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sexta-feira, 10 de junho de 2011

DESMUNDIALIZAÇÃO, NACIONALISMOS, DIREITA VOLVER ?



É inevitável, na história das sociedades que se exprime na soma dos dias vividos pelos que estão cá, pelos cá estiveram antes de nós e pelos que virão depois, nessa soma de histórias os ciclos repetem-se mas nunca são iguais.


Nos anos 1920/30, tivemos a pior crise até então jamais vivida pela Europa moderna com o pós-grande guerra, a economia em ruínas, a paz de Versailles, a invasão do Ruhr, a hiperinflação, o descalabro da república de Weimar e a humilhação alemã, a subida ao poder dos nazis, o fascismo italiano, o fascismo na Hungria, o Estado Novo salazarista, a derrota da república espanhola e a revanche franquista, o anúncio de nova grande guerra.


Durante todos esses anos de desgraça, de miséria e loucura assassina, os demónios do nacionalismo soltaram-se não sei se por causa ou contra a ideia trotzkista e internacionalista de revolução mundial, anti-burguesa e anti-nacional.


Já lá vão muitos anos, desde essa época fatídica, muita água e muitos cadáveres correram sob as pontes.


No novo século em que vivemos, duas novas palavras aparentemente sábias, justas e “progressistas” tomaram conta do nosso léxico político: globalização e potências emergentes. Duas novas palavras cheias de promessas.


Mas, essas duas palavras começam agora a ser questionadas e é possível que estejamos a entrar num novo ciclo com novas filosofias quanto ao livre comércio e às relações mundiais.


O estado calamitoso a que chegou a união europeia poderá ser o sintoma, talvez o mais sintomático no imediato, dum descalabro anunciado, que é o da utopia da globalização ou mundialização como queiram chamar-lhe. Utopia que se impôs naturalmente ao pensamento das elites intelectuais e políticas durante a última década.


Façamos aqui um parêntessis, a mundialização é uma criação do génio português embarcado em cascas de noz atravessando o Atlântico para além do Cabo da Boa Esperança e muitos outros cabos. Acrescente-se, o mundo moderno nasceu quando Bartolomeu Dias descobriu que havia uma passagem entre o Atlântico e o Índico em direcção ao Oriente. Isso está comprovado, não é basófia nacionalista.


Voltemos à mundialização. É um conceito recente, aproveitado principalmente por gente com ideias velhas, estou a pensar nos fanáticos do liberalismo capitalista. Esta gente sempre precisou de mercados, abram-se as fronteiras, abram-se os mercados.


Mas as coisas não correram ou não estão a correr como se previa.


Numa entrevista a um jornal francês há pouco tempo, em Abril, Michel Rocard que foi o primeiro-ministro mal amado de François Miterrand e que é considerado como o político socialista mais rápido a perceber as mudanças que estão no ar, declarou a um jornal francês que “a livre-troca integral acabou, ela provocou demasiados prejuízos. A China e a Índia são capazes de produzir tudo o que nós produzimos. E, como os seus custos são muito menores do que os nossos, todos os nossos empregos na indústria estão ameaçados. Isto não é tolerável.»


Bravo, Rocard, palmadinha nas costas do homem. Mas, ò Rocard, a verdade é que tudo isso já era mais do que óbvio há muito tempo. Socialistas como tu, altermundialistas e outros internacionalistas europeus há muito tempo que andavam a dormir na forma. Andavam embalados em doces ilusões sem se darem conta que o inexorável tractor da realidade ia destruindo lentamente a economia europeia, com as deslocalizações e com os baixos preços praticados pelas potências emergentes graças a uma mão-de-obra pletórica, baratíssima e sem direitos sociais.


Levou tempo, a Organização Mundial do Comércio foi negociando a abolição de tarifas aduaneiras, os mercados foram-se abrindo. Resultados?


No que nos diz respeito a nós neste jardim à beira mar plantados, o resultado mais óbvio parece ser este: a Europa, versão união europeia, caminha para a falência.


