Este texto foi aqui escrito há
quatro anos. Vale a pena relembrá-lo. Há coisas que não podem ser apagadas da
nossa memória.
Abril parece ter o signo de ser
um mês consagrado a efemérides. Agora, temos o dia 25, não se sabe bem por
quanto tempo ainda. Mas, no Estado Novo, os dias de comemoração eram outros.
Havia o dia do aniversário do
Salazar, acho que era no dia 27, na escola chateavam-nos, os professores tinham
que fazer o elogio do grande chefe, mestre e redentor da Pátria, os putos
fingiam que ouviam.
Mas há outro dia de Abril de
que me lembro muito bem, continua a impressionar-me essa data, o 9 de Abril.
Desfilavam então nas ruas,
aperaltadas e sorridentes, cheias da sua importância, umas senhoras que
pespegavam, em troca de umas moedas de 25 tostões, nas lapelas dos senhores bem
vestidos, um pequeno capacete de lata, sempre me apeteceu ter um, era um
objecto fascinante, um pequeno capacete militar, percebi mais tarde que pretendia
representar os soldados portugueses sacrificados da matança de La Lys.
La Lys é o nome
duma ribeira e o vale que a acompanha, situados na Flandres, na Bélgica. Neste
bucólico local, as tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha no dia
9 de Abril de 1918, perderam cerca de 7500 homens entre mortos, feridos,
desaparecidos e prisioneiros, ou seja, mais de um terço dos efectivos, entre os
quais 327 oficiais.
Foi a mais estrondosa
derrota de tropas portuguesas desde a batalha de Alcácer-Quibir.
O massacre prolongou-se até ao dia 29, faltavam poucos meses para terminar
a grande guerra. A grande guerra que inaugurou o que se esperava fosse o grande
século do progresso, do telégrafo, da electricidade, dos telefones, da
telefonia sem fios, dos electrodomésticos, do Ford T, and so on. De facto um
século de massacres. Et ça continue.
Essa guerra, grande ou como queiram chamar-lhe faz-me pensar noutra
efeméride.
Em 31 de Julho
de 1914, três dias antes de começar a primeira grande matança moderna, um
extremista belicista de extrema direita, cujo nome me recuso a nomear,
assassina às 9 e meia da noite Jean Jaurès quando este jantava no Café du Croissant,
na rue Montmartre, uma pausa antes de se dirigir à sede do jornal que fundara,
l´Humanité, para escrever mais um apelo contra a ameaça de guerra tecida pela
Alemanha, pela Áustria, pela Rússia e outros interesses nacionalistas
esquizofrénicos.
Estas intrigas
tinham-se acelerado após o atentado de Sarajevo, em 28 de Junho de 1914 e
Jaurès tentou organizar uma greve geral dos países europeus ameaçados pela
guerra. Era o mais eminente opositor a essa guerra fratricida, mas infelizmente
os seus esforços fracassaram.
Em 29 e 30 de
Julho, Jaurès vai a uma reunião da Segunda Internacional Social-Democrata em
Bruxelas, que ele convocara. No dia 29, à noite, num comício contra a guerra,
Jaurès e os dirigentes do Partido Social-Democrata Alemão são aclamados e no
dia seguinte os dirigentes da Segunda Internacional votam por unanimidade um
apelo a favor de manifestações contra a guerra.
Mas, no dia
seguinte, o assassinato de Jaurès precipita tudo, rompe-se a unidade da
esquerda contra a guerra, a maioria dos social-democratas e socialistas passam
a apoiar os seus governos beligerantes, nasce a União Sagrada da esquerda a
favor dos massacres em nome de quê, vá-se lá saber. Enigmas da história, da
loucura humana.
Jean Jaurès,
que tinha sido o mais destacado opositor desse surto de loucura assassina,
acaba por ser a sua primeira vítima.
Muitos milhões
de mortos mais tarde, quando a guerra estava quase no fim, chegou a vez, o
momento do sacrifício dos pobres soldados portugueses ali junto à ribeira de La
Lys.
Saberiam por
que razão estavam ali? Tinham sido mandados por uns senhores que mandavam em
Lisboa, certamente eles saberiam as razões. Não seria com certeza porque
pensassem que quem vai à guerra dá e leva, não estavam a jogar à sueca entre
dois copos de três.
No fim, os
capacetes não lhes valeram de nada. Ficaram lá estendidos.
Mas a efeméride
também já passou à história, já ninguém se lembra dela.
Hoje, 9 de Abril de 2014, 100 anos depois do início do grande massacre de
1914-1918 ter começado, o jornal que costumo ler todos os dias, não trazia uma
linha sobre a carnificina de La Lys.
3 comentários:
Estou muito triste por só agora ter conhecido este blogue e não ter oportunidade de trocar impressões com o seu autor.
É muito triste.
Mario agora que partiste sem pre aviso quem nos vai mandar estes textos tão necessários, tão clarividentes, tão sensatos?
Eu lia-os e na vida agitada que sempre conheceste nunca os comentava, apenas me deliciava com eles e sabia que estavas bem e por aí me ficava. Agora leio e releio e nao quero acreditar que este foi o último.
Abraço
Conceicao A
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