos monopólios alemães-ocidentais e franceses no seio do Mercado Comum.


Dr. Mário Soares, o que está em questão não é a procura de “um novo paradigma para a UE”. A UE é chão cujas uvas foram parar principalmente aos bolsos dos ladrões e dos corruptos que afundaram Portugal.


Deixem-nos em paz, não nos chateiem, metam-se na vossa vidazinha de gente rica do norte sem sol e sem clima digno desse nome.


A União dita europeia é uma criminosa utopia ao serviço duma ditadura germânica liberticida e neo-colonialista.


Pode haver outra Europa? Pode, mas terá que ser uma Europa dos povos, sem burocratas, sem chanceleres.


Comecemos por um mercado comum dos países do sul, sem tratados de Maastrich, de Nice ou de Lisboa e sem Comissões de Bruxelas.


Um mercado comum com livre circulação de pessoas e de mercadorias, mas com tarifas aduaneiras e regulação financeira que nos protejam dos abutres europeus, asiáticos e americanos.


Uma união baseada no respeito democrático e que funcione na base da livre negociação e da imprescritível soberania de cada povo e nação europeias.


A velha esquerda não tem emenda, postas de pescada, grandes apelos às massas. Contra quem e a favor de quê?


Na praça Trahir, luta-se pela liberdade e pela democracia, contra os generais e os seus privilégios.


E em Portugal?


Temos amanhã o ritual de mais uma greve geral, vai dar em quê?


Esquerda sem emenda, cansativa e previsível.


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TROÏKAS


As palavras nunca são neutras. Ou têm história ou não têm, ou têm sucesso ou foram completamente esquecidas, ou são sinistras ou são ambíguas, ou são simpáticas, ou...


As palavras desafiam-nos porque mesmo quando nascem do acaso, elas podem atingir significados cuja importância ultrapassa origens porventura modestas.


Nestes infelizes dias de crise da dívida soberana, de austeridade, de cortes de salários, de aumento dos impostos, de desemprego e de miséria, todos os dias ouvimos falar de troïka. É uma palavra de desgraçado sucesso.


É uma palavra russa. Troïka (em russo :тройка) designava um trio de cavalos que puxava uma viatura ou um trenó sobre patins.


Este veículo cavalar apareceu por volta do séc. XVII na Rússia e servia de meio de locomoção no transporte de correio.


A palavra continuou a ser exclusivamente russa durante muito tempo, mas a partir da “grande”revolução leninista, saiu do reino dos cavalos e transitou para o mundo humano dos políticos.


Não foi uma transição pacífica. A palavra passou a ter uma conotação guerreira, significando guerra entre políticos que aparentemente se aliavam em vista dum objectivo comum, mas que de facto procuravam, cada um pelo seu lado, abater os aliados de ocasião.


A palavra troïka passou a designar uma aliança táctica entre três políticos concorrentes à tomada do mesmo poder em situações de vazio de poder.


O primeiro exemplo “moderno” de troïka política foi criação soviética aberta pela morte de Lenine. De facto, nesse processo de sucessão política não houve nada de novo a não ser a palavra russa. Ela veio substituir a palavra triunvirato dos romanos. O mais conhecido desses triunviratos foi a aliança para tomar o poder em Roma, após o assassinato de César, entre Marco António, Octávio e Lépido. É conhecido como é que este triunvirato acabou nas mãos de Octávio, o menos favorito dos triúnviros.


Com a revolução soviética, o significado da palavra troïka ultrapassou definitivamente a época dos correios postais, tornando-se uma forte referência da história russo-soviética, durante os períodos pós-leninista e pós-estalinista.


Em 1923, Léon Trotsky, presumível sucessor de Lenine, foi implacavelmente laminado pela troïka arquitectada por Estaline, composta por Zinoviev, Kamenev e o dito Estaline. Obviamente, pela lógica troïkista, não demorou muito tempo para que chegasse a vez de Kamenev e de Zinoviev passarem à história.


Depois da morte de Estaline em 5 de Março de 1953, gerou-se naturalmente um vazio de poder bastante complicado, com vários candidatos que pretendiam à sucessão do homem dos bigodes, grande benemérito da humanidade.


Formou-se uma primeira aliança, que não durou muito tempo, entre Malenkov que passou a acumular os lugares de presidente do conselho de ministros e de secretário do comité central do partido comunista (PCUS), Beria, chefe do KGB desde 1938 e Molotov, o homem do pacto germano-soviético e durante muito tempo braço direito de Estaline.


Mas em Julho de 1953, Beria é preso e executado não se sabe bem quando.


O homem do momento passa então a ser Nikita Khrouchtchev que se tornará secretário do comité central e denunciará no XX Congresso do PCUS, em 1956, os crimes do estalinismo, o que não o impedirá de ordenar a invasão da Hungria.


A queda de Krouchtchev origina um novo período de instabilidade e facas na manga. Acabará por ganhar Leonid Brejnev, o qual se tinha aliado, primeiro com Kossyguine e Mikoyan e, depois antes de guardar o poder todo para si, substituindo o Mikoyan pelo Podgorny.


