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terça-feira, 20 de abril de 2010

EFEMÉRIDES DE ABRIL



Abril parece ter o signo de ser um mês consagrado a efemérides. Agora, temos o dia 25, não se sabe bem por quanto tempo ainda. Mas, no Estado Novo, os dias de comemoração eram outros.


Havia o dia do aniversário do Salazar, acho que era no dia 27, na escola chateavam-nos, os professores tinham que fazer o elogio do grande chefe, mestre e redentor da Pátria, os putos fingiam que ouviam.

Mas há outro dia de Abril de que me lembro muito bem, continua a impressionar-me essa data, o 9 de Abril.




Desfilavam então nas ruas, aperaltadas e sorridentes, cheias da sua importância, umas senhoras que pespegavam, em troca de umas moedas de 25 tostões, nas lapelas dos senhores bem vestidos, um pequeno capacete de lata, sempre me apeteceu ter um.


Era um objecto fascinante, um pequeno capacete militar, percebi mais tarde que pretendia representar os soldados portugueses sacrificados da matança de La Lys.


Claro que não se falava de matança, era o soldado milhões que matou não sei quantos alemães, eram os heróis da Pátria.


La Lys é o nome duma ribeira e o vale que a acompanha, situados na Flandres, na Bélgica.


Neste bucólico local, as tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha no dia 9 de Abril de 1918, perderam cerca de 7500 homens entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, ou seja, mais de um terço dos efectivos, entre os quais 327 oficiais.


Foi a mais estrondosa derrota de tropas portuguesas desde a batalha de Alcácer-Quibir.


O massacre prolongou-se até ao dia 29, faltavam poucos meses para terminar a grande guerra. A grande guerra que inaugurou o que se esperava fosse o grande século do progresso social, do telégrafo, da electricidade, dos telefones, da telefonia sem fios, dos electrodomésticos, do Ford T, and so on, tudo seria possível. De facto um século de massacres. Et ça continue.


Essa guerra, grande ou como queiram chamar-lhe faz-me pensar noutra efeméride.


Em 31 de Julho de 1914, três dias antes de começar essa primeira grande matança moderna, um extremista belicista de extrema direita, cujo nome me recuso a nomear, assassina às 9 e meia da noite Jean Jaurès, quando este jantava no Café du Croissant, na rue Montmartre. Uma pausa antes de se dirigir ali ao lado, à sede do jornal que fundara, l´Humanité, para escrever mais um apelo contra a ameaça de guerra tecida pela Alemanha, pela Áustria, pela Rússia e outros interesses nacionalistas esquizofrénicos.



Estas intrigas tinham-se acelerado após o atentado de Sarajevo, em 28 de Junho de 1914 e Jaurès tentou organizar uma greve geral nos países europeus ameaçados pela guerra. Era o mais eminente opositor a essa guerra fraticida, mas infelizmente os seus esforços fracassaram.


Em 29 e 30 de Julho, Jaurès vai a uma reunião da Segunda Internacional Social-Democrata em Bruxelas, que ele convocara.


No dia 29, à noite, num comício contra a guerra, Jaurès e os dirigentes do Partido Social-Democrata Alemão são aclamados e no dia seguinte os dirigentes da Segunda Internacional votam por unanimidade um apelo a favor de manifestações contra a guerra.

Mas, a 31 de Julho, o assassinato de Jaurès precipita tudo, rompe-se a unidade da esquerda contra a guerra, a maioria dos social-democratas e socialistas passam a apoiar os seus governos beligerantes, nasce a União Sagrada da esquerda a favor dos massacres em nome de quê, vá-se lá saber.



Enigmas da história, da loucura humana.



Jean Jaurès, que tinha sido o mais destacado opositor desse surto de loucura assassina, acaba por ser a sua primeira vítima.



Muitos milhões de mortos mais tarde, quando a guerra estava quase no fim, chegou a vez, o momento do sacrifício dos pobres soldados portugueses junto à ribeira de La Lys.


Saberiam eles por que razão estavam ali? Sabiam que tinham sido mandados por uns senhores que mandavam lá em Lisboa, certamente eles é que saberiam as razões.

Não seria com certeza porque pensassem que quem vai à guerra dá e leva, não estavam a jogar à sueca entre dois copos de três.

No fim, os capacetes não lhes valeram de nada. Ficaram lá estendidos.


Mas a efeméride também passou à história, já ninguém se lembra dela.

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