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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TRAIÇÕES E JUSTIÇA DE CLASSE



Já dura há duas ou três semanas o folhetim das secretas.


Foi o Expresso que começou com a história, o primeiro-ministro Coelho foi desmentindo, o jornal foi insistindo e lá vai conseguindo vender imenso papel.


Esta história continua a ser o principal tema da actualidade nacional, os jornalistas locais não pensam noutra coisa.


A crise apocalíptica do euro, do dólar e das suas consequências para tantos países e tanta gente mal se dá por ela. Vivemos noutro mundo, é um mundo de pacóvios orgulhosamente virtuais.


Temos as secretas, os média entretêm-se com pormenores inócuos e repetitivos. Factos há poucos, explicações, conclusões, nada.


Depois de tanta insistência, a questão acabou por ser levada ao parlamento e um senhor que já foi deputado, mas que agora já não é, apareceu na televisão a dar explicações, não percebo quem é que o nomeou ou elegeu para aquele lugar. Deu a entender do alto da sua responsabilidade que não percebi qual é que que sim, que houve fugas. Mas não adiantou mais nada.


Nas entrelinhas, pode-se perceber que o homem tem os calos apertados.


Não diz textualmente, por exemplo, sim esse gajo que era director do SIEM (ou SIDEM, pouco importa o nome) arranjou emprego com um grupo de capitalistas altamente especuladores e atirados para a frente, é gente que não é para brincadeiras. E vai daí, esse tal director, para merecer o seu novo emprego, deu umas dicas, passou informações à empresa privada que depois o contratou.


Não afirmou, não desmentiu, nem sim nem sopas.


Ora, aqui, neste ponto, se tivéssemos gente séria, intelectuais, políticos, jornalistas, este assunto já deveria estar, no mínimo, plenamente esclarecido quanto às suas implicações e futuras e prováveis consequências jurídicas e políticas em relação aos presumíveis implicados.


O tal director deu ou não deu as informações à tal empresa para a qual actualmente trabalha? Apure-se rapidamente.


Se deu, qual é o crime, qual é a pena em que incorre? Trata-se apenas duma lastimável fraqueza humana, dum delito menor, duma distracção, ou será que a coisa é muito mais grave?


Por mim, que não sou jurista, mas pago impostos, voto, sou um cidadão muito preocupado com o seu país, por mim, não tenho quaisquer dúvidas. Se o presumido implicado deu as tais informações, trata-se dum caso de alta traição ao Estado, à Democracia e ao país. Ponto final parágrafo.


Se tal é o caso, isso terá que meter prisão imediata, tribunal marcial, não sei bem, uma alta jurisdição., pesadas penas. E porquê?


Serviços secretos é uma coisa que não deveria existir, mas se existe, essa existência deve ser justificada por uma necessidade inadiável, premente, em suma, uma necessidade absolutamente necessária. E qual poderá ser essa necessidade? Necessidade óbvia e exclusiva, a de proteger o Estado dos seus inimigos exteriores, digo exteriores, não estou a falar em inimigos interiores.


Para isso, para defender o Estado contra os seus inimigos interiores, para essa função tivemos durante anos e anos uma coisa que se chamava Política Internacional de Defesa do Estado. A PIDE era internacional, sim, ela perseguia os dissidentes e oposicionistas ao regime fascista que viviam refugiados no estrangeiro. Defendia o Estado? Sim, defendia o Estado Novo. Defendia este Estado dos seus adversários interiores.


Mas, as secretas actuais inovaram em relação à PIDE. Elas aparentemente não se limitam apenas a defender o Estado dos seus inimigos interiores. Há razões para pensar que se dedicam a uma outra actividade, certamente muito lucrativa para quem a ela se dedica, que é a de fornecer informações valiosas a grupos económicos interiores que procuram conquistar negócios e posições de poder a desfavor dos seus outros concorrentes interiores.