Temos então na contabilidade das troikas soviéticas, a primeira que levou Estaline ao poder, a segunda de Malenkov, após a morte de Estaline, que durou pouco tempo. A terceira e a quarta foram as troikas que deram o poder a Brejnev. Podemos ainda falar de uma quinta troika soviética, a aliança também efémera entre Krouchtchev, Bulganine e Kaganovitch, sobre os destroços da qual Nikita solidificou o seu poder de novo mestre do Kremlin pós-Estaline.


Vale a pena falar destas coisas? Why not?


Vivemos uma fase muito complicada e incerta, as referências vão-se perdendo, o que é que está a acontecer? Não é descabido fazer comparações.


Olhemos de perto os personagens que se movimentam actualmente na cena política europeia. Cena pré-apocalíptica de assalto poder.


Este assalto ao poder euro-europeu não se distingue basicamente dos assaltos de Estaline, Malenkov, Beria, Krouchtchev, Brejnev ao poder soviético. É, no entanto, bem mais complexo porque envolve diferentes poderes.


O seu desfecho é muito mais incerto, porque se bem que conheçamos o seu instigador, a incerteza quanto ao desfecho desse assalto aumentou substancialmente.


Não se conhece o desfecho, mas os peões do assalto estão bem identificados.


Temos, no cimo da pirâmide, o instigador supremo, a chanceler Merkel com os seus germânicos acólitos e, a seu lado, o factotum Sarkozy.


Temos a troika institucional propriamente dita que junta o BCE, a Comissão Europeia e o FMI. Três cavalos que puxam a charrete da dívida.


Temos o comité central de Bruxelas, com a Comissão Europeia e o Euro-Grupo dos ministros das finanças do euro, os quais obedecem ao instigador supremo e seus germânicos acólitos.


Temos os plenipotenciários das entidades atrás citadas que, no actual estádio avançado de capitulação dos países atingidos pela chamada crise da dívida soberana, estão a ser enviados pelo comité central de Bruxelas para tomarem conta dos governos da Grécia, de Portugal e da Itália.


Esses plenipotenciários têm nome: Vítor Gaspar, ministro das finanças de Portugal, ex-funcionário do Banco Central Europeu; Lucas Papademos, provável futuro primeiro-ministro grego, ex-vice-governador do Banco Central Europeu; Mário Monti, provável futuro primeiro-ministro italiano, ex-Comissário europeu.


A queda do muro de Berlim acabou com a União Soviética.


Provavelmente, Berlim acabará com a União Europeia.


No fim, se saberá qual destas histórias de troikas foi a menos infeliz.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A ESPIRAL DA FALÊNCIA EUROPEIA



No essencial, os perigos da espiral de bancarrota europeia têm-se confirmado nestas últimas semanas. A novidade é que tudo está a ser muito mais rápido do que se imaginava.


Em teoria, pode-se analisar isto e aquilo, deduzir, pensar cenários, tudo teoricamente certo, mas depois quando a realidade se começa a revelar, descobrimos que afinal ela é muito mais dramática e pior do que o que tínhamos imaginado.


Nas últimas semanas, o teatro político europeu pôs a nu de maneira cruel o descalabro das fantasias de união europeia.


As fracturas desse descalabro estão expostas, são claramente visíveis para quem quiser ver.


Uma fractura nova, que andava na penumbra e é agora evidente, é a divisão entre países da zona euro e os países que não pertencem a essa zona. São duas europas dissociadas, que supostamente pertencem à mesma união. Dissociação confirmada pela reunião que os ministros dos dez países que estão fora da zona marcaram para amanhã em Bruxelas na embaixada checa.


Acentuou-se, para além de todos os limites imagináveis, a fractura entre o directório germânico-francês que, sem qualquer mandato, concentrou em si todas as decisões e os outros países da tal união. Perfeita antevisão do retrato do que seria a tão propalada europa federalista.


A fractura entre os países do norte e do sul, que é o essencial de todas as fracturas euro-europeias, tornou-se hoje mais clara com a adesão da França ao clube dos países do sul candidatos à falência.


Chegámos àquele ponto em que a geografia dos destinos geo-políticos europeus se tornou clara e as suas fronteiras perfeitamente cristalinas.


Temos os países do norte que mantêm os seus triplos AAA, países que se mantêm excedentários principalmente graças ao euro e aos seus outros parceiros europeus. Enquanto, eles, países do norte, são excedentários, os países do sul são deficitários, logo bancarrota à vista para esses incómodos parceiros.


Quanto aos países do euro destinados à bancarrota e consequentes e merecidas punições, a principal novidade é que, sem esperar pelo desfecho da crise berlusconio-italiana, a França decidiu reforçar esse grupo. La boucle est bouclée.


Há três meses, a França já tinha apresentado um plano de austeridade e um projecto de orçamento baseado em projecções de crescimento económico que se revelaram totalmente irrealistas.


