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sexta-feira, 25 de junho de 2010

APELO A UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS


Proposta de APELO A UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA ÀS PRESIDENCIAIS (*)
CONTRA A AUSTERIDADE, CONTRA A DITADURA DA UNIÃO EUROPEIA, CONTRA A DITADURA DO CAPITAL FINANCEIRO
PELA DEMOCRACIA E POR UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA


O Presidente da República dispõe de poderes constitucionais que lhe permitem intervir activamente na definição e condução das grandes opções políticas, nomeadamente, na economia, na promoção dos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.

Na grave situação a que chegou o país, esses poderes tornam-se ainda mais importantes, porque é obrigação do Presidente estar na primeira linha na defesa da liberdade e da democracia, atacadas pelos ultimatos da União Europeia, e na defesa dos trabalhadores, das famílias e dos jovens, vítimas do desemprego e da austeridade.
Por isso, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.

Estas eleições constituem um momento privilegiado para o debate e a discussão política acerca de novas políticas para o ressurgimento social, económico e cultural do país e a preservação da sua independência. Infelizmente, considerando os candidatos que se anunciam, não está de modo nenhum garantido que esse debate venha a acontecer.

Cavaco Silva e Manuel Alegre são dois candidatos que se filiam na mesma continuidade, que é a da ditadura PS/PSD, construída ao longo dos anos, em nome duma falsa alternância e ao serviço dos habituais comparsas. A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira internacional iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:

1. A submissão do Estado às grandes oligarquias financeiras.
2. O aumento da corrupção, alimentada pelos Directórios do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata.
3. A arrogância e a incompetência da Justiça e a sua dependência face aos poderosos.
4. O desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a lei da precariedade que passou a reger as relações laborais.
5. O aumento do desemprego que afecta mulheres e homens de todas as idades e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para a emigração.
6. A falência do sistema de ensino.
7. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.

Manuel Alegre e Cavaco Silva representam a mesma face desta triste realidade.

Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança, não apresentam alternativas que mobilizem o país, que mobilizem as energias dos homens, das mulheres e dos jovens.
Estão à margem das aspirações, das inquietações e dos sofrimentos do povo, são candidatos conformados com o desemprego e com a pobreza de mais de dois milhões de pessoas, conformados com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria.
São candidatos do Ricardo Espírito Santo (Salgado) e do capital financeiro que usa os recursos do país a seu belo prazer, que manipula os consumidores com promessas de crédito fácil, que asfixia as famílias e que não promove o desenvolvimento sustentável do país e a solidariedade económica.

São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos se demitiriam das responsabilidades que a Constituição lhes confere e se limitariam a assistir impávidos ao agravamento do descalabro em que o país se encontra.

PORQUÊ UMA CANDIDATURA DE ESQUERDA?

Para que a campanha eleitoral seja esclarecedora e o povo possa votar em consciência, para que sejam apresentadas verdadeiras alternativas, para que Portugal seja capaz de iniciar um novo ciclo de prosperidade e justiça social, é necessário, é vital que a essas eleições se apresente um candidato de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.

Um candidato que defenda de maneira coerente e consequente um programa de esquerda no qual se identifiquem as causas das dificuldades actuais e se proponham soluções ousadas mas possíveis. Em nome de uma esquerda inventiva, defensora das liberdades individuais e da democracia e de um novo modelo de desenvolvimento económico e social.

Existem alternativas aos PECS e à política de austeridade da União Europeia, centrada exclusivamente no combate ao défice e em detrimento do crescimento económico. Não existe nenhuma justificação política ou económica para que um país seja obrigado a não ter qualquer défice.
O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? Na opinião do economista João Ferreira do Amaral hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.
Como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados não foram garantidas pelo euro, isso não passou de uma miragem. O euro revelou-se um embuste, uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

A União Europeia é um projecto claramente falhado. Desde logo, porque não foi decidida e construída livremente pelos povos e pelos cidadãos europeus.

