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domingo, 13 de fevereiro de 2011

LOUÇÃ, KAFKA E A MOÇÃO





Esta história da moção de censura que o Bloco de Esquerda resolveu inventar à última da hora, poucos dias depois de o Louçã vir à televisão dizer que isso era um disparate, esta história significa o quê?

Quando nasceu, que me lembre foi há cerca de 12 anos, o Bloco de Esquerda, não se sabia muito bem qual era exactamente a ideia.

Juntar maoistas, trotzkistas e ex-comunistas para fazer um partido, que não era bem um partido, não se sabia muito bem o que era, mas que se pretendia que fosse de esquerda. De esquerda socialista, talvez revolucionária, parece-me que propositadamente, a ideia não era muito clara. Muitas dúvidas, muitas incertezas, mas muito voluntarismo. Why not?

A verdade é que o Bloco teve sucesso, isso é indesmentível.

Algumas cabeças, alguns políticos e comentadores conservadores, de direita ou de esquerda sentiram esse sucesso atravessado, não perdoaram, sentiram-se ofendidos, ofuscados e resolveram atribuí-lo a uma certa complacência, até cumplicidade de certos jornais, jornalistas e comunicação social em geral… Acusações tudo muito vago, quem eram os complacentes?

Talvez houvesse complacência, é verdade, mas ela não vinha propriamente dos jornalistas, ela vinha de uma parte da sociedade, principalmente jovens e muita outra gente que não se sentia representada à esquerda pelo PC e muito menos pelo PS.

Gente que queria ouvir outra música, que tinha outras expectativas, que estava à espera de qualquer coisa de novo. E, durante estes anos, muitos sentiram-se compensados. Houve a lei do aborto, houve a lei do casamento de pessoas do mesmo sexo, houve mais algumas coisas, mas pouco mais. Pelo contrário.

O país foi-se afundando e que eu saiba, o BE não apresentou durante estes últimos anos em que aumentou o seu sucesso qualquer ideia original, quaisquer alternativas para fazer face à bancarrota, para combater a crise social, o desemprego galopante, as falências, o poder exorbitante do capital financeiro, a corrupção galopante.

Nada quanto ao fecho de maternidades, de centros de saúde, de serviços públicos. Nem uma palavra quanto à desertificação do interior. Nada quanto ao fim da gestão democrática nas universidades.

Nem uma ideia nova sobre a importância do terceiro sector e da economia social, como combater as desigualdades sociais, sobre as consequências do envelhecimento demográfico, sobre a reforma da segurança social.

Nada sobre o sindicalismo, nada sobre a recomposição da esquerda política e uma estratégia comum que respeite as suas diferentes componentes.

Silêncio completo quanto ao euro, quanto à perda de soberania a favor da hegemonia germânica, fiquemos por aqui que a lista já vai longa.

Em todo este trajecto, nos seus silêncios preenchidos por retórica socialista revolucionária, o BE encontrou o seu caminho de Damasco na pessoa do Manuel Alegre. Falo do BE, com o seu pequeno grupo de amigos e de convertidos.

Qual era a ideia dessa conversão?
Tratava-se de tentar convencer o Alegre a liderar uma cisão no PS que levasse à fundação de um novo e “verdadeiro” partido socialista (revolucionário?).
Ò Louçã, já andas há tantos anos na política, como é que não percebeste que a única coisa que interessava o Alegre era qualquer coisa de muito pessoal e íntimo, uma aspiração poética, uma vaidadezinha perfeitamente desculpável, o homem tinha aquele sonho, ele queria ser presidente da república. Era o que ele queria.


E tu, sem ouvires ninguém, deves ter consultado apenas alguns dos teus próximos mais indefectíveis, quando o Manel disse que estava disponível para se candidatar, tu no dia seguinte vieste dizer que o BE o apoiava. Novas maneiras de fazer política, é isso, ò Louçã, parabéns, descobriste a pólvora. São os caminhos imperscrutáveis da nova esquerda bloquista.


E agora, com a crise em fase crítica, tendo terminado em cataclismo a aventura alegrista, vem a moção de censura. Farsa, tragi-comédia? Tragédia?

Preferia que se se tratasse de uma tragédia. É que as tragédias, no seu sentido shakespeariano, costumam ser criativas.

Mas caio mais para o lado de Franz Kafka. É que isto da moção de censura faz-me pensar na metamorfose de alguém que se transforma num insecto gigantesco. Nesse cenário tudo é possível, tudo de mau, claro.

A política em Portugal, já o dizia o Guterres, isto é um pântano.

Enquanto uns se entretêm com jogos de poder com os amigos e apaniguados, outros vão roubando, vão enchendo os bolsos, vão explorando as fraquezas e as debilidades alheias. E o país vai caindo alegremente na falência e milhões na pobreza.

A moção é muito original, ela é de censura, mas a censura não é apenas contra o governo. É também contra o principal partido da oposição. Ou seja, por golpes de mágica, manda-se abaixo o governo e também a oposição.

Serve para quê a moção, é para mudar alguma coisa, ou apenas para deixar tudo na mesma?
Quem é que vai ficar de pé?

Com estes “revolucionários” brincando em jogos palacianos às “moções de censura”, o que é que a gente há-de fazer?

Na minha opinião, tudo isto é uma jogada, não sei se será maquiavélica porque tenho muito respeito pelo Maquiavel, mas é uma jogada apenas para manter o Sócrates e o seu bando do PS no poder por mais uns anos.

E tudo isto, porquê?

Novo caminho de Damasco, o Espírito Santo desceu fulminante sobre o Louçã e revelou-lhe que, ao contrário do que ele pensava, o PS do Sócrates é um verdadeiro partido de esquerda cuja missão histórica é levar Portugal à falência e os portugueses à diáspora. Em nome do ideal internacionalista.

Deus é grande, long live to the egyptian revolution!

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo com quase tudo. Mas o que me deixa perplexo é a TOTAL incapacidade de aqueles que assim pensam - e eu sou um deles - em gerar uma alternativa ou de tomar de assalto uma dessas estruturas ditas de esquerda, para finalmente apresentar ao país uma Esquerda pensante, coerente e capaz de agir. E aos que dizem não haver alternativas, não cesso de dizer que há dúzias de alternativas, de políticas alternativas, de visões alternativas, para podermos sair do buraco em que estamos. O que não há é vontade. E como o povo sofredor ainda não atingiu as profundidades do sofrimento que se verificavam em finais do século XVIII ou nos inícios do século XX, os diletantes que somos ainda não arranjámos carne para canhão para a próxima revolução.

"Shame on us!!!"

Nuno Cardoso da Silva