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sábado, 11 de outubro de 2014

Carta ao Pai

Meu querido Pai,

Escrevo-lhe finalmente esta carta após meses a escrever-lhe na minha cabeça. Vou ter que dizer algumas palavras no lançamento do seu livro daqui a umas semanas e há tanta coisa que eu gostaria de dizer. Sei que não conseguirei dizer nessa noite aquilo que eu gostaria de lhe dizer. Sei também que a emoção será muita.

Há uma semana foram os meus anos. Os meus primeiros anos sem o Pai. Com certeza teríamos falado ao telefone, tal como falámos naquele Domingo antes do Pai nos deixar. Foi uma conversa tão boa. O Pai contou-me do seu romance, foi uma conversa tranquila e longa. Faz agora cinco meses. Foi pouco antes desse fatídico dia 1 de Maio, quando o Pai nos deixou assim de repente sem um ultimo adeus. Se o Pai tivesse podido escolher um dia para nos deixar teria sido esse dia com certeza, o dia do trabalhador, o dia dos direitos sociais, um dia a’ sua medida. Entretanto ficou o seu livro (or rather, os seus livros), o Pai foi-se embora, for ter com a Avó Maria. Como a sua Tia de Coimbra nos disse, estão agora os dois juntos a rirem-se um com o outro.

Passavam-se meses sem que falássemos um com o outro e não tínhamos sequer um contacto regular. Mas o Pai era uma parte de mim. Muito do que eu sou hoje é o Pai; os seus gostos, os seus genes, a sua calma, o seu jeito. Claro que sou também muito de outras pessoas, como a Leonor. Perder alguém não é só perder essa pessoa, perder a sua presença, e saber que há agora apenas ausência. É também perder alguém que nos ama. O Pai não era perfeito (but then again, who is?) e nós que convivíamos com o Pai sabemos como podia ser por vezes uma pessoa difícil, mas também sabemos o quão especial o Pai era; o seu vasto conhecimento, a sua inteligência, a sua sensibilidade, o seu carinho. Não falávamos com regularidade e claro está há 20 anos que parti para Inglaterra (tal como o Pai partiu para França em anos idos), mas eu sempre soube que o Pai me amava muito e que tinha muito orgulho em mim, e mais fundamentalmente que eu era uma parte importante da sua vida, da sua existência.

Perder alguém a quem pertencemos, é perder uma parte importante da nossa vida. É fechar uma porta a parte da nossa identidade. Ficam claro as memórias (recorda-se dos nossos almoços às sextas-feiras? Quando o Pai esperava por mim a’ porta do liceu francês? Lembra-se quando ofereceu-me a mim e ao meu namorado um bilhete par irmos ver Gone With the Wind no grande auditório da Gulbenkian? Lembra-se dos concertos todos a que fomos juntos? Lembra-se dos nossos passeios no Jardim Luxembourg? Lembra-se de ter chamado Besta Quadrada ao Henrique VIII, não se apercebendo que o meu marido inglês o percebia? Lembra-se daquelas refeições todas maravilhosas que partilhámos?) – ficam também os gostos e os jeitos, que continuam a ser parte de mim e dos meus filhos, os seus netos que tanto têm do Pai.

Entretanto, durante o verão, li o seu livro, o romance; Amor e Utopias. O livro é o Pai, e sinto que o livro é o seu legado para nós. O livro é o Pai through and through. Mais uma vez, se pudéssemos prever estas coisas, este teria sido com certeza o legado que o Pai quereria ter-nos deixado. Obrigada. Fica esse bom legado connosco.

Entretanto vou continuando a escrever-lhe; se não for aqui, no seu blogue, será na minha cabeça. Sei que o Pai me escuta; as minhas palavras de estrangeirada, onde o português me vai faltando, mas onde a memória ficara cá sempre. Sei que não tenho o dom da palavra que o Pai tinha, mas sei também que o Pai sabe o quanto o amo e quanto as minhas palavras são sinceras. Escrevo-lhe e imagino-o naquela encosta de Lisboa, onde tudo é mais calmo, o céu azul, sempre, e o rio lá ao fundo.

Muitos beijinhos Pai,
Cristina


PS: Para todos que seguiam o Blogue do meu Pai, as minhas desculpas por ter usurpado este espaço, mas para mim é uma forma de comunicar mais directamente com ele. Para todos potencialmente interessados no romance que o meu pai escreveu, o lançamento terá lugar a 29 de Outubro. Se quiserem mais informações, entrem em contacto comigo: c.c.leston-bandeira@hull.ac.uk