PEDALAR É PRECISO!

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

STÉPHANE HESSEL, O DIREITO À INDIGNAÇÃO

 

Num sítio qualquer de Lisboa e a propósito de não sei o quê, o ainda primeiro-ministro de Portugal pronunciou-se hoje categoricamente contra o direito à indignação.

O que é que se pode responder a esta enormidade?

O homem vive num planeta estranho, não sei se Portugal pertence a essa galáxia, mas, enquanto português que ainda se orgulha de o ser, tenho a dizer que tenho vergonha de ter tal indivíduo como primeiro-ministro.

O homem é primeiro-ministro, convive com os senhores da união europeia e outros, mas nem sequer percebe uma qualquer noção das conveniências diplomáticas. Podia, por exemplo, ter-se dado conta da inoportunidade do que disse, porque disse o que disse exactamente um dia depois de ser conhecida a morte de um herói francês e cidadão do mundo que muito provavelmente irá para o Panthéon de Paris, lugar que recebe escritores, políticos, artistas reconhecidos como heróis da nação.

Stéphane Hessel no Panthéon faz todo o sentido. É que os 95 anos da vida vivida por este judeu nascido em Berlim mas naturalizado francês concentram, reflectem, exaltam tudo aquilo que de melhor a espécie humana foi capaz de afirmar e de defender durante um século de martírios, de genocídios e de exploração colonial, entre muitas outras desgraças. O exemplo da sua vida dá-nos esperança, é uma vida que nos chama a lutar pela justiça, pelos direitos humanos, pela resistência às exorbitâncias dos poderes instalados.

Stéphane Hessel tornou-se mais conhecido pelo livro Indignez-vous, que foi traduzido em quase todas as línguas, com cerca de cinco milhões de exemplares. Mas os seus méritos vinham muito de trás, são os méritos de uma vida coerente em prol da justiça e da dignidade humanas.

Resistência ao nazismo, contra o qual lutou e que o internou em campos de concentração.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que foi um dos redactores, em 1948.

Resistência ao colonialismo, antes, durante e após a guerra da Argélia.

Resistência à xenofobia contra os imigrantes e os sem-papéis em França, de quem foi um dos principais apoiantes.

Resistência à barbárie israelita e aos bombardeamentos de populações civis palestinianas.

Stéphane Hessel, judeu nascido em Berlim, cosmopolita e irmão dos oprimidos, explorados e injustiçados, simboliza o direito à indignação, incarna o direito a uma justiça universal. Exprimiu melhor do que ninguém o dever de nos indignarmos e de lutarmos contra os governos e contra os poderes que, em nome da democracia, nos exploram e nos humilham, a nós e aos nossos irmãos, qualquer que seja a sua cor, a idade, continente e religião.

Hessel desafia o nosso conforto do quotidiano, interpela o egoísmo de cada um de nós, lembra-nos o nosso dever humano de sermos solidários. Será um personagem incómodo e extravagante? Não. Ele soube dar, ele deu-nos o exemplo.

O exemplo de Hessel está à nossa frente. Não precisamos de supermen. Do que precisamos é de heróis humanos que amam os humanos e o seu planeta.

Como escreveu hoje o jornal francês Libération na sua front of page, Stéphane Hessel é um Justo.

Sim, precisamos de homens justos, precisamos de políticos justos, que mereçam o nosso respeito.

Mas tudo isto está para além da compreensão do sr. Passos Coelho. É demais para a sua cabeça.

Vamos ter que fazer alguma coisa, manifestar a nossa indignação, sermos coerentes.

 

 

 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

POPULISMOS


Em 1848, Karl Marx constatava de forma lapidar no “Manifesto Comunista” que “um espectro assombra a Europa: o espectro do comunismo”.

Durante mais de um século, o capitalismo europeu viveu realmente esse pesadelo do comunismo. Entretanto, o fantasma evaporou-se, passou a quimera datada, paz à sua alma.

Nos escombros do comunismo e da cortina de ferro e da utopia europeísta de Bruxelas, um novo espectro assombra agora a Europa. É o espectro do populismo.

