PEDALAR É PRECISO!

domingo, 13 de março de 2011

GERAÇÃO PRECÁRIA?

Cito de memória, “um espectro ameaça a Europa, o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa se unem para o conjurar.» São as primeiras palavras do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado pela primeira vez em Fevereiro de 1848.
1848, ano crucial na história europeia, provavelmente o ano mais intenso e dramático do século XIX. Não houve então propriamente uma revolução, houve várias tentativas, de facto acabou por ser apenas uma febre que varreu a Europa de oriente a ocidente.

Durante alguns anos fui um habitué das manifestações na Avenida da Liberdade, ultimamente menos.

Manifestações desenhadas a compasso, palavras de ordem quase sempre as mesmas, tudo um bocado cansativo e algo deprimente, serviço de ordem, carrinhas com altifalantes, tudo obediente atrás do andor.

Declique na minha cabeça, quando cheguei hoje à avenida da Liberdade, era cedo mas o sol já ia declinando ainda estamos no inverno, veio-me à ideia o ano de 1848 e o espectro anunciado pelo Marx e pelo Engels.

Fiquei ali a admirar aquela multidão compacta, que avançava em bloco ocupando na sua marcha toda a avenida em largura entre o S. Jorge e o Tivoli. Muita, muita gente, impressionante, gente jovem e alegre que nunca tinha visto desfilar na avenida das liturgias comemorativas da esquerda portuguesa. Para mim foi uma estreia.

Momento emociante, segurei-me a uma árvore, será que ainda há por ali árvores, provavelmente era um automóvel?

Na altura não me dei ao trabalho de perceber isso de 1848 e do espectro. A associação de ideias era um pouco bizarra. É que não sou propriamente adepto de Karl Marx e quanto àquele distante ano europeu, ele traz-me à lembrança muitas desgraças.

Acompanhei o desfile até ao Rossio, fiquei um pouco decepcionado, estava convencido que aquele pessoal todo ia acampar mais para baixo, no Terreiro do Paço.
É que nestas últimas semanas tenho imaginado as massas populares da Praça Trahir ocupando a praça do comércio à beira Tejo.

Também é verdade que na minha memória ficou a imagem do Pinheiro de Azevedo, com o Sá Carneiro ao lado, a gritar „o povo é sereno, é só fumaça!“ Não é uma recordação brilhante.

Deixemos as recordações e as fantasias.

Haverá agora neste ano de 2011 um espectro na Europa, e se há, que espectro é esse?

Para as classes dominantes do norte da Europa com a Alemanha à cabeça, é útil que haja um espectro, isso cria boas oportunidades de negócio e torna o seu poder mais forte. Inventaram, pois, um espectro e deram-lhe o nome de déficit. É um espectro que habita nos países da Europa do Sul, os PIGS, gente muito gastadora, gente pouco recomendável e que, por isso, convém assustar.

É verdade que em 1975, o espectro do Engels e do Marx pairou aqui por estes lados da ocidental Ibéria e que, nessa altura, a velha Europa poderosa e bem instalada se assustou. O dr. Soares tornou-se então um estadista popular e respeitado, tendo-lhe sido confiada a missão de afastar o fantasma para longe. Em recompensa pelos serviços prestados, tornámo-nos parte da tal Europa.

Vejo desfilar pela avenida abaixo aquela multidão compacta de jovens, jovens gritando contra a precariedade, contra os falsos recibos verdes, os falsos contratos, a casa dos pais, contra os políticos, contra o futuro sem futuro, muitos jovens que manifestamente começam a deixar de o ser e que não têm ainda vida própria.

Precariedade, lei do mais forte, lei da selva, lei sem lei, tudo isso me faz pensar na revolta contra o capitalismo sem moral e sem lei de 1848.

O mesmo capitalismo dos capitalistas sem moral e sem lei de hoje, capitalistas mais fortes e impudentes do que nunca, o sistema que domina, manipula e sopra aos ouvidos dos políticos o que eles devem fazer.
O sistema de poder que impõe a austeridade em nome do deficit, para poder explorar as pessoas como coisas, como mercadorias, como quantidades de um puzzle do mercado de capitais.

Um sistema aparentemente invulnerável, aparentemente sem brechas.

No dia 12 de Março de 2011, vi com emoção aquela multidão compacta descer a avenida simbolicamente chamada da Liberdade. Vi também um grande cartaz onde estava escrito Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Pensei em 1848, lembrei-me do espectro que nessa época assustava a Europa e fiz o meu íntimo voto: talvez esta geração não seja precária.

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