A verdade é que a política está cada vez mais rasteira e despudorada, os ventos não correm de feição a activismos contra a corrente, a contestações. A margem de manobra é, por isso, muito estreita.
Durante quatro anos e meio tivemos a arrogância e a ambição desmedida do jovem Sócrates parvenu, tivemos a cartilha neo-tecnocrata e neo-liberal versão socialista. A cartilha do deficit das contas públicas, do deficit da Segurança Social, do código do trabalho, da ministra Rodrigues, do ministro Pinho, do ministro Jamais, do grande inquisidor SS e tutti quanti. A cartilha do código que odeia direitos, que adora flexibilidade, que adora a disponibilidade laboral, a obediência e a submissão de quem precisa de trabalhar.
Durante quatro anos e meio foi a obsessão pelo deficit, a estagnação da economia, mais desemprego e pobreza. Mais precariedade no emprego, mais descriminações sociais, mais desigualdade, mais injustiça, mais corrupção. Menos educação, menos direitos.
Mas o povo parece estar contente, vai votar e o Sócrates, é o que diz a TV, vai ficar à frente. Qu’est-ce qu’on peut faire, il n’y a rien à faire (é uma canção francesa, tanto quanto me lembro).
Na campanha que nos deu a TV, as grandes questões foram o TGV e as escutas ao Cavaco. Falam do Salazar, escutam-se uns aos outros, espiam-se, odeiam-se. E o país, os pobres, os desempregados, os jovens sem futuro, os mais velhos a passar fome, alguém se preocupa?

Temos que aturar isto, parece a corte do D. Carlos. Caminhamos para um regicídio? Não é provável, tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil.
Será que fazer política tem que ser falar do TGV e do Cavaco e seu assessor? Onde é que estão as diferenças, as fronteiras entre partidos, entre correntes de pensamento e propostas?
Campanha eleitoral, ausência de questões, questões sem resposta. Porque o que interessa são apenas os interesses. Não apenas os interesses dos banqueiros, dos grandes capitalistas. O que faz mover tudo, a engrenagem dos partidos que mandam na política é o pessoal à procura de bons tachos, o pessoal que tem o cartão do partido no momento certo. É essa a engrenagem.
Os que não têm nada a ver com isso são apanhados sem saber bem como pela política, sofrem as consequências dos desmandos, das injustiças, são apanhados pelas formigas partidárias que trabalham denodadas para amealhar vantagens. Tudo se passa num admirável mundo, bem ordenado, num admirável mundo que não tem nada de novo, aliás, está a apodrecer.
Tomar conta da política? Revoltem-se, organizem-se, falem com os vizinhos, com os colegas, discutam, mas não chateiem em casa, apaguem a TV.
