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quinta-feira, 16 de julho de 2009

ROTAS DA SEDA?

Comecei a ouvir falar dos uigures há pouco tempo a propósito do encerramento de Guantanamo (sinistra palavra!) e do destino de não sei quantos desgraçados inocentes apanhados nas teias dos srs. Bush/Cheney.

Os chineses intrometeram-se na história da libertação de prisioneiros inocentes, e ameaçaram os países que tivessem a ousadia de acolher os prisioneiros uigures que, sem terem feito mal a ninguém, há vários anos estão à conta dos americanos guantanamarros.
É que esses muçulmanos são propriedade do Estado chinês, não têm outro sítio para onde possam ir, diz o comité central.

A China é um mosaico muito complicado, com pelo menos 56 grupos étnicos. Nesta diversidade toda, além dos tibetanos, os uigures são a principal espinha encravada na ideia de uma China imensa, poderosa e una. É que eles são muçulmanos, têm uma longa história e uma língua, uma cultura e uma identidade próprias. Não são chineses, não se sentem chineses, as suas raízes são turcas. Em 1933 proclamaram a independência da república do Turkestão Oriental, mas isso durou apenas 16 anos, em 1949 caíram sob a égide do Mao, que durante a revolução dita cultural fez os possíveis por lhes fazer a vida negra.

Os graves incidentes, com talvez centenas de mortos e muitos prisioneiros, que ocorreram recentemente, mostram que existe ali no Xinkiang uma situação muito complicada. Rebiya Kadeer, líder e porta-voz do povo uigure, exilada nos EUA desde 2005, acusa o governo chinês de ter cerca de 100.000 uigures na prisão por motivos políticos e religiosos e desafia a China, se quer ser um país respeitado, a respeitar os direitos de quem vive sob a sua autoridade.



Pois é, a eterna questão dos direitos individuais e da liberdade, como se sabe, os comunistas chineses detestam que se fale nessas coisas.

O Antigo Turkestão Oriental, actualmente província autónoma de Xinkiang, a maior do território chinês e cuja população é, em cerca de metade, constituída por uigures, foi um dos pontos de passagem mais importantes da rota da seda.

A rota da seda é uma velha história, terá começado por volta de 200 anos antes de Cristo, quando os chineses começaram a exportar a dita seda, através do Médio Oriente, para o Mediterrâneo e daí para a Europa via Itália. Quem deu cabo desta rota, que não era apenas de seda, foi o Vasco da Gama quando em 1498 chegou por mar à India.

Esse tráfego através de desertos, montanhas e vales era principalmente um veículo de encontro de civilizações e de culturas, que é sobretudo para isso que serve a nobre actividade do comércio. Comércio pacífico, entenda-se.

O que é que tem a ver a rota da seda com esta história do Xinkiang, da China dos Han e dos Uigures? Tem a ver com o futuro.

Tem a ver com o futuro, porque tem a ver com liberdade, tem a ver com as potências ditas emergente com a China à cabeça.

Na Europa, o reconhecimento dos direitos individuais, da liberdade e da democracia precederam e permitiram o desenvolvimento do capitalismo. Não era, não tem sido tudo perfeito, longe disso, os capitalistas tomaram o freio nos dentes, mas as liberdades políticas aí estão para se combater os desmandos dessa gente. Só não combate quem não quer.

Pelo contrário, na China, aparece o capitalismo, o enriquecimento, a sobre-exploração da força de trabalho, os trabalhadores sem direitos, com pseudo-sindicatos submetidos ao partido único. E as liberdades? Será a ordem dos factores arbitrária? Ou seja, primeiro o capitalismo e depois as liberdades políticas? Será isso possível?

Previsões, previsões, quem poderá fazê-las num caso destes? Sejamos modestos: parecem existir condições para um tremendo imbróglio político que a China e o seu regime terão que afrontar num futuro não muito longínquo, internamente por via de todas as tensões étnicas e sociais que se têm vindo a acumular e externamente por via principalmente das tensões que se vão acumulando nas fronteiras com os antigos parceiros da rota da seda, parceiros muçulmanos que tenderão a olhar cada vez mais para oriente.


Nesse olhar de confrontos, o Xinkiang e os uigures já estão na primeira linha.
Tem a ver com o futuro, sim. Há uma longa aprendizagem a fazer nestes territórios da antiga rota da seda, China, Irão, Israel, Líbano, Turquia e em muitos outros países do comércio global, que é a aprendizagem da liberdade.

Tem-se dito e tem-se invocado o falacioso pretexto de que o não respeito dos direitos individuais estimula o arranque e o crescimento económico, ou seja, em terra de pobres a liberdade seria um luxo desnecessário.

Ora, Amartya Sen dixit,as liberdades individuais são determinantes da iniciativa individual e das dinâmicas sociais, sem as quais não há desenvolvimento. Porque, o desenvolvimento é um compromisso baseado no compromisso da liberdade e só assim poderá ser, só assim, com estes compromissos com o outro, com os outros, se poderá acabar com todas as guerras e guantanamos onde se aprisionam gentes indefesas.


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