Não houve em Portugal nenhuma votação em relação à entrada de Portugal na CEE, em relação à entrada no euro, em relação ao Tratado de Lisboa. Tudo tem sido decidido por gente, por burocratas que ninguém elegeu.
Para que a UE sobreviva e se justifique a sua sobrevivência, tudo terá que mudar, ela terá que ser uma união de povos, uma união de cidadãos, governada por instituições democráticas, respeitadoras das diferenças e das minorias.

UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO MAIS IGUALITÁRIO E ECOLÓGICO, UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA

O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade.

O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante de qualquer sociedade. A garantia de emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos a alcançar por uma política de esquerda.

No modelo de desenvolvimento que valoriza a economia social e ecológica, o terceiro sector deve desempenhar uma função crucial.
O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente, promove a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.

A Caixa Geral de Depósitos, por ser uma banca pública, tem de apoiar a economia do terceiro sector, quer concedendo crédito proporcionado às capacidades das empresas sociais, quer desenvolvendo a prática do micro-crédito a pessoas envolvidas em iniciativas de auto-criação de emprego, quer fornecendo assessoria financeira gratuita.

Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve também obedecer a finalidades sociais, também o sector privado deve ser solidário e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada ou punida em função dos seus contributos e práticas sociais.
Proporcionalmente aos seus lucros, as empresas devem quotizar para a Segurança Social. A lei fiscal deve ser revista de modo a estabelecer parâmetros justos no que concerne os impostos que são exigidos aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores independentes e às empresas, em particular, aos bancos. O sector financeiro deve ser rigorosamente regulamentado e fiscalizado e proibidas as transacções através de ofshore.

Entre o Estado e o sector privado, a bem da ética política, da economia e da justiça social, as relações devem ser rigorosamente transparentes. Os contratos com empresas privadas deverão ser do conhecimento público e aprovados por adjudicação em concurso público.

CONTRA AS DESIGUALDADES SOCIAIS E AS DESCRIMINAÇÕES

Os pobres, os idosos, os imigrantes clandestinos, os trabalhadores precários, os desempregados são as principais vítimas de desigualdades e de exclusão social.

São conhecidas também as principais vítimas de discriminação e de prepotências: as mulheres e todos quantos trabalham em ambiente de permanente stress e cujos direitos são desrespeitados.

A escola é muitas vezes a principal fonte de muitas desigualdades para toda a vida. Mas a luta contra o insucesso escolar não se resolve com falsas aprovações, isso é uma hipocrisia que só ajuda as estatísticas oficiais. As crianças e os adolescentes de famílias pobres não podem ser abandonados pela escola à sua triste sorte.

A frequência de um estabelecimento pré-escolar deve ser gratuito e começar para todas as crianças aos três anos, porque essa idade - é o que dizem os especialistas - é a idade decisiva na aquisição dos instrumentos mentais para o conhecimento. Todas as crianças devem poder ter acesso a uma creche pública a partir dos dois meses de idade.

São medidas a favor das crianças mas também dos pais, que precisam de ser ajudados a conciliar a vida profissional com as suas obrigações familiares. São medidas a favor de um direito essencial que é o direito de ter filhos e de os educar.

A pobreza quase sempre acompanha a velhice. A reforma da Segurança Social mudou as regras do jogo e retirou aos trabalhadores direitos que há muito estavam consagrados e que, por isso, deviam ser respeitados. Aumentou as desigualdades, porque fez diminuir as pensões de quem menos pode. É discriminatória porque não prevê que todos aqueles que exerceram profissões mais penosas possam aceder mais cedo à reforma, com plenitude de direitos.

POR UMA SOCIEDADE DO SABER

O conhecimento, a ciência, a educação e a cultura são as principais alavancas da criação de riqueza numa sociedade justa e igualitária.

Em Portugal, os níveis de literacia, de conhecimento científico e de informação cultural são ainda muito baixos. Em grande parte, esse défice tem a sua origem no mau funcionamento do sistema de ensino.

