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domingo, 3 de março de 2013

PÓS-TROIKA OU REVOLUÇÃO?


Portugal chegou àquele limite patético e dramático em que não se sabe para que lado é que as coisas vão cair.

Senti isso hoje na Avenida da Liberdade, vendo desfilar a multidão imensa e interminável de pessoas, que no dia-a-dia nem sequer olham umas para as outras, mas que ali iam todas juntas e unidas avenida abaixo, em silêncio, ou gritando e cantando, muitas com os seus cartazes feitos à mão no chão da cozinha. Pessoas que não iam a fazer a passeata do sr. Alexandre dos Santos, que amealha milhões e paga impostos na Holanda.

Que sentimento comum de revolta une todos aqueles milhares e milhares de pessoas tão diferentes entre si?

Sentimento de espoliação, de humilhação, de perda de direitos que eram intangíveis até há pouco tempo, sentimento de perda de identidade, sentimento de perda de futuro, sentimento de terem sido enganados por aqueles em quem votaram e que, com o poder que lhes foi dado por esse voto, em nome dessa legitimidade eleitoral, decidiram que doravante as pessoas deixavam de ser gente e passavam a ser apenas números nas contas do défice, da dívida e do orçamento.

Para onde é que tudo isto vai pender?

O governo do sr. Coelho navega, consoante os dias e a inspiração dos seus assessores, entre diferentes cenários, entre diferentes discursos, inócuos e incongruentes, fantasistas e contraditórios.

Navega como um náufrago no meio do mar que esbraceja e grita por socorro.

A última trouvaille deste náufrago são os planos, sobre os quais começou a falar, para o pós-troika.

Este governo faz de conta que tudo está a correr como previsto, que as contas públicas, o défice, a dívida externa isso está tudo a ser resolvido e que já é tempo de pensar o que é o que país vai fazer para “voltar à normalidade”, sem troika, sem ajustamentos, sem juros exorbitantes, com crescimento, sem desemprego.

O que se depreende de toda esta comédia é que esta gente que, de governo tem o nome e mais nada, apenas está preocupado em chegar a 2015 e tentar então a sua chance de ser reeleito. Extraordinário!

Falemos então dessa história do pós-troika. É uma questão que vem muito a propósito da manifestação de hoje, 2 de Março de 2013.

A multidão que se manifestou na multiplicidade enorme das suas convicções feitas de raiva, desespero, resistência à injustiça e à ditadura dos poderosos, enquanto vai caminhando no espaço grandioso da sua indignação, está intimamente confrontada com o dilema do tal limiar patético e dramático: o que é que se pode fazer? O que é que podemos fazer? Haverá alguém que nos defenda, alguém em quem confiar, alguém que tenha respostas, soluções para este país que se tornou miserável, pobre e desempregado e sem futuro?

Onde é que está o drama dum tal dilema?

Perda de liberdade, perda de soberania. De facto, ao contrário da canção do Zeca Afonso, vivemos num tempo em que não é o povo quem mais ordena. É triste, mas é assim.

Quem é que ordena, vivemos às ordens de quem?

Vivemos às ordens dum Big Brother escondido por detrás das muralhas da sua conspiração, um Big Brother com várias faces.

É o Big Brother ganancioso do capitalismo financeiro.

É o Big Brother germânico que manda e comanda a nomenklatura de Bruxelles e de Frankfurt.

É o Big Brother do FMI e do Goldman Sacks.

É o Big Brother dos banqueiros portugueses que, às ordens dos seus grandes accionistas, mandam em S. Bento.

O que pode fazer o povo que desfila no grandioso espaço público da sua indignação e do seu desespero?

Esperar por um D. Sebastião ou um qualquer gauleiter, ou um Beppe Grillo?

Esperar por uma coligação de esquerda?

Sejamos realistas.

A enormidade da tarefa, passe o pleonasmo, é verdadeiramente enorme.

Coligação de esquerda? Essa gente de esquerda que aparece no parlamento e na televisão faz-me lembrar aqueles inúteis torneios medievais dos cavaleiros que lutavam uns contra os outros para defender pergaminhos genealógicos, de honra e privilégios.

