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terça-feira, 2 de junho de 2009

IL SORPASSO



Descobri recentemente um novo sítio para almoçar tranquilamente ao domingo em Lisboa por um preço honesto, felizmente que a inflação está em queda e os perigos da deflação são apenas um fantasma, por enquanto.

O sítio é mesmo novo, não apenas porque abriu há pouco tempo, mas também porque nunca tinha almoçado num stand de automóveis.

Automóveis, automóveis, neste stand nem parece que isto de automóveis já teve melhores dias. A general motors, os reis dos reis dos cadillacs, pontiacs, opels, chevrolets et j’en passe, acabam de abrir falência. Onde é que isto irá parar?

Mas neste novo sítio lisboeta, temos belos carros e principalmente temos a mezzanine, onde nos sentamos a comer uma refinada comida italiana, enfeitada com alguns produtos típicos portugueses. Em baixo lá estão belos carros novos, à espera que algum cliente inspirado, após o agradável almoço, mande embrulhar uma daquelas maravilhas acabadinhas de sair da fábrica.

No stand parece haver mais carros do que na avenida da República que se espreita do alto da mezzanine. É que o último domingo de Maio ficou repentinamente muito quente de pico de verão e os carros preferiram mudar-se para a praia. Bela ideia. É que Lisboa transfigura-se, fica simpática com outra respiração, abençoados carros que optam pelo bronzeado.

A avenida que é uma espécie de auto-estrada com carros para cima e para baixo, não costuma oferecer grandes motivos de interesse. Mas de repente na quietude dominical torna-se um local ameno e inspirador. Quadro de facto inspirador.

Ponho-me a pensar no Ferragosto romano de 1962, o 15 de Agosto que os romanos, como os lisboetas, aproveitam para rumar à praia. Penso na Roma deserta e no Lancia Aurelia conduzido pelo Vittorio Gassman.

Primeira cena, a cena de todas as cenas de Il Sorpasso de Dino Risi, como diria o defunto Sadam Hussein. No meio daquela praça completamente deserta e com a sua própria cabeça também deserta de qualquer ideia sobre o que é que há-de fazer, Gassman desafia o tímido estudante Trintignant que prepara responsavelmente os seus exames e que inadvertidamente se aventura espreitando à janela o verão romano. Cai na esparrela do Gassman que insiste para irem dar uma volta no Aurélia. No fim da viagem, o tímido Trintignant não voltará aos seus caros estudos de direito, ficará na curva trágica de Calafuria na Toscânia. Afinal, o playboy Gassman tinha as suas deficiências em matéria de ultrapassagens.

Il Sorpasso de Dino Risi é o primeiro road movie europeu, provavelmente o único, a verdade é que não me lembro de mais nenhum. Há quem diga que terá inspirado o Easy Rider do Dennis Hopper, só que este era um filme com motos ritmado por uma das mais belas bandas sonoras de rock de que há memória. O road movie acaba mal em ambos os filmes, mas os contextos são diferentes.

Deste filme do Risi ficou-me a imagem de uma burguesia fascinada pelo seu próprio sucesso, que se diverte imenso mas que não sabe muito bem como tudo vai acabar, veramente nessuno ci crede.

Gassman e Trintignant voltaram a encontrar-se mais tarde em 1976 no Deserto dos Tártaros, último filme de Valerio Zurlini, filmado no Irão.




A história do jovem tenente Drogo, imaginada pelo grande escritor italiano Dino Buzatti, serve a muitas interpretações. Quem quiser escolha a sua, para isso servem as obras de arte.

O Jovem Drogo acaba por entrar no jogo dos oficiais mais graduados que comandam o Forte Bastiani, uma guarnição instalada numa fortaleza na fronteira. Enquanto prescrutam e vigiam o enorme deserto sem fim, os oficiais e os soldados esperam um inimigo que nunca vem.

Mas no dia a dia vão-se ocupando, vão-se conformando com os rituais da vida militar, dos seus privilégios e regulamentos. La guerra è finita, quando o inimigo vier ninguém estará preparado. Sensibilidade anti-militarista? Talvez.

Filme sobre ser-se jovem e ficar à espera, à espera de quê, de deixar passar a vida lá fora? De ficar velho, caquético e morrer? Talvez.

Il Deserto dei Tartari e Il sorpasso com a avenida da República quase deserta e eu na mezzanine confundem-se na minha cabeça na mesma mensagem: sorpasso vem de sorpassare, ou seja, superar, andar em frente, não ficar à espera a ver em que é que param as modas.

Bons tempos aqueles dos Risi, dos Zurlini, dos Buzatti e tutti quanti, Agora, temos que nos contentar com o Berlusconi. Porca miséria!


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