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quinta-feira, 24 de março de 2011

DIRTY SÓCRATES

O circo está aí, não tenho nada contra a gente do circo, estou apenas a usar uma forma de expressão. O Passos Coelho tinha anunciado que o teatro tinha acabado. Anúncio que foi o toque a finados para se começar a chamada crise política que terá tido hoje 23 de Março de 2011 o seu primeiro episódio.



O que o Passos queria dizer nesse anúncio era que ele se retirava, estava farto, retirava-se do papel em que era suposto ser ele que tinha que transportar o Sócrates, empoleirado nos seus ombros, vestido de primeiro-ministro que conduzia convictamente eufórico o país à falência.


Passos Coelho, ninguém o obrigou a entrar na peça, entrou voluntária e conscientemente nessa cena em que aparece a explicar que tem que dar um crédito de confiança ao seu principal opositor, o Sócrates. Assumiu convictamente esse papel? Terá sido mais por receio e por falta de coragem para voos mais altos.


O Sócrates, desde quando o personagem começou a emergir, fez-me sempre pensar, salvaguardadas as devidas proporções históricas e políticas, naquele ilustre político americano que, além de ilustre, chegou a ser muito poderoso mas que acabou mal, o presidente dos USA Richard Nixon. Dirty Richard, dirty Sócrates, gente da mesma cepa, voilà.


Dirty Nixon, protótipo do político mentiroso, do político aldrabão, pronto a tudo para ganhar poder, para conservar poder, para ter poder. Mas o Watergate acabou com ele. Deus é grande!

O “nosso” Sócrates andou perto dum Watergate, infelizmente o deus das democracias, o deus dos desamparados e distraídos e pouco atentos à natureza humana, esse deus não ajudou um país, que é o meu o que é que se há-de fazer, desamparado à mercê das atenções e dos interesses dos pequenos parvenus e dos chicos espertos que acabam por se alcandorar e dar cabo do país, que neste caso, infelizmente, continua a ser o meu.



Ao cabo da história destes terrivelmente longos anos socráticos, que culmina com o episódio de hoje da demissão do dirty Sócrates, chegámos ao grau zero da política. Ao grau zero das portas para o fim do mundo.


Não por causa da demissão, que é muito e demasiado tardia, mas por causa do que antecede e do que virá depois.


No tempo do Salazar, o povo murmurava, não podia nem era capaz de falar abertamente, o povo murmurava, no íntimo de cada um, não estava contente com a sua sorte, com a sua vidinha, a fome, a falta de alimentos, as dificuldades do quotidiano. Mas a resignação cristã, aquela ideologia dos pobrezinhos, enchia-lhe a alma de compreensão, algum fatalismo também. E o povo pensava o senhor presidente do conselho não tinha a culpa, ele era uma pessoa honesta.




No estado a que isto chegou, pode estar a voltar essa fatídica resignação, a compaixão que às vezes se exprime numa espécie de solidariedade que é muito católica e que costuma absolver sobretudo os grandes culpados, os bandidos e outros salteadores.

E assim podemos estar a voltar a esse sentimento de grande desculpa nacional, a uma desculpa descomunal e muita gente hoje por esse país fora poderá começar a afinar por um mesmo pensamento, a culpa não é do Sócrates, o homem tem sido muito atacado, mas, sabe-se lá, se calhar até é honesto.


Tudo depende do conceito, desonestidade é um campo muito aberto, tem demasiado a ver com moral e a moral nem sempre é honesta.


Político honesto não é certamente o Ademar de Barros, aquele brasileiro candidato à presidência do Brasil, creio que foi opositor do Juscelino Kubitschec, era governador dum Estado, talvez S. Paulo, não sei dizer ao certo. Ora, do Ademar dizia-se “Ademar rouba, mas também deixa roubar”, tinha muitos adeptos.


Em Portugal, temos exemplos de personagens deste tipo, não vou dizer os nomes por razões óbvias, até porque não me cabe substituir a justiça, sou contra a justiça “popular”.


Mas quando me refiro a isso de políticos malhonnêtes estou-me a referir a coisas bem mais graves. Em sentido político, desonestidade tem a ver com falsas convicções, tem a ver com mentira e ocultação dos factos, falta de humildade e de sentido das suas próprias limitações, com incompetência, com arrogância e apego paranóico ao poder, a lista é bastante longa.


Pode-se abrir um concurso para desenvolver e completar esta longa lista.


No dia em que foi obrigado a dizer adeus ao poder, hoje dia 23 de Março de 2011, o “nosso” Dirty Sócrates, na forte convicção muito íntima da sua pobre arrogância, acrescentou a sua special touch ao retrato do político malhonnête: ele é uma vítima, foi atraiçoado, andou a lutar pelos interesses do país e, no fim, é obrigado a demitir-se. Queixou-se, queixou-se lendo o teleponto à sua frente para os milhões que assistiram ao seu número de circo na tv. Queixou-se contra toda a gente, só não se queixou de si próprio. Só não teve a humildade de reconhecer que ele é o principal responsável do estado, não é o único acrescente-se, a que o país chegou.


Há exemplos históricos indesmentíveis de políticos mal compreendidos no seu tempo. Políticos que a história acabou por reabilitar. A margem de erro para o nosso juízo nunca é próxima de zero e há sempre um intervalo de confiança, é como nas sondagens.


Mas para tudo há limites.


Do mesmo modo, em todas as situações, por mais desesperadas que possam ser, poderá sempre haver margem para a esperança.


Confiemos, então, esperemos que os eleitores não se vão deixar enganar mais uma vez pelo dirty Sócrates, agora reconvertido no papel de vítima inocente.


Esqueçamos o personagem.


Há coisas mais importantes para discutir, para debater.


Em vez de mais um triste e inconsequente episódio, pode ser que as próximas eleições sejam oportunidade para se sair da crise.


É que a crise já é antiga. As suas origens nasceram quando Portugal entrou para a CEE e os portugueses se embalaram nas promessas fáceis do euro do consumismo (não estou a pensar em euro-comunismo. essa é outra história).


A CEE e o euro parecem ser o nosso Dr. Fausto. Não digo isto por o Goethe ser alemão.


O tempo não perdoa e os países também se abatem. Está tudo em aberto.


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