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terça-feira, 21 de junho de 2011

MAIO 1968, MAIO 2011

Foi rejeitado o candidato presidencial que não gostava de partidos e a quem Pedro Passos Coelho tinha graciosamente prometido o proeminente lugar de presidente do Parlamento.


Neste dia parlamentar pouco se falou de um outro problema muito mais importante que é a questão grega.


O Nobre já tinha o destino traçado, nada a acrescentar, hoje o homem passou à história.


Quanto à Grécia, temos que pensar principalmente na Europa do Sul, e quanto a isso está tudo em aberto, não se sabe bem, mas há inquietantes suspeitas sobre o que é que está para vir.


Fala-se da bancarrota grega anunciada, assistimos às notícias sobre a proliferação dos movimentos meridionais de acampados. Para tentarem compreender o que é que vai acontecer, alguns viram-se para o passado e procuram pistas.


No Público, faziam-se hoje comparações entre a actual situação europeia e a velha história de Maio 68.
Já lá vão quarenta e três anos, muita água correu sob as pontes, vale a pena fazer comparações?


Vale sempre a pena comparar épocas, comparar acontecimentos. Isso não faz mal a ninguém.
Mas, há comparações que fazem sentido e outras nem por isso. Em todo o caso, a história nunca se repete.


Em 1968, a Espanha, a Itália, Portugal e a Grécia eram os principais fornecedores de mão-de-obra dos países lá mais para norte, os quais continuavam nessa altura prósperos, depois das trente glorieuses années do pós-guerra. Os países nortistas estavam ricos e os do sul não sabiam o que fazer com os seus pobres agricultores sem trabalho, sem terra e sem pão.


A situação, passados estes anos todos, conheceu algumas mudanças, o que é natural.


Mas no essencial, mantém-se tudo na mesma, os do norte continuam mais ou menos prósperos, os do sul resvalam para a insolvência.


Principal diferença, em Espanha, em Portugal, em Itália e na Grécia, os desempregados que hoje não conseguem encontrar trabalho no seu país já não são trabalhadores rurais analfabetos. Agora, grande parte desses candidatos à emigração é gente diplomada, licenciada, gente too much qualified.


Em Itália, por exemplo, os cantoneiros, os que tratam da limpeza das ruas das grandes cidades, é gente altamente qualificada, licenciaturas, mestrados, trabalham sete dias por semana, vivem em casa dos pais, não se podem casar, nem ter filhos.


Nos anos 60, a malta nova rural tinha futuro, emigravam. E agora?


Muitos estão a acampar na rua, em praças públicas, vão-se manifestando, mas não sabem muito bem o que fazer. Acampam e dizem que estão revoltados. Será que se vão mesmo revoltar?


É que se se vão revoltar a sério, aí a coisa pode mudar de figura.


A memória humana costuma ser curta, já nos esquecemos que o que está a acontecer na Grécia foi anunciado pela reacção bastante violenta de muitos estudantes ao assassinato pela polícia de um jovem manifestante. Isso já foi há pelo menos dois anos.


Dizem-nos, em 68, a “revolução” não tinha motivos económicos. É verdade. Só que o lugar da revolução era outro, era nos países ricos do norte da Europa, principalmente em França e na Alemanha.


Foi uma revolução de jovens estudantes universitários e fiers de l’être, que não estavam particularmente preocupados em ter ou não ter emprego. Estavam mais interessados em manifestar a sua solidariedade com os operários, vejam só! Mas os operários só entraram em cena para a tal revolução quando o cortejo já ia em andamento. A CGT comunista descobrira, entretanto, que não podia perder o comboio.


E aqui chegamos a um ponto-chave.


Maio 1968 em França foi uma revolta dos estudantes contra os pais, contra os professores, contra a autoridade dos adultos, contra o De Gaulle, contra o sistema político, contra a separação e dominação entre sexos, pela liberdade individual, contra as tiranias, contra o partido comunista, contra a União Soviética, contra o Estaline, contra toda essa história da velha esquerda. Foi uma revolta política e cultural, e principalmente foi uma revolta contra o secular patriarcalismo e o machismo europeu ocidental.


Contudo, o desfecho disto tudo ficou muito aquém dos objectivos mais políticos.


Tivemos uma revolução de mentalidades, ainda bem, mas quanto ao sistema político e ao capitalismo eles souberam resistir, mudaram aquilo que era necessário mudar para que tudo ficasse na mesma.


Os capitalistas adaptaram-se, prepararam-se cuidadosamente para a fase seguinte, a fase do triunfo do capitalismo financeiro sobre os políticos, sobre os capitães de indústria e sobre o movimento sindical. Foram mais fortes, foram mais espertos e agora continuam mais fortes do que nunca.


Quais são os objectivos dos movimentos de acampados de que nos falam os jornais?


Mudar o sistema político, mudar a economia, acabar com o capitalismo, agradecer aos pais que os vão sustentando? Não sei e eles provavelmente também não.
Talvez mudar a Europa e impor urbi et orbi a ideia internacionalista de direitos iguais para todos os povos e cidadãos, independentemente do que quer que seja?


O problema incontornável e provavelmente mais terrível do que a ficção sobre a vitória dos alemães e dos japoneses na 2ª guerra mundial, desenvolvida por Philip. K. Dick em O Homem do Alto do Castelo, é que a sorte, o destino da Europa estão nas mãos dos banqueiros e dos poderes ocultos que mandam nos mercados.


Constatemos o incontestável, as democracias europeias foram vencidas pelas agências de rating e pelos banqueiros que as manipulam.


Nestas comparações a propósito de 1968, o Salazar, o Franco e os coronéis gregos vêm muito a propósito.


O novo fascismo de hoje, o fascismo da finança, não se exibe em paradas, com uniformes espampanantes e braço no ar. É muito mais sofisticado, age silenciosamente e é terrivelmente eficaz com as setas com que nos atinge e adormece.


Fomos apanhados na armadilha, tornámo-nos uns pobres animais de jardim zoológico.


Nenhum governo nos vai safar desta. E a esquerda europeia também não.


Talvez o povo, talvez os povos, sabe-se lá.


A história não costuma repetir-se, mas enquanto ela gagueja, sejamos realistas, sonhemos o impossível.



1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei particularmente deste post.Partilho as perplexidades e a esperança.

José António