PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 20 de abril de 2010

JARDINS DE MILHÕES



Entre muita gente abonada ao mesmo tipo de privilégios, anda por aí um tipo chamado Jardim Gonçalves, reformou-se com dois milhões de euros por ano, cento e setenta mil e tal por mês, parece que até há pouco tempo tinha também direito a um avião privado. Era presidente de um grande banco. Aleluia, como viveríamos sem os grandes bancos, sem os grandes homens da finança?


Para os muitos que recebem por mês pensões de menos de duzentos euros um pouco mais, um pouco menos, não serão estes dois milhões abomináveis? Haverá até muita gente, incluindo muitos crentes, que pensam e gritam ò Cristo vem cá abaixo ver isto!


Mas o caso parece pacífico, não provocou comissões de inquérito no Parlamento, não tem inspirado parangonas nos tablóides da nossa praça. Parece pacífico e talvez seja.
É que nos tristes tempos que correm, criou-se o desagradável hábito de as televisões zurzirem as nossas orelhas com conversas sobre milhões e mais milhões e mais milhares de milhões.
Mais milhão menos milhão, mais mexia, menos gonçalves, qu’est-ce qu’on n’en a à foutre? Até aqui percebe-se.

É que o povo – há quanto tempo não ouço pronunciar essa palavra que teve os seus tempos de glória – lá continua na sua vidinha quieta, sossegada, trabalha, aguenta o patrão, aguenta os engarrafamentos, aguenta a família, mas à noite tem a televisão, o futebol, os comentadores do futebol, o Pinto da Costa, o Benfica, por que é que há-de ligar a milhões de euros, mesmo que suspeite vagamente que o país está à beira da falência e que, quando ela chegar, não são os bancos que a vão pagar?
E, para compensar quaisquer possíveis inconvenientes, agora vai ter o Papa.

Por isso, o povo é sereno, já lá dizia o Pinheiro de Azevedo quando rebentou a fumaça no Terreiro do Paço. Qual Gonçalves, qual Mexia, quais bancos, qual Mota Engil, qual PT. Porquê preocupar-se?

Não é verdade que, apesar de tantos milhões, o Gonçalves, Jardim perdeu o seu avião privado e que, por isso, se calhar também tem que andar a pé a correr para apanhar o metro?

Bem vistas as coisa, o povo parece ter razão em continuar sereno e contente, não ligar a todos os jardins que andam por aí, não arranjar conflitos, apenas aquelas greves do costume, não vir para a rua protestar, exigir, reivindicar.
Vir para a rua, sim, mas só em ocasiões muito especiais para se manifestar ordeiramente como vai agora acontecer com o Papa no Terreiro do Paço.


Ali no meio das intermináveis obras no Terreiro do Paço, já se prepara o palco para receber sua santidade, o chefe dos crentes (há sempre um chefe dos crentes em todas as religiões, se calhar é por isso que o Marx embirrou com isso do ópio do povo) e os palanques para as altas autoridades.
Nas primeiras filas, lá estará certamente o devoto Gonçalves. Porque Deus é grande, tem um coração largo, o povo é devoto. Porque teria razões para se zangar, para perder a compostura?

Mas a verdade, verdadinha é que nunca se sabe muito bem o que é que vai na cabeça do povo. E essa incerteza pode-se tornar fonte de preocupação.


Se a minha memória não me atraiçoa, foi em Março de 1974 que o povo do futebol aplaudiu estusiasticamente o sr. Presidente do Conselho Marcelo Caetano.
O povo também estava então sereno, contente, a ordem e o respeito pela autoridade patrulhavam os espíritos.
Mas isso já foi há 36 anos.
Comme le temps passe!

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