O que é que defendem hoje as secretas, são várias para disfarçar mas fazem todas o mesmo trabalho, o que é que elas fazem? Escutam, perseguem os inimigos do interior, sindicalistas, políticos da oposição, gente que contesta os governos. É para isso que são pagos os espiões que temos, e isso sempre foi assim desde que esses serviços foram criados para suceder à PIDE.


Espiam pessoas, espiam principalmente aqueles que têm algum poder e influência. E para que é que isso serve? Para várias coisas, depende, as informações são seleccionadas conforme os destinatários.


Há o governo, há os partidos de poder, há os grupos económicos e financeiros, o pessoal da pesada, o pessoal que tem de facto poder, que ganha dinheiro, muito dinheiro.


Os grupos que podem pagar informações a directores de secretas, que têm todo poder e meios para os comprar.


Comprar informação, comprar informadores, tudo isso faz parte do esquema da corrupção que manda no país, tudo isso é utilizado e controlado pelo sistema que afundou Portugal na miséria actual. As secretas são uma peça-chave das máfias que sugam o país, voilà la vérité de que ninguém fala.


Então, meus senhores, já que vão à televisão, já que escrevem nos jornais e dão as vossas notícias e tecem os vossos comentários.


Vá lá, não sejam mais corruptos do que esses funcionários que fazem panelinha com os poderosos corruptores que nos destroem como país e como democracia. Não sejam mais corruptos do que esses altos funcionários que se vendem. Saibam distinguir, apontem, estas coisas são demasiado sérias e graves, não são show business.


Haverá ainda, nos escalões mais altos da administração e do Estado, responsáveis honestos e devotados ao serviço público e à defesa do Estado democrático? Deverá haver alguns, acredito que há aí gente inteiramente séria e devotada.


E o pessoal das secretas?


É um mundo obscuro, é um mundo opaco em que cada comparsa pode tirar as castanhas do lume, ninguém os controla, a não ser que se seja para “pequenos” trabalhos de conspiração bem remunerados.


Se se confirmar que esse tal director duma secreta passou informações à tal empresa, prejudicando com isso outros concorrentes da dita empresa, se esse tal de director se serviu das suas funções para ganhar dinheiro e poder e se “esqueceu” das obrigações que o ligavam ao Estado, se tudo isso se confirmar, esse cavalheiro e todos os que com ele colaboraram nessa conspiração, todos devem ser acusados de alta traição ao Estado português e condenados na devida proporção da gravidade dos seus crimes.


Porque, meus senhores - se é que alguém vai ler esta legítima diatribe - tudo isto começa a ser demais.


Por coincidência, soube hoje já quase no fim do telejornal, depois de todas as tretas a propósito do caso das secretas, que uma mulherzinha, uma camponesa de Tràs-os-Montes de 60 anos, anos que, imagino, passou a trabalhar no duro, essa senhora foi hoje inculpada pelo tribunal porque a guarda republicana descobriu em casa dela umas carabinas, umas armas e umas munições. Não a apanhou a dar tiros ou a assaltar um banco ou pessoas. Não, a mulher tinha lá em casa o tal material bélico que nem sequer lhe pertence, parece que é dum filho emigrado em França. Foi inculpada, a justiça tomou conta dela.


Cada país tem a Justiça, os governantes e os altos responsáveis que merece.


Apostam que, daqui até ao fim do mês, não se vai voltar a ouvir falar da história das secretas?


As secretas não passa duma ligeira febre de verão para alimentar as notícias. Rapidamente, vai ser esquecida. Outras razões para que isso aconteça, aliás, não faltam.


Não se esqueçam, o mês de Agosto é um mês muito perigoso. Praga 1968, Polónia 1939, Moscovo 1991, só três exemplos.


E Agosto 2011 cheira cada vez mais a crise global a sério.
Os mediáticos de serviço terão, pois, mais com que se preocupar e nós também.


E quanto à velhota apanhada pela GNR? Provavelmente, vai apanhar alguns anos por ameaça à ordem e segurança públicas.


Justiça de classe, república das bananas, não saímos disso.



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