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quinta-feira, 14 de maio de 2009

Bela Vista, blade runners



Bela Vista, Bela Vista! Espreita-se a vida urbana de Setúbal do alto do Castelo de S. Filipe. É uma vista panorâmica em cinemascope, mas lá do alto também se vislumbram pormenores.

O rio, o estuário, os ferry-boats verdes desmaiados, a cor não se percebe lá muito bem, talvez tenha a ver com aquela história um bocado forçada do desenvolvimento sustentável. Os grandes grupos de patrões, de empresários, Sonae, Espírito Santo, eu sei lá, descobriram essa fantasia politicamente correcta para se apoderarem, sob a protecção dos pins socráticos, da costa peninsular setubalense. Travestidos de ecologistas, fazem agora a apologia do verde desmaiado nos seus barcos com que transportam os turistas.

Pormenores, pormenores. Luísa Rosa de Aguiar, conhecida por LuísaTodi, a grande meio-soprana europeia setecencista, a “cantora de todas as centúrias” é a verdadeira padroeira de Setúbal. Não é só por isso que a cidade é nobre.

Na avenida que é o coração da cidade e que tem o nome da grande cantora, fica o mercado. Mercado do povo, claro, que ajuda contra o custo de vida. No seu bulício interior, nas pessoas que cruzamos, nos vendedores, nas fotografias dos heróis do Vitória, encontramos sinais da antiga tradição pescadora da Setúbal proletária e humanista.

Pormenores, pormenores. Bela Vista, bairro cercado pela polícia. Bairro sequestrado pela pobreza, D. Manuel Martins dixit. Em que é que ficamos? Um filme de polícias e ladrões, ou mais uma das intermináveis cenas de regime capitalista? Blade Runner?

Na cena final deste filme de Ridley Scott de 1982, Rutger Hauer o subversivo raplicant andróide, explorado e condenado a vida breve, fugido das fábricas extra-terrestres, salva a vida do polícia que o quer matar, o blade runner Harison Ford. Porque é que ele salva o polícia?

Hauer sabe que o seu tempo de vida vai terminar, foi programado para apenas quatro anos, tempo útil nas tais fábricas. É apenas mão-de-obra, mas aspira a ter vida, é um direito, não? Tal aspiração é subversiva, mas ele não aceita ser escravo: “viver no medo é ser escravo” diz na conversa final sobre o terraço à chuva com Ford.

Ford é apenas mais um polícia apanhado na engrenagem da equação do capitalismo, lucro, patrões, executantes, polícias, mão-de-obra, pobreza, Estado, prisão, violência. Será esta equação que torna o capitalismo humano?

“Vi coisas que ninguém acreditará, naves em fogo em Orion, raios C brilhando nas portas de Tanhauser. Todos estes momentos se vão perder como lágrimas na chuva.”
Choras, blade runner Ford? Chora, porque também tu és raplicant, andróide sem esperança.
Não chores Bela Vista. A tua hora há-de chegar.

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