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segunda-feira, 5 de julho de 2010

DECÍNIO DEMOGRÁFICO E DIREITO DE PROCRIAR (*)


O Estado português descobriu recentemente que a baixa natalidade é a principal causa do envelhecimento demográfico e decidiu, em consequência, tomar medidas de ajuda às famílias. As medidas são positivas mas parecem paninhos quentes face à gravidade e à complexidade do problema.

Vale a pena relembrar alguns indicadores relativos à evolução da fecundidade em Portugal. Em 1982, o indicador conjuntural de fecundidade desceu pela primeira vez abaixo de 2,1 filhos por mulher, em 1986 atingiu 1,6 e nos anos seguintes foi descendo até ao valor de 1,3.

Esta evolução foi acompanhada de outras mudanças demográficas estruturais que se aprofundaram durante a última década.

Em primeiro lugar, inverteram-se as diferenças entre Norte e Sul, com a fecundidade a atingir valores muito mais baixos no Norte (0,9 filhos por mulher em Tràs-os-Montes em 2009) do que no Sul (1,7 no Algarve na mesma data).

Ao mesmo tempo, o nascimento do primeiro filho passou a ser bastante mais tardio (em média, aos 28,6 anos das mães em 2009, contra 25,6 em 1995).


Estas mudanças não podem deixar de ser relacionadas com o facto de mais de metade dos homens e das mulheres não se casarem e de se casarem cada vez mais tarde. Ora, esta crise da nupcialidade tem a ver principalmente com o adiamento e as dificuldades da entrada dos jovens na vida activa e adulta.

Em 27 de Abril de 2006, José Sócrates foi à Assembleia da República defender que, para se assegurar a sustentabilidade da segurança social, era necessário “ligar as pensões de reforma à evolução da esperança de vida”. Justificou essa opção dizendo que “há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento dessas reformas”.

É verdade que há cada vez menos pessoas a trabalhar, mas isso não tem necessariamente a ver com a baixa natalidade. A principal origem do défice de contribuintes da Segurança Social está na anemia do mercado do emprego.

Teoricamente, havendo cada vez menos jovens devido à baixa natalidade, deveria também haver menos concorrência na entrada no mercado do trabalho.

Ora, pelo contrário, o desemprego juvenil tem aumentado continuamente, assim como a proporção de jovens trabalhadores precários, o que tem levado ao adiamento e à diminuição das uniões e da maternidade e, em muitos casos, à impossibilidade de muitos jovens poderem algum dia constituir uma família.

A baixa natalidade é responsável pelo declínio da população portuguesa e, principalmente – do meu ponto de vista – é o sintoma incontestável de que em Portugal existem descriminações no exercício do direito de procriar.


Estando embora plenamente consagrado e reconhecido, o direito à contracepção só estará completo quando toda a gente puder beneficiar de condições sociais e económicas para decidir responsavelmente ter um filho.

Ora existe entre nós um ambiente hostil que descrimina e diminui esse direito: os baixos salários, o desemprego e a precariedade profissional, a insuficiência dos apoios e dos equipamentos para a infância, a guerra que a esmagadora maioria das empresas faz à maternidade.

A natalidade portuguesa é uma das mais baixas do mundo e isso confirma o nosso atraso social, económico e cultural. Deste atraso não se pode culpar apenas o Estado e os Governos.

Na primeira linha dessa culpa estão muitos senhores da economia, que não têm consciência social, que não criam emprego, que pagam baixos salários, que não são solidários para com o país e que assobiam para o lado face aos óbvios sintomas de decadência e declínio de Portugal.


(*) Escrevi este texto para o Diário de Notícias, que o publicou hoje na rubrica Fórum

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