Quando ia pela rua principalmente na Baixa onde havia sempre uma grande concentração de gente nos passeios, gente a mais para seu gosto, gente que não sabia muito bem andar no meio de tanta gente, com carros estacionados nos passeios, em grande gincana. Dava encontrões naquela malta desconhecida, quando vinha direito a ele um gajo ou uma gaja mal encarados, com ar talvez ameaçador, nunca se sabe. Dava-lhes uns encontrões. Se fosse mais pequeno e fraquitolas, se calhar não tinha coragem para isso, desviava-se para o lado, não ia enfrentar todos aqueles transeuntes adversos assim de peito aberto e ombros ao alto. Como era forte, aquilo acabava por ser um bom exercício. Na cidade e fora dela impera sempre a lei do mais forte, essa é que é a verdade, nada a fazer, ou bates ou és esmagado, tens que te treinar para a guerra urbana. Nunca se sabe o dia de amanhã.
Resolveu ir almoçar.
Não via a Mariana há quase duas semanas. Ela tinha-lhe telefonado a dizer que ia visitar a família, os avós que vivem lá para o norte, Tràs-os-Montes, Barca d’Alva, Torre de Moncorvo? Não, Barca d’Alva não é bem Tràs-os-Montes é mais Beira Alta junto ao Douro, na margem esquerda. Dantes chegava lá o comboio da linha do Douro vindo do Porto e depois, às vezes, havia umas ligações para Espanha. Torre de Moncorvo é mais a norte, talvez seja transmontana. O que é que isso interessa?
Lembrava-se de Barca d’Alva quando era miúdo e ia lá nas férias com a mãe. Os avós tinham lá uma quinta junto ao Douro, isso é que era vida. Agora o pessoal dali que não tinha quintas e precisava de ganhar a vida tinha ido praticamente todo embora, ficou um deserto sinistro, o comboio acabou.
Porque é que a gente vai para onde há imensa outra gente aos encontrões, que vive apertada nas grandes gaiolas suburbanas e nos engarrafamentos, em vez de ficar no remanso dos sítios que conhecem ou que os pais deles conheciam, e onde poderiam passear livremente ao ar livre e sem encontrões?
A Mariana estava um bocado chateada, foi isso que percebeu, no emprego as coisas estavam complicadas, demasiado stress e então decidiu meter umas férias, um brake disse ela.
Apesar de as famílias dele e dela serem praticamente conterrâneas, a Mariana tinha sido um encontro fortuito na confusão desagradável de Lisboa. A Mariana era uma loira sorumbática, não se dava muito por ela ao princípio.
Loira sorumbática, sim e, por isso, não tinha nada a ver com o retrato robô das loiras.
As loiras são naturalmente extrovertidas, dão nas vistas, procuram atrair os olhares, para isso maquilham-se e pintam o cabelo, procuram ser elegantes e bem parecidas. Não é porque sejam especialmente felizes, têm certamente dificuldades de relacionamento com os outros. Gostava dessas louras problemáticas, simpatizava com elas, mesmo quando não eram especialmente bonitas. A Mariana quando a conheceu, e isso não mudou, não era extrovertida antes pelo contrário, intimidava e estava-se nas tintas para atrair os olhares. Era uma trintona loira sorumbática, distante. Tudo isso o interessou, mas só à segunda tentativa de encontro é que se deu conta disso.
Quando se vai na rua atrás duma mulher que não é especialmente espampanante, e não se vai propriamente no engate mas por pura curiosidade e exercício de conquista urbana e, quando se aborda a perseguida, ela nos olha com olhar vítreo, o que é se faz? On se dégonfle?
Foi o que o que ele fez, meteu o rabo entre as pernas e abandonou a corrida em pleno Chiado. A mulher era loira, usava uns óculos de intelectual, o loiro parecia natural, o vestido era alegre mas sóbrio em tons de azul. Tinha óculos escuros e levava um chapéu de palha com uma barra amarela. Foi o detalhe da barra amarela que lhe chamou a atenção e lá foi ele atrás feito parvo.
Tudo isso aconteceu no princípio da Primavera quando Março começa a aquecer, apetece ir à praia e as mulheres aproveitam para aparecer atrevidas. Mas a loira de olhar vítreo e distante, perseguida Chiado acima, não tinha nada de atrevido.
As suas reflexões queriam dizer que estava com saudades da Mariana. Acabou o almoço, pediu a conta.
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