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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

74% DE DIVÓRCIOS EM 2011?


 
 
 
O texto que vem a seguir foi escrito para ser publicado num jornal diário, cujo nome não vou referir. À última da hora, o dito cujo resolveu dar o dito por não dito. E, assim, a prosa veio aterrar no bela moleira. Não podia ficar na gaveta e, além disso, vamos variando de tema, se bem que na triste época em que vivemos, o tema é sempre o mesmo: todos os maus caminhos vão sempre dar ao Estado a que isto chegou .

Segundo os “Indicadores Sociais” de 2011, publicados recentemente pelo INE, em Portugal ter-se-iam registado 74,2% de divórcios por cada 100 casamentos, em 2011. Uma verdadeira hecatombe!

 

O INE, a quem cabe a exclusividade da publicação de informações estatísticas sobre a população e a sociedade de Portugal, - informações que se supõe serem credíveis e cientificamente bem fundamentadas - continua a insistir na divulgação de um indicador que designa por “nº de divórcios por 100 casamentos”. Este indicador é apresentado, desde há muito tempo pelo instituto de estatística, como sendo a medida que sintetiza anualmente a intensidade da divorcialidade em Portugal.

Que eu saiba, os resultados publicados pelo INE nunca foram objecto de qualquer reparo. Significa esse silêncio que o indicador oficial da divorcialidade em Portugal é credível? Na realidade, trata-se de uma medida cientificamente inadequada e os seus resultados apenas têm contribuído para iludir e deformar a realidade da frequência do divórcio em Portugal.

O INE calcula a sua “medida” do divórcio através dum quociente entre o número de divórcios e o número de casamentos que ocorreram durante o mesmo ano civil.

Assim, tendo sido celebrados, em 2011, 36.035 casamentos e decretados 26.751 divórcios, resulta, de acordo com a metodologia do INE, que durante esse ano a divorcialidade foi de 74,2%! Trata-se de uma pura fantasia estatística.

 

Temos que ter presente que, para se analisar a intensidade da divorcialidade, ou seja, para se saber quantos divórcios acontecem num determinado período, é necessário calcular um indicador que, em demografia, é designado por "indicador conjuntural de
divorcialidade", indicador que resulta da soma de taxas específicas de divorcialidade por
duração de casamento.

No cálculo das taxas de divorcialidade, devemos ter em conta simultaneamente o número de casamentos celebrados pelo menos durante os últimos 35 anos e os divórcios que em 2011 terminaram com uniões entre pessoas que se casaram ao longo desses 35 anos.

Consequentemente, a intensidade da divorcialidade em 2011 não pode ser medida através duma relação puramente mecânica entre o número de divórcios e o número de
casamentos registados em 2011. Algumas razões óbvias que mesmo um não demógrafo compreenderá: 1) a maior parte dos divórcios que ocorreram em 2011 dizem respeito a casamentos mais antigos; 2) as tendências da nupcialidade não são constantes, muito pelo contrário; desde o início dos anos 1980, elas têm sofrido fortes variações.

A nupcialidade portuguesa tem vindo a baixar drasticamente, é um facto indesmentível. Passou-se de uma percentagem de 80% de primeiros casamentos há cerca de trinta anos para cerca de 40%. Actualmente, mais de metade dos homens e mulheres em idade de casar permanecem celibatários e os que se casam, casam-se cada vez mais tarde.

É à demografia que compete medir o que se passa com as tendências da divorcialidade. É que a divorcialidade é um fenómeno tão demográfico como são a mortalidade ou a natalidade, e por essa razão, ela tem que começar por ser estudado pela análise demográfica.

Sobre os indicadores que medem a divorcialidade em Portugal, o INE tem a obrigação de publicar informação cientificamente irrepreensível e não é isso que está a acontecer.

Deve ter presente que as rupturas de casamento por divórcio num determinado ano atingem casamentos de diferentes durações, casamentos mais recentes a par de outros mais antigos. Os divórcios de 2009, por exemplo, abrangem casamentos que ocorreram grosso modo entre 1974 e 2009. Ora, enquanto em 1974 foram celebrados 103.125 casamentos, em 2009, apenas foram registados 40.391.

A relação entre o acontecimento casamento e o acontecimento divórcio é essencial e aconselha que a frequência do divórcio seja medida de preferência na duração de casamento, através de taxas por duração de casamento, cuja soma nos permite conhecer a medida exacta da intensidade da divorcialidade num determinado ano.

A partir destas taxas podemos também construir  tábuas de divorcialidade que, além da frequência do divórcio nas diferentes coortes de casamento, descrevem o calendário da divorcialidade, ou seja a distribuição do número de divórcios por cada duração de casamento. Esta descrição permite obter um outro valor sintético essencial que é a duração média dos casamentos que acabam em divórcio.

Não vou obviamente entrar em pormenores. Para quem estiver interessado em aprofundar os aspectos metodológicos das medidas do divórcio – e espero que esta matéria interesse ao INE – poderá consultar o meu texto “Análise demográfica transversal do divórcio: questões de método”, publicado em Junho de 2012 no livro Diafanias do Mundo. Homenagem a Mário F. Lages, pela Universidade Católica Editora.

Para concluir e exemplificar, deixo alguns dos resultados que obtive no meu trabalho.

Em Portugal em 2009, por cada 100 casamentos foram decretados 43,47 divórcios. Valor que é dos mais elevados da Europa, mas que não tem nada a ver com os fantásticos 74,2 divórcios anunciados pelo INE para 2011.

Em média, em 2009, os casamentos rompidos por divórcio duraram 13,18 anos. Sobre esta outra questão tem o INE alguma informação?

 

1 comentário:

Humberto Pinto disse...

Primeiro que tudo, obrigado.
Talvez se o artigo exclamasse sobre a infelicidade e desnorte de um povo à beira da rutura, onde três quartos dos casamentos fracassam fosse parar uma primeira página qualquer. De lamentar a passividade dos responsáveis do INE que produzem estas estatísticas, por não dignificarem os trabalhadores da função pública. De lamentar os editores dos jornais que menosprezam informações como estas.