PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 13 de março de 2012

AS ELITES A QUE TEMOS DIREITO


Um país sem elites elíticas está entregue à bicharada. Cada país tem a sua história, mas cada uma dessas histórias depende das tais elites.


Depois da crise de 1385, Portugal passou para a frente da Europa graças às elites que soube criar. Foram as elites da Ínclita Geração, a geração que preparou as viagens e a descoberta de novos mundos e de novas rotas comerciais que eram completamente desconhecidos das potências europeias, uma geração de cientistas, de comerciantes, de novos cruzados missionários e de aventureiros seduzidos pela ideia de irem à descoberta pelos mares sem fim.


A principal elite destas elites eram não apenas os comerciantes, que queriam ganhar dinheiro e roubar mercados às repúblicas italianas, mas também os cientistas, Pedro Nunes é o nome que mais me ocorre. Entre estas duas elites forjou-se uma aliança para atingir objectivos precisos, aliança fundada e dirigida durante muito tempo pelo Infante D. Henrique.


Pormenor que convém assinalar, estes comerciantes e cientistas eram, na sua maioria, judeus.


O rei D. Manuel, que foi apelidado de venturoso mas que na realidade apenas soube trazer desgraça para o país, decidiu expulsar, sob pressão dos concorrentes espanhóis, toda essa gente, esses comerciantes, banqueiros, filósofos e matemáticos judeus. A grande maioria dos proscritos foi parar à Holanda. Foi lá que nasceu o grande filósofo universal Bento de Espinosa, filho de judeus portugueses.


Holanda, Holanda, país eleito por um conhecido grupo económico português para nele se sediar. Há coincidências, reincidências extraordinárias.


Desde o fatídico rei chamado venturoso até aos dias de hoje, a sorte de Portugal tem sido uma triste sorte, a de um país sem elites elíticas.


Houve fogachos, houve algumas excepções, tivemos nos finais do séc. XVIII e nos princípios do século XIX os estrangeirados, o Verney, o Ribeiro Sanches, a Marquesa de Alorna, o iluminista Marquês de Pombal, depois vieram os liberais, o Garrett, o Herculano e outros.


Mais para o final do século, tivémos o visionário industrialista Fontes Pereira de Melo e o pessoal das Conferências do Casino, o Antero, o Eça, alguns proto-socialistas e sindicalistas. Comparando o séc. XIX com o século XX, em matéria de elites elíticas, é incontestável que as elites oitocentistas foram mais brilhantes quanto a artistas, escritores, filósofos e até políticos do que o século XX.


O problema do século XIX é que não deixou ao país uma herança com grandes objectivos que merecessem ser prosseguidos. Não conseguiu acompanhar o andamento da revolução industrial, provavelmente porque as suas elites eram avessas a maquinismos e, porque não estavam disponíveis para arriscar os seus privilégios de classe e preferiam continuar a ser ao mesmo tempo rurais e lisboetas. Também porque a monarquia “oceanográfica” de D. Carlos não tinha nem vontade, nem capacidade de mudança nem estratégia para o país. Vivia dos rendimentos, levou o país para a deriva.


Perdoem a longa introdução.


Não vale a pena falar nem da república nem do Salazar corporativista e pidesco, são sessenta anos de tristes memórias.


Que elites é que temos hoje, nestes malfadados tempos, nestes tempos de desgraça?


Nos tempos da velha monarquia, as elites eram recrutadas nas boas famílias da aristocracia, era gente que recebia em herança uma vida com futuro assegurado com propriedades, privilégios, relações sociais, alianças matrimoniais, tudo corria no melhor dos mundos. Era uma gente absolutamente e egoisticamente epicurista que se limitava a recolher os frutos semeados pelo avô, pelo trisavô, pela sogra, pelos tios.


Os privilegiados da burguesia herdavam outras coisas, o cartório, o consultório, a farmácia, as terras do pai. Os jovens herdeiros burgueses especializaram-se nas chamadas profissões liberais, cujos privilégios sobreviveram até hoje. Outros mais ousados apostavam no comércio externo. Mas raríssimos se aventuravam a arriscar na indústria, isso era demasiado para o conforto das suas modestas ambições.


