PEDALAR É PRECISO!

terça-feira, 26 de maio de 2009

LA PIPE DE TATI


Não gosto especialmente do Tati autor e actor de filmes mímicos sobre os malefícios e as incongruências dos tempos modernos. Por mim, prefiro o Charlie Chaplin cuja crítica à mecanização e outros “malefícios” me parece ter ido muito mais longe. Aliás, os autores e actores americanos de comédia cinematográfica de non-sense foram em geral muito eficazes e conseguiram durante muito tempo fidelizar plateias que amavam esse género cinematográfico. Basta lembrar Buster Keaton, Harold Lloyd, W. C. Fields e os Marx Brothers. Gostos são gostos e o que interessa para o caso é que o Jacques é uma grande referência do cinema europeu e um grande criador.


Vem isto a propósito de uma cena que aconteceu há poucas semanas. Essa cena não é apenas caricata. Em Paris, o departamento de publicidade da RATP, que é a empresa que explora todos os transportes urbanos da cidade, impôs a supressão do cachimbo de Jacques Tati num cartaz onde era anunciada uma exposição sobre o cineasta francês. Por imposição dos censores, o cachimbo foi substituído por uma espécie de moinho de papel.




Motivos: os que impõe a lei que, desde há 18 anos proíbe a publicidade directa ou indirecta ao álcool e ao tabaco.

Pouco tempo depois, novo episódio censório e também parisiense. O cigarro exibido por Audrey Tautou no cartaz do filme Coco avant Chanel, em que interpreta o papel da célebre criadora da moda francesa, é também suprimido. O motivo continua a ser o mesmo, a lei antitabagista.

Estas censuras, que me lembre, nunca tinham acontecido antes. Fazem-me lembrar tristes episódios de derivas totalitárias já bastante antigas e pensar em derivas mais actuais.

O que é que distingue o zelo anti-tabagista dos funcionários ratpianos parisienses do zelo dos funcionários dedicados ao camarada José Staline quando este os mandava apagar o Trotsky ou outros concorrentes de fotografias que tinham fixado para a posteridade os camaradas bolcheviques?

Há oitenta anos era mais difícil concretizar esses apagões fotográficos, ficava sempre algum rasto e, por isso, o camarada dos bigodes passou sempre à fase seguinte que era, por exemplo, a picareta no crânio do Trotsky lá longe no México. Trêve de plaisanterie!

Manipulações, manipulações! Assistimos a isso todos os dias, mas não é apenas na televisão. O nosso quotidiano está cheio de belas tecnologias, como, por exemplo, esta que estou a utilizar neste blog.

Pode-se, por exemplo, gravar conversas sem que os falantes saibam. A professora, o professor que falam aos seus alunos na aula podem estar seguros de que ninguém os está a gravar? Episódios recentes comprovam que não. Gravar é o contrário de apagar (la pipe de Jacques, por exemplo) mas pode também significar manipular. Que devem fazer os professores? Ler nas aulas as lições que escreveram previamente em casa, não se desviando um centímetro do guião?


Derivas, derivas! E o paternalismo censório de quem faz aprovar leis para impor às pessoas comportamentos ditos saudáveis, mas que, por outro lado, se está nas tintas para os muitos e são cada vez mais que estão no desemprego, que habitam ou trabalham em sítios completamente degradados, que comem o que vem à rede? A saúde deles também é importante? Acham que, se lhes apetecer e tiverem dinheiro para isso, talvez possam fumar um cigarrito?


Segundo as últimas notícias, um conselho francês de ética publicitária decidiu afinal aceitar a representação em futuras campanhas publicitárias de cachimbos, charutos e cigarros, desde que tenham “uma finalidade cultural e artística” e que as pessoas representadas “já tenham morrido”. Condição sine qua non sem dúvida, esta, e que muito provavelmente no espírito dos seus autores deverá servir para comprovar os malefícios do tabaco. Afinal, as eméritas personagens fumadoras acabaram ou não por morrer?


Problema, problema. É que o Jacques Tati viveu entre 1907 e 1982 e a Coco Chanel entre 1883 e 1971. Façam as contas. Serão estes distintos tabagistas um bom exemplo dos ditos malefícios e também da consequente necessidade de se recorrer a derivas censórias e a outras manipulações do mesmo accabit?

1 comentário:

souklaye.sylvain disse...

Ce que la religion se permet, la nicotine l’a perdu. Les lobbys ne sont plus ce qu’ils étaient.
Nous possédons un léger recul pour apprécier l’intérêt efficient ou relatif de l’interdiction de fumer en dehors du cadre intime. Fumer tue. Obéir nuit.
Pour d’obscurantistes raisons de santé publique et de lifting de la bienséance, l’époque est au déni de sa nature, sous le joug du commerce équitable, du tourisme solidaire et de l’écologie obligatoire.
Une impression de liquidation judicaire à l’échelle mondiale me pousse à penser qu’il faut effacer toutes les traces de dérive addictive et de cannibalisme économique pour les futurs historiens.
La suite ici :
http://souklaye.wordpress.com/2009/04/09/note-de-service-controle-social-et-degats-collateraux/