Hoje, o primeiro-ministro Fillon, em tom solene, veio dar conta de um novo plano de austeridade. Como é extraordinária esta monótona sucessão de PECS, de planos de austeridade dos países do sul!


Fillon falou de bancarrota, de rigoeur, de faillite, tudo palavras proibidas no léxico político francês. Estamos a seis meses das eleições presidenciais francesas, por alguma razão o Fillon foi enviado para o matadouro pelo seu patrão Sarkozy. O marido da Carla Bruni – que mal empregada! - quer ganhar as eleições e sabe que as coisas vão estar cada vez mais pretas…


Temos então na amálgama das grandes manobras pelo poder europeu, de um lado, a lista de candidatos à bancarrota alinhados em ordem de partida, não apenas os candidatos já bem conhecidos que são a Grécia, Portugal e a Espanha mas também os outros dois candidatos teoricamente mais improváveis, candidatos de última hora, a Itália berlusconiana e a França sarkozysta.


Do lado oposto, lá estão, aparentemente imperturbáveis a Alemanha e os seus aliados nortistas.


Entre estas duas matilhas, vão rosnando os países que estão fora da zona euro.


Como é que esta gente se vai entender, depois do divórcio do casal franco-alemão?


Há quem insista em querer controlar a Europa, mas os meios para lá chegar tornam-se cada vez mais problemáticos.


Não admira que, para além da agitação e das encenações mediáticas dos principais tenores, prevaleça a sensação de que tudo parece estar a ficar fora de controle, rumo ao inevitável abismo da bancarrota euro-europeia.



terça-feira, 1 de novembro de 2011

REFERENDO A PEDIR SOCORRO

A notícia do referendo grego foi sentida pelos políticos e governos que mandam no euro e pelos banqueiros e os especuladores que vão acumulando milhões à custa da miséria alheia como um murro no estômago de que aparentemente não estariam à espera.


Ficaram embasbacados, estupefactos, o que, a ser verdade, mostra que essa gente tem andado entretida com brincadeiras muito perigosas.


Tudo o que está a acontecer na cena europeia confirma que a chanceler Merkel, o sr. Sarkozy e os seus pares não passam de políticos de meia tigela, que andam perdidos entre o deslumbramento pelas suas pequenas ambições pessoais e o fascínio letal pelos tubarões da finança que enxameiam à sua volta.


Políticos medíocres, sem visão estratégica, sem capacidade para prever o que é que vai acontecer depois de amanhã ou daqui a um ano. Incompetentes, medíocres, o que é que eu vou fazer, perguntaram eles perante a história do referendo grego.


Ora, esta cena do referendo, o seu contexto e dinâmicas sociais e políticas e respectivas consequências estão à vista desde há muito tempo. Essas cenas já foram, aliás, aqui anunciadas repetidamente.


De que é que estamos a falar?


Falamos do fim do euro, da moeda única introduzida à força, sem qualquer consulta popular e sem estudos sérios que a justificasse. Fim anunciado desde a sua criação.


Falamos da destruição inevitável das economias europeias.


As vítimas desta destruição são agora os países do sul, mas o que se anuncia é um processo imparável a que não escaparão os países do norte que assistem regalados nas primeiras filas da primeira plateia ao massacre dos PIGS.


Ora, são esses países regalados na sua arrogância racista que são os responsáveis pela destruição. Foram eles que, em nome da criminosa ideologia neo-liberal e dos seus pequenos interesses nacionais, impuseram as políticas de austeridade e os PEC’s que paulatinamente têm vindo a destruir a economia e a vida de milhões de pessoas.


Princípio de realidade: cá se fazem, cá se pagam.


Na sua arrogância cega e criminosa, o directório europeu dominante foi impondo, foi exigindo cada vez mais austeridade à Grécia. E, desse modo, o dito directório encostou o Papandreou à parede, não lhe deixando qualquer porta de saída.


Cego e surdo ao que estava a acontecer na sociedade grega, sem qualquer respeito pela dignidade desse país e sem reflectir minimamente sobre as consequências globais dos seus jogos de poder.


Como interpretar o anúncio do referendo grego?


O mais provável é que não vá haver referendo nenhum.


O que me parece indesmentível pela lógica das coisas é que a margem de manobra do primeiro-ministro grego se tornou de tal maneira nula face à pressão dos militares que o homem teve que lançar um SOS sob a forma de referendo dos cidadãos.


Pretende dar voz ao povo, antes que os militares tomem o poder em nome da dignidade nacional e da resistência ao neo-nazismo alemão. Esse é o discurso militar que está na ordem do dia.


Tudo isto era previsível desde há muito tempo.


É a hora da tropa que se anuncia, cena de tragédia grega com o seu cortejo de misérias e o inverno da democracia.


Danke schöne frau Merkel, merci monsieur Sarkozy, obrigado sr. Barroso…


Esperemos que seja o povo quem mais ordena.