As férias são um bom momento para viajar. Mas pode-se viajar sem estar em férias. Provavelmente a melhor maneira de viajar é ler um bom livro no calor íntimo do inverno com o frio e o vento a soprarem lá fora.
Mas as férias têm a seu a favor a disponibilidade, vai-se andando, encontrando pessoas, coisas novas e até recordações. Viajar, estar em férias pode ser bom para se encontrar os outros, reconhecer, inventar novos lugares, sabermos em que mundo vivemos.
É que o mundo em que vivemos não é de hoje, tem muitos anos por detrás, sejamos humildes, procuremos os sinais do que vem daqueles tempos. Nós pertencemos a um mundo muito velho, ou seja, antigo, cheio de lições, de caras, de rostos, de gestos, de personagens. Finito l’introito, ite missa est.
Fui às Terras do Demo. Mas que diabo é que é isso das terras do demo? Aquilino Ribeiro, sabem quem é?
Não vou falar do Aquilino Ribeiro, claro que sabem quem é.
Aquilino era o inimigo de estimação do Salazar. Não admira porquê. Ambos tinham a ver com a Igreja. Pudera! Nesses tempos, havia alguma coisa para além da Santíssima Igreja Católica Apostólica Romana?
Aquilino era filho de padre, andou pelo seminário, o Salazar não era filho de padre mas consagrou-se à Igreja, era o que restava aos jovens desse tempo. Pobre Salazar, nunca foi muito além de Santa Comba, foi até Lisboa, passando por Coimbra. Lá conheceu o seu dilecto amigo futuro cardeal Cerejeira, moraram no Palácio do Grilo e depois fundaram o Centro Académico da Democracia Cristã, CADC.
Mas voltemos ao Aquilino. Salazar odiava-o, porque eles eram muito parecidos e, ao mesmo tempo, completamente desiguais. Ambos eram do distrito de Viseu, o Cavaquistão como diríamos hoje, o Salazar era de Santa Comba Dão, quem não sabe isso, o Aquilino era do Carregal da Tabosa, concelho de Sernancelhe.
O Salazar era reaccionário e beato, Aquilino tornou-se anarquista, deitava bombas, era anti-clerical. As voltas que o mundo dá.
Porquê toda esta história de verão?
É porque nos meus encontros de Verão ela me lembra muitas histórias antigas mas actuais.
Estive na terra do Aquilino, vi coisas novas, interessantes e lembrei-me de coisas passadas.
Lembrei-me do meu amigo Dr. Amadeu Baptista Ferro, veterinário, algarvio de Tavira que, por idealismo, decidiu transplantar-se para o cimo do distrito de Viseu, lá onde morava toda aquela gente muito pobre, os agricultores que pouco ganhavam para dar sustento á família. Ele resolveu ir para lá ajudá-los.
Um homem de estilo, aristocrata do espírito, democrata no trato com todos, sobretudo com os mais pobres.
Um espírito inquieto que a certa altura decidiu, isto nos anos 60, que era preciso homenagear o Aquilino, homenagear o seu génio, o seu testemunho daquele mundo perdido entre pedras, meio pagão e taumatúrgico, aquela miséria e aquela grandeza das gentes que conseguiam sobreviver contra as fatalidades a desafiar o destino.
A ideia do Dr. Ferro, o seu combate passou a ser construir uma biblioteca-museu Aquilino Ribeiro nas terras do Demo, em Moimenta da Beira.
O Salazar não gostou nada da ideia, a história meteu PIDE, homens de palha políticos da união nacional, dava um filme. Quem é que se interessa por estas coisas? Memória é coisa que dá demasiado trabalho, deixemos isso para o pessoal de Hollyood.
Só que agora nestas férias de verão, nestas viagens dei-me conta que o Aquilino é a imagem de marca para tudo o que é produtos da antiga beira-douro, vinhos, hotéis, artesanato, eu sei lá.
Agora põem a chipala do Aquilino em tudo o que é produtos regionais made in terras do Demo, a velha beira-douro dantes desconhecida e desprezada.
Abençoado Dr. Amadeu Baptista Ferro, meu amigo querido, herói da resistência à ditadura. Saravah!
Nesta história de Verão, de férias, ficam ainda muitas outras coisas para contar. Como diria o António Cartaxo, Portugal é uma história sem fim. O tempo vai correndo, não fujam, ele corre atrás de nós.
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