Portugal já lá está. De quem é a culpa? Chamem a polícia, convoquem o tribunal.


Resultado político principal e global desta falência anunciada?


Os discursos nacionalistas estão de volta.


Começam a estar de volta, tanto quanto percebi - e não vou referir países demasiado óbvios como a Áustria - exactamente no país que inventou a palavra chauvinista, palavra derivada do nome do soldado Nicolas Chauvin que, segundo reza a lenda, mesmo depois de ter perdido três dedos e parte do crânio, continuou a lutar com orgulho pelo seu país de França.


Falta pouco menos dum ano e o país do Chauvin já está praticamente em plena campanha paras as eleições presidenciais.


No debate político que antecipa essas eleições apareceu um novo tema, cuja palavra-chave é desmundialização. Srs. jornalistas dos telejornais e de outros órgãos de desinformação, registem esta palavra, ela vai ser muito falada.


Esta semana, um dos jeunes turcs do PS francês, candidato com hipóteses mínimas mas muito ambicioso, à designação às eleições presidenciais, um tipo chamado Arnaud Montebourg publicou um livro de menos de 100 páginas, ao módico preço de 2 euros. Título elucidativo, completamente apelativo Votez pour la démondialisation, votem pela desmundialização.


O argumento do autor resume-se rapidamente: “o mundo tem andado pelo caminho errado, a mundialização levou-nos todos à derrota”, mais coisa menos coisa, essa é a ideia. A mundialização é responsável pelas deslocalizações, aumentou a pressão para a diminuição dos salários, a mundialização, citemos o homem, “fabricou desempregados no norte e aumentou o número de quase-escravos no sul, destrói por toda a parte os recursos naturais, deu o poder aos senhores das finanças e retirou aos povos o poder que eles tinham de se auto-determinar.” Fim de citação.


O que é que propõe o Montebourg? Propõe o que está no air du temps, “um protecionismo moderno, verde e europeu”. Protejamo-nos, protejamos a Europa, protejamos o ambiente, em síntese, defendamo-nos da invasão dos tais emergentes que fabricam a baixo custo, que exploram os seus quase-escravos e que se preparam para destruir o planeta, voltemos ao protecionismo aduaneiro de antigamente.


O lançamento deste livro não acontece por acaso. A ideia de desmundialização começou por ser lançada por um filipino, mas deixemos isso para mais tarde. Trata-se duma história, que não sendo propriamente francesa, foi lançada na Europa pela líder da extra-direita francesa, anti-europeia e “anti-moderna”, Marine Lepen, filha do seu pai.


Passe a imodéstia, já há bastante tempo que aqui tinha chamado a atenção para o facto da extrema-direita francesa estar a marcar não apenas o debate das eleições francesas, mas também a agenda programática política europeia dos próximos tempos.


No centro deste debate sobre a desmundialização vão figurar mais uma vez e na pele de principais acusados o famigerado neo-liberalismo e “os “fundamentalistas da abertura comercial”, filiados na seita religiosa “da livre-troca”. Vão também estar entre os acusados, Montebourg dixit, os herdeiros da “nobreza anti-patriótica”, cujos membros, durante a revolução francesa foram para o estrangeiro conspirar.


“Anti-patrióticos”, a palavra está dita, está pronunciada não por um vulgar nacionalista de extrema-direita, mas pela boca dum importante dirigente socialista francês.


Os nacionalismos estão de volta, isto era inevitável, a união europeia não vai a lugar nenhum, ou seja, caminha para o precipício fundo e escuro da bancarrota, encontremos, pois, os culpados de todas essas desgraças.


Deus é de todos, mas cada um que trate de si. Toca a reunir as tropas, a música do clarim militar vai começar a soar à porta dos nossos ouvidos.


Resta saber interpretar os sentidos e as ordens destes novos sons, direita-esquerda, esquerda-direita, direita-extrema direita, direita volver?


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