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segunda-feira, 10 de março de 2014

DEFENDER O "MUNDO LIVRE" NA CRIMEIA?



Vou seguindo com atenção as peripécias da Ucrânia-Maidam e da Crimeia-Pátria Russa e não sei se deva rir ou se deva chorar. Farsa ou tragédia?

É impossível não evocar alguns factos, situações trágicas e personagens absurdos que pontuaram o cortejo mundial de guerras, e destruições, de genocídios e de toda a espécie de crimes que vitimaram milhões de inocentes durante os últimos 150 anos.

Não me vou estender sobre as duas guerras chamadas mundiais, nem sobre a guerra oitocentista da Crimeia entre Otomanos, Ingleses, Russos e Franceses. Neste momento, tudo isso é demasiado para a minha cabeça.

Penso na Ucrânia e, automaticamente, penso nos pogroms russos e ucranianos que perseguiram e mataram milhares de judeus. É uma história interminável que terá começado no séc. XVII.

Pode ter começado na Ucrânia, alastrando por toda a Rússia czarista e para outros países mais ou menos vizinhos, Polónia e, principalmente, Alemanha.

Lembro os sucessivos massacres cometidos contra os judeus da cidade de Odessa ao longo do séc. XIX, lembro os pogroms organizados durante a guerra civil russa. Lembro o terrível genocídio executado em toda a Ucrânia e nas repúblicas soviéticas ocupadas, pelas tropas nazis, muitas vezes apoiadas por gente dali.

Serão os pogroms uma especialidade nacional ucraniana? A palavra é russa, mas como distinguir um ucraniano dum russo, dum tártaro, ou dum cossaco?

Como classificar um tipo que mata, que viola, que rouba alguém, apenas  porque ele ou ela são judeus, ciganos ou homossexuais? Como distinguir esse criminoso não apenas dos tipos que o mandaram matar, violar e roubar, mas também dos tipos que sabiam o que é que estava a acontecer e não fizeram nada para o evitar?

No século passado, no final da 2ª guerra, o Churchill inventou a “cortina de ferro”, os americanos começaram a “caça às bruxas”, ou seja, perseguições a tudo e a todos que cheirassem a comunismo, e decretaram uma guerra sem quartel em defesa do “mundo livre”.

Criaram a NATO, organizaram golpes de estado em toda a América Latina, era a chamada teoria Monroe. Governaram o mundo pelo terror em nome da luta pelo “mundo livre”, contra o comunismo. Invadiram a ilha de Cuba, lixaram-se na baía dos porcos. Lugar perfeito, designação perfeita, humilhação super-justa. Mas os esforçados defensores americanos do tal mundo livre não desarmaram. Em represália, instituíram um bloqueio total à ilha castrista. Até hoje.

Invadiram o Vietnam, provocaram uma guerra terrível. Quando o Kennedy mandou avançar as tropas, tudo parecia fácil. O final da história é conhecido: os viets, pequeno povo aparentemente negligenciável, impuseram uma derrota humilhante à maior potência militar da história. Fiasco irreparável para os defensores do chamado mundo livre.

Vale a pena perguntar a propósito de todas estas exacções americanas se alguma vez, antes, durante ou no final dos crimes cometidos, foi invocada, como parece estar a sê-lo agora a propósito da Ucrânia e da Crimeia, a pertinência, a força, a legitimidade das leis e dos tratados internacionais? Alguma vez, foram os EUA julgados pelos seus crimes contra a Humanidade?

Vão os americanos passar agora a uma nova fase de defesa do “mundo livre”, envolvendo-se num conflito com a Rússia em solidariedade com a soberania e o povo da Ucrânia? Vão pôr em marcha um bloqueio total à Rússia ocupante da Crimeia, um bloqueio idêntico ao bloqueio com que cercaram Cuba? Vão os europeus, em particular a grande potência europeia chamada Alemanha, colaborar nessa meritória tarefa?

Leio nos jornais que os russos da Crimeia saíram festivamente à rua para comemorar antecipadamente o seu “regresso” à mãe-pátria russa. Manifestação tipicamente nostálgica. De duvidoso futuro.

Nostalgia dos “gloriosos” tempos da União Soviética, nostalgia do Zé Estaline e dos goulags. Nostalgia do socialismo real que continua a existir na Rússia apesar da perestroika, às ordens de Putin, das suas polícias, dos seus oligarcas e das suas máfias.

A Crimeia parece-me um lugar muito solitário e patético. Amam a Rússia de Putin, será este amor um problema apenas deles?

O que farão os americanos e os seus amigos alemães para travar Putin e os seus sonhos de ressurreição soviética? Guerra fria, guerra quente? Sanções económicas? Bloqueio cubano??

Penso nos tremendos fiascos americanos na sua luta fundamentalista e paranóica contra o comunismo a favor duma criminosa ficção chamada “mundo livre”, lembro a recente invasão russa da Geórgia e, a propósito de tudo isto, evoco o filme do Alain Resnais sobre a guerra civil espanhola. Naturalmente, concluo: “La guerre est finie”.