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quinta-feira, 21 de maio de 2009

WALDBUHNE


Uma notícia que li há pouco tempo dava conta que em Berlim há uma brigada de caçadores urbanos que, quando cai a noite, se dedicam aos javalis. Em Portugal, segundo parece, há cada vez mais javalis, mas ignoro se existem expedições nocturnas deste tipo.

Berlim é provavelmente a cidade mais verde da Europa e isso atrai os javalis. Estimativas oficiais indicam que existirão entre 5.000 a 8.000 indivíduos dessa espécie domiciliados na capital alemã. Os bichos têm vindo a tornar-se cada vez mais atrevidos e já não investem apenas as áreas mais arborizadas, mais periféricas, e chegam mesmo nas suas investidas praticamente até ao centro da cidade, até, imaginem, à célebre AlexanderPlatz.

Waldebuhn é um dos locais mais verdes de Berlim, mas não consta que a invasão de javalis lá tenha chegado. Waldebuhn é um famoso anfiteatro, mandado construir por Hitler para os Jogos Olímpicos de 1936. É um anfiteatro estilo grego onde, desde 1961, acontecem principalmente no Verão grandes espectáculos musicais. A Filarmónica de Berlim, por exemplo, todos os anos ali apresenta concertos com reportório popular. O anfiteatro está sempre cheio, cerca de vinte mil espectadores rodeados pelo verde da floresta, bem instalados, muitos com alto estilo de vida degustando caviar acompanhado de autêntico champanhe. Ouvem, por exemplo, Rimsky-Korsakov e a sua Sherezade, já assisti a isso no Mezzo.

Mas, em 1965, houve uma espécie de invasão de javalis nesse templo verde da música, quando os Rolligs Stones lá foram dar um concerto. A coisa correu muito mal, porque uma parte dos espectadores se envolveu numa tremenda batalha com a polícia, de que resultaram, para além de não sei quantos feridos, muitas destruições. O anfiteatro ficou fechado durante vários anos, só reabrindo em 1969.

Em tempo de gripe porcina, pode-se relacionar esta história de javalis com as ameaças de pandemia. Mas para mim estas invasões são principalmente simbólicas. Vejo nelas a vulnerabilidade das cidades humanas face a poderes destruidores e imprevisíveis.
No caso específico da Alemanha, isso leva-me a pensar em toda a história terrível, em que não era apenas o destino da Alemanha que estava em causa, que vai do final da guerra em 1918 e do esmagamento da sublevação espartakista em 1919 à República de Weimar, terminando com a subida ao poder de Hitler em 1933. A crise de 1929 não começou nesse ano, de facto começou dez anos antes e só terminou em 1945 com a derrota do nazismo e do fascismo. Voilà!

E depois há o outro lado, mais promissor, dessa velha e terrível crise: os dourados anos 20, a paixão alemã pelo cinema e pelo teatro, a arquitectura Backhaus, os livros de grandes criadores, Thomas Mann, Alfred Doblin, Robert Musil, Herman Hess, a paixão pelo jazz, Kurt Weil, Brecht. É uma época gloriosa, sabe-se lá, talvez a mais simpática da história da Alemanha.

Nesse cortejo de notabilidades que se revelaram então, os Comedian Harmonists foram o principal arquétipo da música popular alemã aberta a outras músicas e, em particular, ao Jazz. Eram seis cantores que, a partir de 1927, se tornaram conhecidos muito para além da Alemanha, tendo aparecido em 21 filmes realizados nos EUA. Mas a sua carreira terminou abruptamente em 1934 por ordem dos nazis.

Um genial showman, o barítono Max Raabe, recuperou a tradição harmonist e de outros músicos alemães dos anos 20/30. Em 1986, criou a Palast Orchester, com onze músicos homens e uma violinista, grandes músicos vestidos a preceito, e inventou um novo tipo de espectáculo musical, sofisticado e ironicamente cosmopolita. Espero que venham a Portugal, já apareceram em todos os lugares importantes do mundo, inclusive no tal anfiteatro de Waldebuhne, onde, sem javalis, mas com chuva, celebraram em Agosto de 2006 o seu vigésimo aniversário. Apreciem o espectáculo, o preço do DVD é mais do que merecido.



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