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quinta-feira, 28 de abril de 2011

CASO ARRUMADO?


Não sou especialista de fados, mas tenho as minhas preferências. Na minha modesta opinião de amador de fados Foi na Tavessa da Palha cantado por Lucília do Carmo é o fado dos fados e Lucília do Carmo a fadista das fadistas.


O filho dela, aliás, que se considera o Sinatra português e que se diz fadista, devia por os olhos na mãe.


Este fado cantado pela grande Lucília inspirou Ana Moura que gravou há pouco tempo uma nova versão chamada Caso Arrumado. A letra e a música são diferentes, mas o fado é o mesmo e o resultado é de grande qualidade. Apesar de não imitar o original, consegue manter-se fiel ao espírito da versão original.


É uma versão actualizada, mas principalmente é um fado que faz muito sentido porque canta o caso arrumado que é o fado deste país. Um fado cruzado com muitos personagens, mas com uma teia relativamente simples. Uma teia de interesses, de ambições, de mediocridades, de leviandades criminosas.



O fado do Sócrates e do Passos, ora dizes tu, ora digo eu, o meu é maior do que o teu.


O fado do Teixeira dos Santos que quando os juros da dívida soberana chegaram aos 7%, se fosse um político coerente e um homem de coragem, se deveria ter demitido e, como não o fez, foi apodrecendo e com ele o país.


O fado do mesmo Teixeira dos Santos, personagem quase digno de comiseração, que ficou a chorar no seu canto porque não foi convidado pelo Sócrates para ser deputado.


O fado deste país em que se diz que está a haver uma negociação sobre como sair da bancarrota, negociação em que não se sabe quem é que está a representar Portugal.


O Governo não é certamente, pois é notório que quer o primeiro-ministro, quer o seu ministro das finanças estão refugiados em parte incerta e se preparam para “aos costumes” dizerem nada.


E se preparam para continuarem ausentes quando chegar a hora de assinar e assumir os compromissos do Estado português.


O fado dos casos arrumados do Cavaco, do Soares, do Eanes e do Sampaio, quatro presidentes/ex-presidentes, cuja confraria se juntou em show off no 25 de Abril.


O fado da falta de memória destes altos dirigentes quanto às responsabilidades de cada um nestes últimos 35 anos de derivas e de fantasias neo-liberais europeístas e pró-americanas sem perdão.


O fado dos programas dos “principais partidos”, o do PS agora anunciado com todas as fanfarras e que não dá para rir porque tudo o que o PS tenha para dizer já foi longe demais e não merece qualquer crédito e o programa do PSD, que tarda, porque este dito “principal partido” não se entende sobre como é que pretende aplicar, se alguém lhe abrir a porta há muito ansiada do poder, as receitas mais fundamentalistas da sua intelligenzia neo-liberal.


O fado do governo patriótico e de esquerda do PCP, velha e inenarrável fantasia, tão velha, repetida e sem futuro como aquele sonho da revolução democrática visionado em 1964 por Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória.


Um fado, que é o nosso, de todos nós, em que se misturam todos os personagens desta tragi-comédia política onde se acirram ciúmes e ódios, cupidez e falta de escrúpulos, fantasias e vaidades, ambição de poder e de mando e ódio do outro, ódio do inimigo que concorre para o mesmo emprego.


Parece um fado ligeiro, uma comédia, mas acabará certamente em tragédia de faca e alguidar.


Entretanto, enquanto os dias vão passando, depois do fado cantado, voltamos todos para casa.


Só no dia seguinte é que vamos descobrir que, afinal, o caso não ficou verdadeiramente arrumado. Nem ficará tão cedo.


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