Este novo fantasma tornou-se um bode expiatório ideal, que concita as mais prementes preces de todos os crentes da religião europeísta e anima o proselitismo folclórico do federalismo europeu de obediência germânica. Em suma, o populismo é o mau da fita que, à falta de outros argumentos, sustenta toda aquela massa de crentes que querem “salvar” a Europa. Salvar a Europa? Qual Europa? A do euro, a Europa da nomenklatura de Bruxelas? Não haverá outras Europas, dignas de serem defendidas ou, se preferirem, salvas?

Teresa de Sousa, jornalista do “Público”, é uma convicta federalista que há anos vem defendendo as suas teses com sentido de missão, ou a Europa ou o caos. Opiniões muito respeitáveis. No seu comentário de hoje sobre a necessidade de uma “nova dimensão europeia da política” refere os “três males que mais afligem” as democracias europeias: o populismo, a corrupção e a “percepção da iniquidade que fere a legitimidade dos governos para pedirem sacrifícios”. Muito interessante.

É a Europa do nó górdio, não é? Como combater a corrupção e a iniquidade? Como fazer reconhecer a tal Europa federativa como uma entidade legítima aos olhos da grande maioria dos diferentes povos e nações do velho continente?

Democracia, democracia-cristã, socialismo, comunismo, populismo ou fascismo?

Discutamos, pois, não vejo nenhum inconveniente nisso, a chamada política “europeia” no seu sentido e projecto mais amplo e inteligível que seria o de haver realmente uma democracia europeia em que o povo é quem mais ordena. Existe, poderá existir tal coisa?

Temos a Comissão de Bruxelas e o Banco Central Europeu, temos o Parlamento Europeu, temos o governo alemão e os seus aliados holandeses, finlandeses, austríacos and so on. Temos, do outro lado da barricada, os povos do sul europeu, incluindo os franceses, espoliados pelo aparelho financeiro neo-fascista que domina a tal dita Europa de Bruxelas.

O que é que os federalistas europeístas têm para oferecer aos povos, às pessoas, às famílias vítimas da rapina do neo-fascismo capitalista europeu?

Democracia? Que democracia?

Democracia democrata-cristã, democracia socialista?

Por que não pôr no outro lado da balança deste balanço das vias para a democracia a democracia do povo pelo povo, contra as elites auto entronizadas graças aos aparelhos partidários?

Elites que usam o seu poder para roubar o povo, gente que esmaga e desrespeita com suprema arrogância os direitos, o pão e a dignidade de quem trabalha.

Democracia contra as elites usurpadoras, donc, democracia que, por ser do povo contra os poderes tirânicos e ilegítimos de quem faz seu o poder que seria suposto ser meramente representativo, tem que ser designada de democracia “populista”. Forma de democracia que apenas está prevista, em modo de espectro virtual, na engrenagem infernal europeísta enquanto bode expiatório das lágrimas de crocodilo dos burocratas e políticos que querem “salvar” a Europa.

Democracia, cujo “populismo” exprime a legitimidade dos direitos de cada nação defender a sua identidade e a sua soberania contra a invasão e a prepotência das potências europeias dominantes.

Se esta fosse a democracia dos federalistas, talvez nos pudéssemos entender.

Mas, vendo bem as coisas, serenamente, a realidade é bem diferente.

A Europa, na sua versão de união germânico-europeia é uma construção totalitária sem futuro, corroída que está pela corrupção, pela iniquidade e pela prepotência do fascismo financeiro. Essa Europa terá o mesmo destino da união soviética, é tudo uma questão de tempo, de calendário.

Em democracia, o povo é quem mais ordena. Sejamos então populistas, cortemos o nó górdio da ditadura europeia que nos asfixia.

Glosando o Viegas, talvez seja caso de ripostar aos burocratas de Bruxelas, aos técnicos da Troika, aos banqueiros do BCE, aos ministros da chancelaria germânica, a toda essa gente: “vão mas é tomar no cú”.

Em consequência do que, muito provavelmente, a única via para a tal democracia europeia que respeite povos, nações e trabalhadores, gente nova e gente mais velha será uma democracia de tipo populista. Vale a pena pensar nisso.

             

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A CANÇÃO É UMA ARMA!


“Grândola, Vila Morena”, cantada em Madrid numa manifestação contra a guerra capitalista do empobrecimento. Vi e ouvi essa cena extraordinária, cena emocionante transmitida hoje pela televisão.