A gente de esquerda que temos continua, tal como esses cavaleiros, a degladiar-se por causa da revolução soviética, ou são estalinistas, ou trotskistas, ou maoistas, ou social-democratas, Kautsky, Martov, Bernestein, revisionistas, eu sei lá. São políticos que infelizmente não têm nada de novo para dizer, limitam-se a ocupar o seu pequeno território eleitoral na sala do parlamento e vêm para a televisão chatear-nos com as suas cassetes.

Da direita, nem vale a pena falar.

Por que a direita não é importante? Não, não se trata disso. Mas, da mesma maneira que a esquerda há muito entrou em processo de decomposição e falência, quando se fala de direita, não se sabe muito bem do que é que se trata. Ou seja, percebe-se, que, em geral se trata de tertúlias de políticos que estão ali para defender os interesses dos grandes poderosos e dos amigalhaços.

Direita liberal? Direita social? São essas as matrizes do actual governo? Aumento tsunâmico de impostos é próprio da direita liberal? Espoliação dos trabalhadores assalariados e dos reformados e condenação à miséria das famílias e dos jovens que querem ter filhos e ter a sua própria família é a direita social cristã?

Esquerda, direita, direita, esquerda, esquerda moral, direita social, direita conservadora, esquerda social, nada disso existe, quando desfilamos na avenida da liberdade é como se estivéssemos a atravessar o deserto do Calaári.

Manifestamos então para quê?

Para agradar ao sr. Alexandre do Pingo Doce?

A ideia de pós-troika é mais uma vigarice do sr. Coelho e daquele que lhe fala ao ouvido, o sr. Gaspar. Eis a verdade da comédia discursiva do dia após dia de um Governo armadilhado pelos resultados catastróficos das suas artimanhas e mentiras.

Não haverá pós-troika pela simples razão de que, tendo passado pela suprema humilhação do castigo que lhe foi imposto pelo directório germânico, Portugal continuará ad eternum sob vigilância, obrigado a prestar contas e a pedir autorizações para isto e para aquilo, a submeter o seu orçamento à douta aprovação dos burocratas de Bruxelles e de Frankfurt.

Não haverá pós-troika, pela suprema razão de que Portugal continuará a ser cada vez mais uma minable portion nos jogos de poder do fascismo financeiro internacional.

Abreviemos então. Como diria Lenine nos tempos áureos em que projectava subtrair o poder ao czar de todas as Rússias, que fazer?

Obviamente, impõe-se uma revolução. Não apenas uma, digamos, para sermos mais precisos, várias revoluções.

Revolução contra a União Europeia, o que implica, para começar, um referendo acerca da nossa adesão aos tratados e da pertença às instituições do citado monstro e ao euro.

Revolução contra o sistema financeiro dominado por poderes clandestinos e selvagens cujo único objectivo é a ganância de mais dinheiro, mais lucros, mais poderes e mais destruição. O que implica uma férrea regulação das élites bancárias que têm por aí andado à solta em território conquistado. Banqueiros que se consideram cavaleiros do Santo Graal, intocáveis máfias.

Revolução identitária, revolução cultural além de política, baseada na justiça, na solidariedade, na economia social, no reconhecimento do mérito e do dever de preservação e valorização dos recursos naturais e humanos do país, na promoção da equidade social, da educação e promoção individuais, da saúde e da equidade territorial.

Anti-consumismo, pleno emprego, promoção da natalidade, descentralização administrativa e territorial, valorização do interior e combate às desigualdades demográficas. Um nunca acabar de programas com um único objectivo: conciliar modernidade e história, passado e futuro do país, valorizar os seus recursos contando apenas com as suas próprias forças. O que não significará isolamento. Portugal, país cosmopolita e plenamente europeu, digno da sua herança de país pioneiro da modernidade, de grande navegador precursor por entre os grandes oceanos. Um país livre e orgulhoso dos seus novecentos anos, que saiba projectar-se e se faça respeitar no mundo por aquilo que é capaz de fazer e não por pertencer à mortal utopia chamada união europeia, a que pertence apenas enquanto serventuário e obediente lacaio.

Desfilemos no grande espaço da nossa indignação, sejamos capazes de, em primeiro lugar, nos enfrentarmos a nós próprios. Enfrentemos as ditaduras que nos querem submeter e humilhar. Façamos a nossa revolução e, para isso, desfilemos tantas vezes quantas as que forem precisas. É a nossa dignidade que está em jogo.

 

 

 

 

 

 

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