Não sou especialista de fados, mas tenho as minhas preferências. Na minha modesta opinião de amador de fados Foi na Tavessa da Palha cantado por Lucília do Carmo é o fado dos fados e Lucília do Carmo a fadista das fadistas.
O filho dela, aliás, que se considera o Sinatra português e que se diz fadista, devia por os olhos na mãe.
Este fado cantado pela grande Lucília inspirou Ana Moura que gravou há pouco tempo uma nova versão chamada Caso Arrumado. A letra e a música são diferentes, mas o fado é o mesmo e o resultado é de grande qualidade. Apesar de não imitar o original, consegue manter-se fiel ao espírito da versão original.
É uma versão actualizada, mas principalmente é um fado que faz muito sentido porque canta o caso arrumado que é o fado deste país. Um fado cruzado com muitos personagens, mas com uma teia relativamente simples. Uma teia de interesses, de ambições, de mediocridades, de leviandades criminosas.
O fado do Sócrates e do Passos, ora dizes tu, ora digo eu, o meu é maior do que o teu.
O fado do Teixeira dos Santos que quando os juros da dívida soberana chegaram aos 7%, se fosse um político coerente e um homem de coragem, se deveria ter demitido e, como não o fez, foi apodrecendo e com ele o país.
O fado do mesmo Teixeira dos Santos, personagem quase digno de comiseração, que ficou a chorar no seu canto porque não foi convidado pelo Sócrates para ser deputado.
O fado deste país em que se diz que está a haver uma negociação sobre como sair da bancarrota, negociação em que não se sabe quem é que está a representar Portugal.
O Governo não é certamente, pois é notório que quer o primeiro-ministro, quer o seu ministro das finanças estão refugiados em parte incerta e se preparam para “aos costumes” dizerem nada.
E se preparam para continuarem ausentes quando chegar a hora de assinar e assumir os compromissos do Estado português.
O fado dos casos arrumados do Cavaco, do Soares, do Eanes e do Sampaio, quatro presidentes/ex-presidentes, cuja confraria se juntou em show off no 25 de Abril.
O fado da falta de memória destes altos dirigentes quanto às responsabilidades de cada um nestes últimos 35 anos de derivas e de fantasias neo-liberais europeístas e pró-americanas sem perdão.
O fado dos programas dos “principais partidos”, o do PS agora anunciado com todas as fanfarras e que não dá para rir porque tudo o que o PS tenha para dizer já foi longe demais e não merece qualquer crédito e o programa do PSD, que tarda, porque este dito “principal partido” não se entende sobre como é que pretende aplicar, se alguém lhe abrir a porta há muito ansiada do poder, as receitas mais fundamentalistas da sua intelligenzia neo-liberal.
O fado do governo patriótico e de esquerda do PCP, velha e inenarrável fantasia, tão velha, repetida e sem futuro como aquele sonho da revolução democrática visionado em 1964 por Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória.
Um fado, que é o nosso, de todos nós, em que se misturam todos os personagens desta tragi-comédia política onde se acirram ciúmes e ódios, cupidez e falta de escrúpulos, fantasias e vaidades, ambição de poder e de mando e ódio do outro, ódio do inimigo que concorre para o mesmo emprego.
Parece um fado ligeiro, uma comédia, mas acabará certamente em tragédia de faca e alguidar.
Entretanto, enquanto os dias vão passando, depois do fado cantado, voltamos todos para casa.
Só no dia seguinte é que vamos descobrir que, afinal, o caso não ficou verdadeiramente arrumado. Nem ficará tão cedo.
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