“Grândola, Vila Morena”, cantada há dois dias nas galerias do parlamento português quando o primeiro ministro português, conhecido e notório  serventuário do neo-fascismo da alta finança internacional, se preparava para falar. Cena extraordinária e emocionante.

Falar, falar, o tal de primeiro-ministro aparece todos os dias. Lá vai ele tentando enganar o povo, lá vai ele manipulando, hoje diz uma coisa, amanhã o seu contrário. Lá vai ele tentando desarmar as estatísticas que o contradizem. Quem é que ainda tem paciência para ouvir o que esse tipo e os seus capangas têm para nos dizer?

O homem preparava-se para papaguear, caiu-lhe a Grândola em cima, ficou sem discurso.

Exemplo a seguir. Eles querem falar, retire-se-lhes a palavra, calemos o bando que tomou conta do país, o bando que nos sequestrou, este bando ao serviço do neo-fascismo financeiro que decidiu roubar-nos a alma e os haveres.

Eles persistem em discursar e aldrabar-nos, retiremos-lhes a palavra, cantemos. Cantemos o Grândola, cantemos a resistência a este novo fascismo, criemos novas expressões orais e públicas de combate à ditadura do euro, à ditadura da união soviética europeia e dos seus mandatários troikistas, à ditadura dos novos ricos que engordam com a crise, à ditadura dos ministros que trabalham para o Goldman Sachs e os bancos alemães.

Na semana passada, tive o privilégio de ouvir o Paco Ibañez na Gulbenkian. O homem já tem quase oitenta anos, mas a voz continua quente, continua a ser um guerreiro da palavra dos grandes poetas hispânicos, contra as injustiças, contra os fascismos. Cantou como em Maio de 1969 quando tive também o privilégio de o ouvir no pátio da Sorbonne iluminado por um luar incandescente, soberbo e cúmplice.

Foi muito oportuna a vinda do Paco, cantor e resistente, valenciano, basco e catalão, latino-americano, ibérico. Vinda mais do que oportuna, sim, porque voltámos aos anos das ditaduras. Ditaduras que agora não são apenas ibéricas. São as ditaduras comandadas pela união soviética germânico-europeia ao serviço da alta finança internacional. Neo-fascismo, não vejo outra designação para tudo isto que está a acontecer.

Neo-fascistas, mesmo se não têm tropas nem armas e que, por enquanto, não praticam a tortura. Mas têm as agências de rating, dominam a imprensa financeira internacional, têm os seus papagaios falantes, os gurus da dívida pública e do défice. Obedecem a uma central clandestina e metafísica. É a central a que chamam mercados! Os mercados mandam matar, mate-se, esfole-se!

Contra este fascismo, lutar, lutar. Cantemos, pois, para não esmorecer, cantemos para vencer. Das fraquezas façamos novas forças.
A canção é uma arma. A imaginação também. Wake up!



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

74% DE DIVÓRCIOS EM 2011?


 
 
 
O texto que vem a seguir foi escrito para ser publicado num jornal diário, cujo nome não vou referir. À última da hora, o dito cujo resolveu dar o dito por não dito. E, assim, a prosa veio aterrar no bela moleira. Não podia ficar na gaveta e, além disso, vamos variando de tema, se bem que na triste época em que vivemos, o tema é sempre o mesmo: todos os maus caminhos vão sempre dar ao Estado a que isto chegou .

Segundo os “Indicadores Sociais” de 2011, publicados recentemente pelo INE, em Portugal ter-se-iam registado 74,2% de divórcios por cada 100 casamentos, em 2011. Uma verdadeira hecatombe!

 

O INE, a quem cabe a exclusividade da publicação de informações estatísticas sobre a população e a sociedade de Portugal, - informações que se supõe serem credíveis e cientificamente bem fundamentadas - continua a insistir na divulgação de um indicador que designa por “nº de divórcios por 100 casamentos”. Este indicador é apresentado, desde há muito tempo pelo instituto de estatística, como sendo a medida que sintetiza anualmente a intensidade da divorcialidade em Portugal.

Que eu saiba, os resultados publicados pelo INE nunca foram objecto de qualquer reparo. Significa esse silêncio que o indicador oficial da divorcialidade em Portugal é credível? Na realidade, trata-se de uma medida cientificamente inadequada e os seus resultados apenas têm contribuído para iludir e deformar a realidade da frequência do divórcio em Portugal.

