
“Não conhecia em toda a cidade uma pessoa honesta. O meu pai [arquitecto] aceitava subornos e estava convencido de que lhos davam por respeito às suas qualidades espirituais; os alunos do liceu, para passarem de ano, iam morar nas casas dos professores que lhes cobravam por isso quantias enormes; a mulher do comissário militar, por alturas do recrutamento, levava dinheiro aos recrutas, aceitava mesmo convites para almoçar e até, uma ocasião, na igreja não conseguia erguer-se dos joelhos porque estava bêbada; durante o recrutamento, os médicos também aceitavam subornos, e o delegado de saúde e o veterinário impuseram tributo aos talhos e restaurantes; na escola distrital vendiam-se diplomas que concediam privilégios de terceira categoria; os bispos auxiliares sacavam dinheiro dos clérigos subordinados e estes dos sacristães; nas administrações municipal, urbana, médica, etc. gritavam às costas de cada peticionário:
‘Tem de agradecer!’, e o requerente voltava atrás para desembolsar trinta ou quarenta copeques de gratificação. E os que não recebiam subornos, como os funcionários dos tribunais, por exemplo, eram arrogantes, em vez da mão, cumprimentavam com dois dedos, destacavam-se pelas suas opiniões frias e limitadas, jogavam muito às cartas, bebiam muito, casavam-se com herdeiras ricas, e exerciam, sem sombra de dúvida, uma influência nociva e depravadora na sociedade. Apenas as meninas davam a sensação de pureza moral; a maioria delas tinha ambições Anton Tchékhov, “A minha vida. História contada por um provinciano”, in:
Contos de Tchécov, volume V, Tradução (do russo) de Nina Guerra e Filipe Guerra, Maio de 2006, Relógio d’Água Editores, Col. Clássicos, Lisboa

Sem comentários:
Enviar um comentário