Eleições, domingo, eleições europeias. Não é empolgante, é uma espécie de obrigação, obrigação para aqueles que acham que votar é um direito, direito obtido ao fim de tantos anos e daí, vamos lá votar. Mais ça ne changera rien.
Portugal nunca teve muito a ver com a Europa, se bem que o iniciador da nacionalidade fosse um conde francês e depois o seu filho é que tomou as rédeas. Os cruzados ajudaram na conquista de Lisboa, os ingleses vieram para cá sempre que os seus interesses estavam ameaçados pelos espanhóis ou pelos franceses.
Os portugueses eram demasiado excêntricos na Europa, Roma era demasiado longe e então tiveram que se fazer ao mar. Cada vez foram ficando mais longe da Europa, os europeus é que vinham cada vez mais atrás de nós para sacar. A coisa acabou mal no século XIX com o mapa cor-de-rosa e o ultimato inglês.
A aliança com os ingleses teve uma grande vantagem, é que o Salazar não teve coragem de romper com eles e aliar-se com o Hitler, que de facto era o que seu coração mandava. Foi para a neutralidade activa e germanófila e assim safámo-nos da terrível guerra. Mas quando esta acabou, ao contrário de que muitos pensavam, não tivemos a democracia. A democracia chegou-nos mais tarde pela via africana dos militares que estavam fartos do “ultramar”. É curioso, tinha que ser uma guerra a dar-nos a tal democracia.
O que é então a Europa do ponto de vista de um português contente com a tristeza nacional?
A Europa substituiu o Brasil como destino para o tradicional emigrante português e isso não mudou. Os portugueses continuam a emigrar para a Europa e o país acompanhou-os emigrando também. A Europa traz muitos turistas e fundos comunitários, que nunca se sabe onde é que vão parar e dá emprego a muita gente que vai para Bruxelas burocratizar. Manda para cá algumas empresas que depois vão à falência ou são deslocalizadas para a Arménia ou o Turquemenistão, tem o euro moeda que impede que o nosso país tenha ido à falência. Por isso, Portugal é um grande país dentro de Portugal.
Se calhar nada disto tem a ver, mas ponho-me a pensar no filme de Roberto Rossellini Europa 51.
É sobre a Europa e o pós-guerra. É uma fábula com Ingrid Bergman no papel duma americana casada com um rico industrial americano, vive em Roma. O suicídio do seu filho, um miúdo de 12 anos, transforma a vida de Bergman. Influenciada por um amigo jornalista comunista, ela decide consagrar-se a ajudar os pobres, as pessoas com dificuldades. Mas a sua cruzada pelos desfavorecidos, pelos doentes e desgraçados, aos olhos do marido, da família e da própria mãe e das pessoas da sua classe, começa a ir longe de mais. Acham que ela ficou louca, logo, fecham-na num asilo psiquiátrico. Os seus protegidos nada podem fazer. Aos olhos deles, ela é uma santa, vão rezar.
Esta fábula é a velha história com os ricos no seu lugar de ricos e alguns transviados que se querem pôr do lado dos mais fracos. Ingrid Bergman é uma espécie de S.Francisco de Assis, o seu principal aliado é um amigo comunista.
Europa 51 continua infelizmente actual a propósito da velha Europa que temos, ainda não conseguimos sair dos dilemas, capitalismo, cristianismo, marxismo. Agravante, não se reconhecem os ideais.
Enquanto falam da Europa Social, os políticos da Comunidade Europeia que mandam e têm poder dão muito dinheiro aos banqueiros e grandes empresários. O capital agradece. Quanto aos trabalhadores, por vezes, fazem greve protestam, mas acham que devem cooperar, dar bons exemplos e, por isso, vão aceitando flexibilizar os seus direitos, sacrificam em nome do emprego e dos superiores interesses das empresas. Fica-lhes bem e os patrões agradecem.
A velha Europa connosco, é esta a Europa por que votamos?
Há outra Europa, a dos ideais da Revolução Francesa, da Comuna de Paris, do 25 de Abril, a Europa de Beethoven, de Leonardo Da Vinci, de Galileo, de João XXIII, de Shakespeare e de Camões, de Frederico Garcia Lorca, de Federico Fellini, de Albert Einstein, de Roberto Rossellini. A Europa do espírito, do amor, da arte e da ciência, a Europa solidária, aberta ao mundo e aos povos, pátria da liberdade e dos direitos, do ideal de justiça para todos.
Por essa Europa eu votaria com emoção, sem me sentir obrigado.
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