No ensino superior, foi destruído o modelo de gestão democrática e a aplicação do protocolo de Bolonha contribuiu para desvalorizar os diplomas de licenciatura, aumentou a selecção social, não introduziu qualquer melhoria nas condições e no trabalho pedagógicos.

No ensino não-superior, chegou-se a uma situação insustentável de deterioração da qualidade do ensino, com professores desautorizados e desmotivados, tudo isto devido a reformas insensatas impostas pela gigantesca burocracia do Ministério da Educação.

Prioridade absoluta ao investimento na cultura, prioridade à criatividade artística, à promoção do bem falar, da expansão da língua portuguesa. No mundo que será cada vez mais global, precisamos das artes e da cultura, do cinema e da televisão, da literatura e do teatro, da música erudita e da música popular, da arquitectura, para afirmarmos a nossa identidade, para sermos reconhecidos e valorizados.

A cultura não vende directamente coisas mas aumenta os nossos capitais pessoais e colectivos. Aumenta a nossa auto-estima enquanto povo, leva-nos ao reconhecimento dos outros, a abrirmo-nos ao mundo como se abriram os portugueses de quinhentos. Leva-nos a ser cosmopolitas.
Preparemos gerações cosmopolitas para o futuro, gerações capazes de competir no mundo global.

CRIAR NOVAS DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E TERRITORIAIS

A população portuguesa está em declínio e isso deve-se à baixa natalidade, que acelera o envelhecimento. O acentuar do declínio demográfico é um problema grave principalmente no Interior. Esta evolução deve ser enfrentada por um governo de esquerda como uma urgente prioridade política.

O centralismo concentra grandes investimentos no litoral e nas áreas metropolitanas, promove a concentração urbana e despromove a qualidade de vida de quem lá vive. E esquece o interior, ou seja, cerca de 2/3 do território nacional.

Portugal precisa urgentemente de uma política bem estruturada de gestão territorial direccionada para a revitalização do interior e a redução da pressão demográfica no litoral.

PAZ E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Na diversidade dos seus povos, a União Europeia podia ser uma casa, uma causa comum. Mas estamos cada vez mais longe disso. A União consagrada pelo Tratado de Lisboa não tem nada para oferecer aos milhões de desempregados e aos trabalhadores e às famílias com baixos rendimentos.
Esta é uma Europa dominada pelo consórcio dos grandes países, pelos burocratas de Bruxelas, pelos grandes bancos e multinacionais. É a Europa do grande capital, contra a qual é preciso lutar. É preciso que as esquerdas europeias se unam e se entendam na luta por uma Europa democrática e solidária.

O mundo está a mudar aceleradamente, os centros de decisão estratégica estão a mudar para sul e para oriente, mas nem todas as mudanças têm um potencial pacífico para o futuro. É urgente evitar a guerra, é urgente acabar com todas guerras.

É falsa a ideia de que as guerras servem para resolver conflitos. O comércio pacífico aproxima os povos, as guerras só provocam desgraças e destruições e aproveitam aos traficantes de armas. Neste sentido, a saída de Portugal da NATO deverá ser equacionada num contexto de paz e cooperação entre os povos.

Com a União Europeia à beira da implosão, impõe-se que Portugal procure novos parceiros internacionais O que é que nos impede? A fidelidade a uma Europa que sempre nos olhou por cima do ombro?

As nossas ligações a África, ao Brasil e à Ásia são um capital de um valor inestimável, cujas potencialidades estão ainda por desenvolver.
Mas há outros parceiros à nossa espera, temos é que os procurar: Magrebe, África Subsaariana, América Latina. Foi por aí que nós andámos desde há muitos anos, quando éramos já uma espécie de párias, plantados aqui no extremo ocidental esquecido da Europa. Um extremo europeu periférico, sem rotas de comércio, estávamos condenados, como hoje.
Mas descobrimos novos mundos, se calhar é essa a nossa sina.

(*) – Escrevi este texto para esquerda2011.blogspot.com

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