De maneira geral, as jovens gerações burguesas, a partir o início do século XX, aprenderam a dar expressão ao seu papel social como continuadores dos seus interesses de família e de classe através da universidade. Essa aliança burguesia-universidade criou novos personagens de sucesso, novas elites com a particular chancela do diploma universitário. Quem não fosse bacharel ou licenciado, dificilmente poderia presumir chegar a advogado, médico, director-geral, deputado, presidente de câmara ou presidente de qualquer outra coisa dependente do Estado.


Houve uma revolução em 1974, houve uma massificação do ensino, houve nos anos 90 uma explosão do ensino superior privado, mas quanto ao papel dos diplomas no sucesso social das elites, os mecanismos só começaram a mudar há muito poucos anos.


Todos os anos, as universidades e os politécnicos diplomam milhares de licenciados, centenas de mestres e algumas dezenas de doutores (bacharéis não, porque isso acabou).


A maior parte desses diplomados tem hoje destinos mais ou menos inevitáveis: na melhor das hipóteses, call centers, centros comerciais, bares, restaurantes, tudo trabalhos a curto prazo. Podem também emigrar, o governo apoia.


Licenciados, mestres, doutores, tudo isso há cerca de quinze anos eram passaportes assegurados para obter carreira, sucesso, salário, estabilidade, um futuro risonho. Mas tudo acabou, o paradigma finou-se.


As universidades já não garantem emprego a ninguém, como elevador social elas passaram a quantidade praticamente negligenciável.


No entanto, mantêm ainda um velho privilégio. É que, na fabricação das elites escolhidas para nos governar, conservam o poder de chancela.


Nenhum ministro, nenhum secretário de estado, director-geral ou qualquer outra coisa do género se pode apresentar para tomar posse do lugar se o seu nome não for precedido da partícula dr. Neste aspecto, nada mudou, tudo continua como há cem anos.


Ao mesmo tempo, o mundo universitário em Portugal, depois do interregno da década de 1960, continua a ser um conjunto de gente pequena apenas interessada em defender os seus interesses, sejam de classe ou de qualquer outra proveniência.


Aqui ao lado, em Espanha, estudantes universitários têm vindo para a rua, manifestam-se, lutam contra a austeridade, são jovens com consciência social e política. Em outros países europeus, as jovens gerações têm manifestado posições políticas activas e não apenas em defesa dos seus interesses específicos.


Em Portugal, os estudantes universitários, raramente têm saído à rua, aliás sempre em pequeno número, e apenas para defender interesses particulares, propinas, bolsas, ponto final.


Realidade cruel, nos últimos quase quarenta anos, os estudantes universitários em Portugal não desempenharam qualquer espécie de papel social e político. A decadência social e política das nossas universidades começou aí nesse desinteresse, nessa indiferença, nesse individualismo estéril das jovens gerações que têm andado a ser formadas para o papel de elites do futuro.


Consequência inevitável, as universidades passaram a ter como principal função formar desempregados e trabalhadores precários. O que significa que deixaram de ter o monopólio de formar elites.


Actualmente, as elites, ou seja aqueles que são ou foram preparados para governar e dirigir o país, para serem ministros, primeiros-ministros, secretários de estado, gestores, chefes de gabinete, consultores, directores-gerais, toda essa gente passa agora obrigatoriamente por outro crivo, que não é o universitário.


É o crivo das juventudes partidárias, o crivo dos partidos, o crivo das cumplicidades, das negociatas e dos interesses de grupos ao assalto do poder.


Essa é a verdadeira escola de elites que temos agora.


É fenómeno recente. Exemplifiquemos com alguns nomes sonantes esta nova filière que forma as novas gerações dos que mandam no país.


José Sócrates, “engenheiro” da “universidade” independente, “licenciado” na véspera de ser membro do governo.


Passos Coelho, diplomado também quase na véspera de ser primeiro-ministro por uma “universidade” privada, cujo nome desconheço. Chegou a primeiro-ministro, depois duma persistente carreira na jota ésse dê.


António José Seguro, antigo aluno de gestão do ISCTE, cuja licenciatura não conseguiu terminar, tendo-se licenciado noutra coisa qualquer numa dessas “universidades privadas”, também muito tempo depois de estar bem instalado na carreira política, graças à jota ésse.


Em matéria de elites, as universidades mantêm ainda um vago poder de chancela.


Põem o carimbo no diploma, pode ser num domingo à noite, num vão de escada, o futuro ministro vai para casa satisfeito, apenas precisava da chancela, do carimbo sobre a partícula, sr. dr., sr. engº.


Terá futuro este negócio de carimbos universitários?



Sem comentários: