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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

VENTO SUÃO, ESQUERDA, DIREITA

Faz sentido falar mal, denegrir a política e os políticos em geral?

Fará sentido afirmar-se que os bons políticos são de esquerda e os maus são de direita ou vice-versa?

São questões que vale a pena examinar, sem preconceitos.

Não costumo ir ao parlamento, por isso, o que lá se passa só conheço pela televisão.

E o que vejo não me permite tirar conclusões, falo de conclusões conclusivas. Vejo coisas supostamente de esquerda de que não gosto e às vezes vejo coisas, ouço palavras de gente de direita com que concordo. Serão os males da democracia?

Ouço e vejo Sócrates e o Louçã, mas sobre um e outro há muito que estou esclarecido.

O Sócrates atingiu, na minha opinião, aquele estádio a que chegam muitas pessoas de idade avançada com dinheiro e com poder, quando os filhos ou herdeiros começam à procura de um tribunal que as interdite. Situações de descalabro humano,o que é que se pode fazer?




Quando vi hoje na televisão excertos das duas horas de discurso do Kadahafi, pensei automaticamente no Sócrates.

No entanto, o país continua sereno, ontem foi incendiado um autocarro na margem sul, mas parece que foram desacatos de suburbanos com excesso de copos.

Francisco Louçã é um economista brilhante, é um político estimável, culto, inteligente, um político que tem dedicado a sua vida a uma generosa militância política. Mas, Francisco Louçã e a sua moção, será que a moção é mesmo a moção dele?

Era uma moção para deitar abaixo o governo do Sócrates? Se era esse o seu nobre objectivo, porque é que o BE não foi até ao fim?

Uma esquerda para ser de confiança tem que ser credível. E, para ser credível, não se pode enredar em jogos, em encenações de poder que ninguém percebe.
Quantos eleitores desiludidos terá feito o BE com esta brincadeira da moção?

Haverá outras esquerdas para além daquelas esquerdas que se auto-proclamam?


Democracia popular, esquerda, socialismo, socialismo democrático, comunismo, marxismo, social-democracia, esquerda democrática, socialismo libertário, nova esquerda, anarquismo, tantas palavras que dantes muitos resumiriam na palavra “progressista”.

Reflectindo sobre o que se passa diante dos nossos olhos não apenas aqui neste pequeno rectângulo nem na demasiado velha e ultrapassada Europa, todas estas palavras me parecem ambíguas e sem sentido.

Quais são, então, as perspectivas de progresso no mundo em recessão e em crise que temos hoje? Onde é que está a esquerda?

Vai-se falando de liberdade, de cidadania, de solidariedade, mas penso que a principal referência do chamado povo de esquerda continuará a ser a velha aspiração à “liberdade, igualdade, fraternidade” da grande Revolução Francesa. Para além dos limites deste património histórico, poder-se-á falar de esquerda?

Não é um património de direita, isso é claro.


Mas pode-se governar em nome de ideais? Quem sobe na vida, quem conquista poder seja ele qual for, em geral tende rapidamente a chegar à conclusão de que isso dos ideais não é possível, nem prático, nem eficiente ou aceitável.


Aparecem, então, as alternativas “realistas” com os seus jogos de poder, aparece a direita travestida em esquerda popular, aparece a esquerda soviética travestida em esquerda de confiança.

Alternativas embrulhadas nos seus deslumbramentos, sem humildade e sem espírito crítico, que vão abrindo o caminho à direita autêntica, àquela que não esconde que defende os interesses e os negócios dos grandes grupos porque, argumentam, sem eles não há economia que resista.

A direita ligada à grande corrupção, a direita cuja consciência social se resume à compaixão pelos pobrezinhos e pelos desempregados.

O que é que distingue esta direita autêntica, esta direita certificada daquela outra direita, que quando está bem instalada no poder, dá largas ao pulsar do seu enorme coração de esquerda e se vai enternecendo de vez em quando, entre dois whiskies, perante o azar e a pouca sorte dos deserdados, dos desempregados, dos injustiçados?

Velha questão é esta: pode a esquerda governar?

Tivemos a Revolução Russa em 1917, não vale a pena falar disso, tivemos o Front Populaire em França em 1936, o trabalhista Atlee no pós-guerra em 1945, os social-democratas suecos antes e depois da guerra, o Mendès France na IVème République, alguns exemplos que correram bem, outros nem por isso.

Está então a política condenada a pertencer à direita? E será que há bons políticos de direita?

Há exemplos de bons políticos de direita. Estou a pensar no Aldo Moro, cuja tragédia não esqueço. Estou a pensar em alguns deputados do parlamento português. Políticos sérios, alguns brilhantes. O problema é que a política não se resume às pessoas. Mas também é verdade que sem pessoas, a política é um enorme alçapão. Venha o diabo e escolha.

Felizmente, a Inquisição já acabou.

Resta-nos esperar pelo vento suão, aquele que sopra do lado sul do Mediterrâneo com os seus calores do Sahara. A geografia do progressismo pode estar a mudar. De rumos e de continente.

Talvez a Merkel, o Sócrates, o Cavaco, o Sarkozy e o Berlusconi não tenham que esperar muito para seguir o mesmo caminho do Ben Ali e do Mubarak. Deus é grande!


2 comentários:

Anónimo disse...

Peço desculpa. Parece que sou o único que acha que vale a pena tentar iniciar discussões sobre os temas aqui apresentados.

Sem saber, sou de esquerda desde que nasci, mas fui incapaz de me afirmar como tal enquanto parecia que a imagem de esquerda era o Eduardo Prado Coelho... ou outros como ele...

Foi graças à Doutrina Social da Igreja e, sobretudo, à Teologia da Libertação, que eu acabei por perceber que ser de esquerda era ser solidário com os que mais sofrem, era pugnar por uma liberdade que não fosse complacente com a pobreza, era ser pela defesa dos direitos humanos, e não pela caridade intermitente...

Gosto muito das análises críticas de Marx e de Bakunine, gosto muito pouco das alternativas que eles - e seus seguidores - propunham.

Mas acho que se pode fazer política de esquerda e ser bem sucedido, e acho que é preciso um partido de esquerda que saiba o que quer e como fazê-lo. Não vejo nem o PS, nem o PCP, nem o BE como sendo capazes de promover políticas de esquerda num quadro de liberdade. Quando respeitam a liberdade (mais ou menos) não são capazes de fazer política de esquerda, quando acham que estão a fazer política de esquerda, não respeitam a liberdade.

Eu sei que é possível fazer melhor, mas não encontro quem queira fazer o esforço...

Nuno Cardoso da Silva

Anónimo disse...

Gostei muito de ler este post. Concordo com todos os argumentos apresentados. Nomeadamente, quanto à Revolução Francesa que é, de facto, a matriz política de uma Europa da Fraternidade (sem fraternidade não há Liberdade. Contudo, a palavra esquerda e direita soa-me aos meus ouvidos cada vez mais estranhas. Antes de mais, é preciso reinventar outros termos.
A revolução social, a meu ver, é antecedida por uma revolução na linguagem.