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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A NOVA ESTRATÉGIA DO PARTIDO COMUNISTA

 

Nos tempos da URSS, havia uns tipos considerados experts a quem chamavam os kremlinólogos, acho que era essa a palavra. Eram especialistas que davam a sua versão, que eram consultados sobre o que passava entre os muros do Kremlin, era gente que aparentava conhecer os códigos do que se passava na corte soviética, quem é que lá mandava, quem é que estava a perder poder, quem estava a subir na nomenklatura.

Não era um exercício ao alcance de qualquer um, não era como fazer as palavras cruzadas, tudo aquilo que se passava com aquela gente que mandava na URSS tinha importância muito para além da dita união e do partido comunista que dominava todos os esquemas, alianças, conspirações, negócios, perseguições no vasto império soviético, gente que ou tinha poder ou que podia estar no dia seguinte a caminho da Sibéria.

Com o fim da URSS, os partidos comunistas, herdeiros dessa “gloriosa” época perderam a sua importância. Logo, a carreira de kremlinólogo deixou de ser atractiva, o que é de lamentar. E porquê?

Algumas razões, rapidamente. O sistema soviético não desapareceu com a subida ao poder do sr. Putin, antes pelo contrário e a Rússia, herdeira da URSS, continua a precisar de decifradores de mistérios, de kremlinólogos. Deixemos isso para depois.

Segunda razão, e era aí que eu queria chegar.

Alguns partidos comunistas conseguiram sobreviver ao sr. Ieltsin e à queda do muro de Berlim. O melhor sobrevivente dessa longa estirpe soviética parece-me ser o partido comunista português. Onde é que está o partido comunista italiano, orgulho da esquerda europeia durante décadas, o partido de Gramsci, de Togliati e de Berlinguer? Onde estão os partidos comunistas francês e espanhol do Marchais e do Carillo? Out.

Onde é que está o PCP? Está on e acabou de festejar o seu XIX Congresso.

O que é que há neste congresso que mereça ser decifrado? Muita coisa, muita coisa que gostaria de ver explicada por um kremlinólogo.

O PCP, à vista desarmada é como um lago tranquilo, para simplificar, diria que é uma espécie de Alqueva, uma massa de água enorme, calma, sem ondas. À volta, reina a serenidade e, para culminar a visão idílica, a água é alentejana.

Para quem está de fora, o XIX congresso á superfície foi um alqueva.

Ouvimos os discursos, vimos as reportagens na televisão, estávamos à espera que talvez acontecesse alguma coisa de novo. Mas, em geral, nestas liturgias, isso não acontece.

Não foi o caso desta vez.

O Jerónimo de Sousa deu algumas deixas, mas manteve-se no seu papel de guardião da ortodoxia. Defendeu a demissão do governo, atacou o PS, defendeu em alternativa um governo patriótico de esquerda. Conversa oficial para manter o pessoal mobilizado.

Não se referiu uma única vez ao Bloco de Esquerda. Mais uma vez, conversa oficial. Se há uma coisa que o PCP nunca aceitou desde sempre, desde que liquidou os Anarco-Sindicalistas e se erigiu em único e legítimo representante da classe operária é que possa haver outro representante dessa dita classe que, aliás, acrescentemos, tem uma expressão social cada vez mais incipiente.

Mas eles fazem questão de ser o partido da classe operária e não aceitam concorrência. Não aceitam e detestam tudo o que cheire a maoístas, trotskistas e outros istas. Não esquecem a picareta do espanhol na cabeça do Trostsky lá no México.

Governo patriótico de esquerda sem Partido Socialista, sem Bloco de Esquerda. Programa anunciado oficialmente no tal congresso pelo secretário-geral do PCP.

Nesta parte da nossa conversa, apetece-me dizer: são cenas de manicómio.

É isso, manicómio de esquerda onde ninguém se entende, todos têm razão e ninguém tem razão.

Se eu fosse kremlinólogo, pensaria intimamente, talvez com um sorriso de disfarçada superioridade, vocês não perceberam nada. O discurso importante do congresso do PCP não foi o do Jerónimo de Sousa.

A estratégia do PCP para os próximos tempos não passou pelos discursos do Jerónimo, ela foi anunciada por Agostinho Lopes, que é o cabeça de lista do Comité Central, mas que não pertence nem à Comissão Política nem ao Secretariado. Se calhar, porque já ultrapassou os 65 anos, o PCP, até nestas coisas de idade, é completamente vaticano-ortodoxo.

O que é que há de importante no discurso do Lopes? Simples, camaradas: depois de longos anos de aparente distracção, o partido dantes euro-céptico, o PCP, descobriu que o problema político de futuro, o problema das consequências  da crise que nos anda a massacrar, a roubar, a matar em lume cada vez mais quente, a culpa de tudo isso é a união europeia e o euro.

Por outras palavras, o PCP decidiu mudar de estratégia, vai começar a mobilizar a suas tropas, e utilizo esta palavra sem nenhuma conotação pejorativa antes pelo contrário, vai prepará-las, mobilizá-las contra a UE e o euro.

Governo patriótico de esquerda mas fora do euro e da união europeia, eis a nova estratégia do PCP. Tomem nota, vale a pena.

 O que é que dirá a isto o Bloco de Esquerda, antigo partido euro-céptico convertido aos tachos de Bruxelas e de Estrasburgo? Não se sabe, mas presume-se que se vai encostar ao PS, ao O PS federalista de Mário Soares, ao PS da Europa connosco.

Vamos continuar no manicómio de esquerda? Provavelmente.

Mas quem ganha nesta mudança estratégica? Ganha o PCP.

Ganha, porque encosta os seus concorrentes de esquerda à parede das suas próprias contradições, ganha porque passa a condicionar a agenda política nacional e europeia, ao questionar e condenar a utopia europeia de uma união política e monetária que se supunha servir para promover a solidariedade e a coesão entre estados e povos europeus.

Ganha, porque estamos fartos de balelas.

Ganha porque coloca as coisas no devido sítio: a união europeia e o euro são uma desgraça para Portugal. É esse, aliás, o sentimento crescente dos portugueses.

Haverá o tal governo patriótico e de esquerda? Provavelmente não, a esquerda continuará prisioneira do seu manicómio e o povo português continuará a votar nos mesmoS de sempre.

Emigrem!