PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 28 de abril de 2009

NOME CELESTINO



O terramoto de l’Aquila em Itália provocou desgraça, morte, sofrimento e destruição. Infelizmente, tudo isto é repetitivo, o que é que se pode fazer? É problema antigo (1755?!) e insolúvel, resta-nos reflectir se formos capazes disso, acerca das misteriosas finalidades e razões da providência divina, os homens constroem, a natureza destrói, a natureza constrói, os homens destroem.


Depois de passadas as semanas em que toda esta tragédia esteve no topo das actualidades telejornalísticas, na minha cabeça ficaram a germinar algumas associações de ideias porventura insidiosas e quiçá inconvenientes, construídas á volta do nome Celestino.


O terramoto italiano destruiu património histórico de grande importância, mas de todas as destruições a mais sentida e espectacular foi certamente a queda da abóbada da basílica de Santa Maria de Collemaggio, a qual, por misteriosa coincidência, se abateu sobre o túmulo do seu fundador, S. Pedro Celestino. Quem foi, ou, por outras palavras, quem é este Santo?


Pietro Morrone era frade beneditino, que vivia numa caverna. A certa altura do seu retiro, foi apanhado pelos jogos de poder da Santa Cúria Apostólica e aceitou ser papa de Roma. Escolheu então a denominação de Celestino V e, nessa qualidade, a 13 de Dezembro de 1294, sem saber muito bem no que se ia meter, fez uma entrada triunfal em Roma, montado num burro oferecido pelo rei de Nápoles. Cena extraordinária, onde estavam os estetas do Quo Vadis Hollyood?


A história deste papa arrancado a uma vida meditativa, retirada do mundo e das suas vaidades e ambições e que acabou por se meter onde não devia, terminou mal. Dante cita-o no III canto da Divina Comédia, mencionando o facto extraordinário de ele ter sido o único papa que renunciou ao seu cargo, tendo isto acontecido apenas cerca de cinco meses após ter sido eleito. Esta extraordinária renúncia, de facto única na história do papado, tem uma explicação simples mas cruel: o santo eremita feito papa foi obrigado a abdicar do seu alto cargo por imposição do poderoso cardeal Caetani da Santa Cúria, que aspirava a ser papa e que, sendo esse o seu desejo e sendo ele forte e poderoso, se fez eleger sob o cognome de Bonifácio VII, e, para que não restassem dúvidas, mandou envenenar Celestino V.


Celestino V foi o último dos papas desse cognome e, tal como Celestino I (422-432), foi canonizado (em 1303). Mas, na lista dos papas Celestinos, existe um outro papa com essa denominação, que teria sido o II deste nome, mas que, por razões que nunca consegui perceber, foi considerado anti-papa. É mais uma história de malheur associada ao nome Celestino. Sabe-se que o anti-papa Celestino II, apesar de ter sido eleito papa contra a sua vontade, exerceu honestamente o cargo entre 1124 e 1125. Mas, um dia, um chefe militar católico romano entrou com as suas tropas pela igreja onde estava Celestino II, que foi gravemente ferido. O dito chefe proclamou o cardeal Lamberto Scannarberchi como o verdadeiro papa e Celestino II, pouco antes de morrer por causa dos ferimentos recebidos, renunciou e, deste modo o Scannarbechi tornou-se Honório II.


Nestas histórias celestinas, não percebo porque que é que Celestino II, de seu verdadeiro nome Teobaldo Boccapecci, apesar de ser papa legitimamente eleito, apesar de ter reconhecidamente exercido o seu cargo até ter sido destituído e assassinado por um golpe militar, continua a ser considerado pela Igreja Católica Apostólica Romana como um dos seus 37 anti-papas. Deveria antes ser considerado um santo, um mártir, não? Na história do papado, que é longa de séculos, existem demasiados anti-papas, muita história mal contada, muita santa violência, não acham?




A minha associação de ideias a propósito do terramoto italiano começa nos dois papas Celestinos, cujas histórias, apesar de bastante semelhantes e igualmente lamentáveis, se distinguem pelo facto de um deles ser reconhecido como papa e santo e o outro ter sido enviado para as oubliettes, sem respeito nem glória. Mas, depois, deriva noutra direcção, para uma história de família.


É que no meu património genealógico familiar, existem três Celestinos. O mais antigo foi viver para Espanha e, além da mulher e de dois filhos, deixou por cá o seu afilhado, obviamente também Celestino, Este Celestino II era irmão da minha mãe e, consequentemente, meu tio, Aos meus olhos, era um personagem mágico. Tendo-se tornado, por necessidade sociológica, um ser urbano, de facto do que ele mais gostava era passear-se no verão pelos milheirais e apanhar passarada com costelos. No inverno, punha-se à espreita, com um chapéu de chuva virado ao contrário, das enguias trazidas pelas águas cheias do Mondego. Eu e o meu irmão seguíamos tudo isto intensamente. O nosso Celestino II, além de nosso herói e mestre, era também padrinho do meu irmão. E, assim, o meu irmão, submetido ao inevitável poder da tradição familiar, tornou-se o nosso Celestino the third. Só mais tarde soube que esta denominação era contra a sua vontade. Graças à minha associação de ideias, descubro agora a sua coerência de ter renegado o nome Celestino. Deixou de ser Celestino e, que eu saiba, não adoptou afilhados. End of the story, mas não da associação de ideias.

É que suspeito que esta denegação do nome Celestino não tenha a ver com o nome propriamente dito, mas mais com o sentimento do meu fraterno contra as melífluas lógicas de toda a espécie de santas cúrias que têm esmagado as almas e os destinos de muitas vítimas inocentes (Hitler, Staline, Mao, quantos milhões?).

A associação de ideias celestina não termina em família, termina no Bairro Alto, Diniz Machado, O que diz Molero, página 39: “ agora vamos medir as piças, é proibido esticar a pele para fazer a piça mais comprida, a vistoria das piças era efectuada na escada da tipografia do Celestino”. Quem seria este outro de nome Celestino? Personagem de banda desenhada?

A cena deste tipógrafo Celestino do Bairro Alto faz-me pensar naquela espécie de filme do Marco Ferreri, rodado nos anos 70 no buracão das ruínas das Halles de Paris, em que o Marcello Mastroiani fazia de General Custer.

Ou então, será este Celestino do Diniz Machado uma personagem misteriosa da Fleet Street do Bairro Alto? Provavelmente, a história não acaba aqui, tenho que voltar a ler o livro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Confesso que estava longe de imaginar que seria possível justificar a santa denegação do nome do fraterno com tamanha prosa cozida entre papas e anti-papas. Vou ficar atento ás tuas virtudes de blogger

Quanto ao nome, lembrei-me imediatamente da Sofia, Loren de seu nome, que bela em qualquer circunnstância, também foi uma bela moleira

A Toupeira disse...

Essa passagem de "O que diz Molero" lia-a eu em tom recitante nos jardins da Quinta da Bonjóia! E que leitura que foi. Mas longe de me lembrar do Celestino, agora. Ainda mais longe de fazer tanta associação.
E, Professor, o último post tinha um pouco de Demografia!