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terça-feira, 18 de outubro de 2011

A INDIGNAÇÃO E OS SEUS LIMITES


Não embarquemos em fantasias.


No último Sábado, 15 de Outubro, tivemos a manifestação dos “indignados”. Desfilaram do Marquês à Assembleia de S. Bento, deviam ser 30 mil, o que não é mau. Há sete meses, a avenida da Liberdade foi calcorreada por cerca de 100.000 peões da “geração à rasca”.


Geração à rasca, indignados, alguma coisa mudou entretanto?


Houve mudanças, claro, há sempre mudanças e nos tempos que correm seria um verdadeiro milagre se tudo continuasse na mesma.


Em 12 de Março, estranhamente havia um ar de festa, uma espécie de happening. A maior parte dos desfilantes, que provavelmente vinham para a rua pela primeira vez, manifestavam-se principalmente contra o Sócrates, ponto final. Palavras de ordem, projectos políticos, ideologias, objectivos? Sequência, consequências políticas? Foi toda a gente para a casa, a maior parte ficou à espera do Passos Coelho, o novo salvador da pátria.


Em 15 de Outubro, o percurso foi alterado, o pessoal marchou em direcção ao Rato e desceu para S. Bento manifestar a sua indignação. Indignação contra quê, contra quem?


Olhei com toda a atenção o desfile, as pessoas com as suas mensagens, pareceu-me tudo muito difuso, à frente da manifestação vinha uma grande cartaz com a fatídica percentagem dos 99% que tem sido brandida pelos manifestantes americanos do ocupy Wall Street, um cartaz proclamava a greve geral, não pagamos, ladrões, metam a troika no cu, quero trabalhar, lista interminável disto e daquilo.


Voltemos ao exemplo americano.


O adversário contra o qual manifesta o pessoal de Nova Yorque é Wall Street, o sistema financeiro americano e as injustiças sociais e a miséria de que são responsáveis. O adversário está perfeitamente identificado, e isso só traz vantagens.


Na década de 1960, os jovens americanos que vinham para a rua eram contra a guerra do Vietname. É sabido que este movimento venceu em toda a linha. Não apenas obrigou o governo do Nixon a acabar coma guerra e a fazer a paz com os vietnamitas, como mudou para sempre a sociedade e a cultura americanas.


Será que o movimento dos que querem agora ocupar Wall Street vai conseguir mudanças tão profundas como as que conseguiram os jovens americanos dos anos 60? Está tudo em aberto, o que é certo é que este movimento de 2011 não vai acabar depois de amanhã e vai, no mínimo, condicionar a evolução da política na cena americana.


Por analogia, perguntemos para nós próprios: qual o peso que poderá vir a ter o “movimento geração à rasca/indignados” na cena política portuguesa?


Primeira dúvida que nos vem à cabeça: trata-se dum movimento social ou dum movimento político?


É uma dúvida aparentemente sem sentido, porque pode haver movimentos sociais sem expressão política, assim como movimentos políticos sem expressão social.


Admitamos então que existem neste momento em Portugal movimentos sociais com uma forte base de sustentação, que tem a ver com a pobreza e o empobrecimento acelerado de vastos sectores sociais, o aumento do desemprego e da precariedade e a falta de perspectivas para a inserção dos jovens numa vida com futuro.


Quando é que esses movimentos passarão a reunir condições para se transformarem em movimentos políticos?


A resposta é simples, essa passagem só acontecerá quando os protagonistas, os dirigentes e actores daquilo que emergiu de repente como um vago movimento informal de massas, descobrirem qual a política que defendem concretamente.


Política no concreto, isso implica em primeiro lugar, identificar os adversários, o que remete na situação actual para se saber quem são os responsáveis pelo massacre social que está a ser cometido em Portugal e no espaço europeu.


Pensar o massacre social, económico e financeiro em Portugal e no espaço europeu. Comecem, então, por aí.


Pensar sobre as responsabilidades políticas de todos os protagonistas que têm gerido esse espaço nas últimas décadas. Pensar acerca dos projectos que estão neste momento em jogo e em confronto perante a iminência das falências em dominó dos países europeus do euro. Pensar sobre o fim inevitável do euro, pensar para além do imediato e do curto prazo.


Pensar sobre as responsabilidades à esquerda e à direita, definir alternativas que não sejam justificadas em nome de vagos consensos e interesses nacionais. O sr. Passos Coelho tem obrigação de saber que, no estado de miséria e decrepitude a que chegamos, isso dos consensos nacionais não existe.


Ele sabe bem disso e a sua agenda política é muito clara.


O Sr. Coelho sente-se na pele do Lénine quando este em 1917, diante dos efeitos devastadores da primeira guerra mundial e da deliquescência da monarquia czarista, percebeu que podia dar o golpe e tomar o poder em nome da revolução socialista.


O sr. Passos assume no seu íntimo, em nome da revolução neo-liberal e neo-capitalista que ambiciona para Portugal, o glorioso papel do revolucionário Lenine. O sr. Coelho aspira a ser reconhecido pelos seus patrões europeus nesse papel com todas honras.


Fantasias ingénuas e criminosas, estas que alimentam o espírito do sr. primeiro ministro. Nos seus devaneios neo-capitalistas, ele anda a fabricar amanhãs apocalípticos, não apenas para ele e para os seus correligionários e indefectíveis, mas principalmente para o exército dos tais 99% da população, que são os reféns desses devaneios.


Para os pobres, os muito pobres, para a gente daquilo que era chamado de classe média e agora é uma classe cada vez mais abaixo de cão. Tudo gente obrigada pela Sra Merkel e os seus lacaios Coelho e Gaspar a pagar os desvarios dos tenores do capitalismo.


Pensar a política no concreto, os rebeldes americanos que estão na rua, são os únicos a fazê-lo e, por isso, têm hipóteses de sucesso.


Vejo os manifestantes de 15 de Outubro desfilar e concluo isso da “indignação” tem os seus limites. É uma atitude moral, legítima, mas demasiado vaga, não se percebe qual é o inimigo que se pretende afrontar.


Não se faz política com sentimentos morais, tem que haver objectivos, tem que se saber quais são os adversários, tem que haver uma estratégia e um plano de acção.


O combate contra o massacre social que está a ser perpetrado pela direita que governa a união europeia e o euro precisa dum exército de autênticos combatentes armados de ideias claras, concisas e eficazes.


Podem ser combatentes indignados, a indignação alivia. Mas precisam de armas eficazes, armas que façam mal aos poderes que controlam o dinheiro e os seus circuitos. Armas que atinjam o coração da besta, o coração do capital.


Na guerra insidiosa que está a ser travada nesta época dramática, passa tudo pelo dinheiro.


De boas intenções está o inferno cheio.



1 comentário:

Anónimo disse...

Parcialmente de acordo.
Basta ter ouvido o jovem que pertencia à organização, com pena da polícia que eram tb funcionários públicos e que iriam tb ficar sem o 13º mês, etc. Já ouvi essa lenga-lenga há uns anos atrás, a propósito da PIDE que coitados apenas cumpriam ordens, blá-blá... Ora, isto é política e tu, tal como eu, sabes de onde vem. Essa gente está sempre pronta para fazer acordos.

josé António