O INE calcula a sua “medida” do divórcio através dum quociente entre o número de divórcios e o número de casamentos que ocorreram durante o mesmo ano civil.

Assim, tendo sido celebrados, em 2011, 36.035 casamentos e decretados 26.751 divórcios, resulta, de acordo com a metodologia do INE, que durante esse ano a divorcialidade foi de 74,2%! Trata-se de uma pura fantasia estatística.

 

Temos que ter presente que, para se analisar a intensidade da divorcialidade, ou seja, para se saber quantos divórcios acontecem num determinado período, é necessário calcular um indicador que, em demografia, é designado por "indicador conjuntural de
divorcialidade", indicador que resulta da soma de taxas específicas de divorcialidade por
duração de casamento.

No cálculo das taxas de divorcialidade, devemos ter em conta simultaneamente o número de casamentos celebrados pelo menos durante os últimos 35 anos e os divórcios que em 2011 terminaram com uniões entre pessoas que se casaram ao longo desses 35 anos.

Consequentemente, a intensidade da divorcialidade em 2011 não pode ser medida através duma relação puramente mecânica entre o número de divórcios e o número de
casamentos registados em 2011. Algumas razões óbvias que mesmo um não demógrafo compreenderá: 1) a maior parte dos divórcios que ocorreram em 2011 dizem respeito a casamentos mais antigos; 2) as tendências da nupcialidade não são constantes, muito pelo contrário; desde o início dos anos 1980, elas têm sofrido fortes variações.

A nupcialidade portuguesa tem vindo a baixar drasticamente, é um facto indesmentível. Passou-se de uma percentagem de 80% de primeiros casamentos há cerca de trinta anos para cerca de 40%. Actualmente, mais de metade dos homens e mulheres em idade de casar permanecem celibatários e os que se casam, casam-se cada vez mais tarde.

É à demografia que compete medir o que se passa com as tendências da divorcialidade. É que a divorcialidade é um fenómeno tão demográfico como são a mortalidade ou a natalidade, e por essa razão, ela tem que começar por ser estudado pela análise demográfica.

Sobre os indicadores que medem a divorcialidade em Portugal, o INE tem a obrigação de publicar informação cientificamente irrepreensível e não é isso que está a acontecer.

Deve ter presente que as rupturas de casamento por divórcio num determinado ano atingem casamentos de diferentes durações, casamentos mais recentes a par de outros mais antigos. Os divórcios de 2009, por exemplo, abrangem casamentos que ocorreram grosso modo entre 1974 e 2009. Ora, enquanto em 1974 foram celebrados 103.125 casamentos, em 2009, apenas foram registados 40.391.

A relação entre o acontecimento casamento e o acontecimento divórcio é essencial e aconselha que a frequência do divórcio seja medida de preferência na duração de casamento, através de taxas por duração de casamento, cuja soma nos permite conhecer a medida exacta da intensidade da divorcialidade num determinado ano.

A partir destas taxas podemos também construir  tábuas de divorcialidade que, além da frequência do divórcio nas diferentes coortes de casamento, descrevem o calendário da divorcialidade, ou seja a distribuição do número de divórcios por cada duração de casamento. Esta descrição permite obter um outro valor sintético essencial que é a duração média dos casamentos que acabam em divórcio.

Não vou obviamente entrar em pormenores. Para quem estiver interessado em aprofundar os aspectos metodológicos das medidas do divórcio – e espero que esta matéria interesse ao INE – poderá consultar o meu texto “Análise demográfica transversal do divórcio: questões de método”, publicado em Junho de 2012 no livro Diafanias do Mundo. Homenagem a Mário F. Lages, pela Universidade Católica Editora.

Para concluir e exemplificar, deixo alguns dos resultados que obtive no meu trabalho.

Em Portugal em 2009, por cada 100 casamentos foram decretados 43,47 divórcios. Valor que é dos mais elevados da Europa, mas que não tem nada a ver com os fantásticos 74,2 divórcios anunciados pelo INE para 2011.

Em média, em 2009, os casamentos rompidos por divórcio duraram 13,18 anos. Sobre esta outra questão tem o INE alguma informação?