Pode-se nacionalizar Deus?
Raio de questão, dirão muitos e muito bons espíritos.
Talvez sim, talvez não, dá que pensar…
Num daqueles debates com que nos massacram todas
noites nos canais de notícias da televisão por cabo, quando não estão dar
futebol, um distinto político da nossa praça, homem influente desde os tempos
do contra-prec, um distinto que dura desses esses tempos como aquele boneco que
quando eu era miúdo chamávamos o teimoso, o boneco ficava sempre em pé,
fizessem o que fizessem, esse distinto da nossa praça, que foi ministro e agora
é empresário e homem de bastidores e fazedor de ministros e de
primeiros-ministros, não vou fazer propaganda do nome, esse gajo, chamemos-lhe
assim, teve uma súbita inspiração que incita, não sei se era essa sua intenção,
ao debate democrático-teológico.
Percebi, mas talvez me engane, que se tratou duma
espécie de revolta pessoal, o homem está e sempre esteve empenhadíssimo em
ganhar muito dinheiro e influência e logicamente está a aproveitar, como muitos
outros da sua laia, na sua arrogância de classe, estes tempos de desgraça, de dívida,
insolvência, bancarrota para chegar lá acima, cada vez mais alto.
Na liberdade e no estatuto plenos de estrela do
novo regime que consolidou graças ao estado de troika que nos governa, naquela
conversa de tv onde estava vendendo o seu peixe, o homem inadvertidamente
soltou uma espécie de grito de revolta contra todos quantos refilam, se indignam
e se sentem humilhados. Um grito de quem se sente ameaçado num privilégio, que no
seu pensamento de executivo exclusivo só pode estar ao alcance de muito poucos,
aqueles que gozam do privilégio da protecção da divina providência contra
quaisquer espécies de pobreza ou dificuldades.
E o homem gritou num assomo de completa
sinceridade e desassombro: “há para aí muita gente que pensa que pode nacionalizar
Deus!”
Não fiquei estarrecido, apenas surpreendido,
confesso que nunca tinha pensado nisso, nessa solução que afinal parece óbvia.
Se Deus realmente existe, por que razão é que não é há-de pertencer a todos,
por que é que não se pode nacionalizar?
Saudemos então a súbita clarividência do distinto
político, empresário e fazedor de ministros. Afinal, o homem, está confirmado,
não é um cromo, grande crânio!
Imaginemos, por um momento, que por
referendo, imaginemos que o povo decidia nacionalizar Deus.
Imaginemos que o próprio Deus ele próprio
ratificava essa decisão e decidia em plena consciência pôr a divina mão por
cima de todos nós, sem distinção de classe, de riqueza, pobreza, inteligência,
idade, sexo, eu sei lá, de igual modo a todos nos abençoava e nos protegia dos
desmandos dos poderosos, dos corruptos, dos políticos e da generalidade dos
vigaristas que mandam neste desgraçado mundo.
Seria um milagre de Deus ou do povo?
Deus é grande e o povo o seu profeta.
Está visto, nacionalizemos Deus, Deus igual para
todos, para ateus, crentes, agnósticos, políticos, vigaristas, ladrões, gente
boa, criminosos, pobres, dementes, gente séria, gente trabalhadora, bons pais,
maus filhos, leiam as páginas amarelas.
Reino de Deus, democracia, a ideia geral é essa.
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