PEDALAR É PRECISO!

domingo, 17 de maio de 2009

KAFEEHAUS





No domingo fui ver a moda no Chiado, havia umas barraquinhas na rua Anchieta onde se vendiam alguns livros, quinquilharias e também roupas. Comprei uma camisinha branca em algodão.

Estava à espera de desfiles na rua Garrett, desfiles de manequins de gente muito bem vestida. Era com isso que estava a contar, não sei se influenciado pelo patrono da rua que como se sabe era um dandy, árbitro das elegâncias era o que se dizia dantes. Ainda não foi desta, mas não perdi a esperança de, sabe-se lá, qualquer dia termos mulheres bem aperaltadas e flamejantes desfilando para o povo. Alegria, alegria!

Tinha acabado de almoçar no KafeeHaus e inesperadamente descobri que afinal havia desfile. Um desfile bastante animado por sinal, com tambores, gente não especialmente bem vestida mas com bandeirolas e que gritavam de maneira simpática palavras de ordem. Os meus ouvidos ficaram agradavelmente surpreendidos com aquelas vozes que se misturavam com o ruído de fundo das percussões. No final do cortejo, um amigo meu bastante dado a manifestações e a solidariedades com as diversidades e os oprimidos lá vinha com ar contente integrado num grupo de mulheres ucranianas.

Percebi então que se tratava duma demonstração imigrante. Um Chiado cheio de diversidade é divertido, pensei eu, é do que precisamos. E porque não um Chiado e uma Lisboa cosmopolitas?

Temos os imigrantes temos os muitos turistas que tiram fotografias na cadeira ao lado do Fernando Pessoa. Muitos turistas, muitos imigrantes, donc, diversidade talvez cosmopolitismo. Há a FNAC claro. E o KafeeHaus? O Chiado está a mudar. E Lisboa?

Quase paredes meias com a Vida Portuguesa da Catarina Portas, numa feliz e cosmopolita aliança entre local e global, o café vienense criou um lugar especialmente acolhedor. O pensamento gastronómico é inventivo e moderno, a comida é saudável e saborosa, pode-se beber um BSE em vez do riesling que é mais caro. Não é comida italiana nem chinesa disfarçada de japonesa, não tem o cozido à portuguesa para as famílias dos domingos. O lugar é hospitaleiro com gente nova eficiente e simpática.

Lugar também cinéfilo, o que acrescenta muito à refeição. É que enquanto vamos alimentando o corpo, a colecção de cartazes afixados na parede alimenta-nos o espírito. Muita matéria para reflexão.

Protegido junto ao canto da parede sobre o lado direito, admiramos o Oskar Werner. O admirável – passe o pleonasmo – actor de Jules et Jim e de A Nave dos Loucos aparece aqui disfarçado de Mozart. Será um filme? O título do cartaz é Mozart im Kino, fica-se na dúvida sobre o que será aquela representação. Mas a coisa é ostensivamente vienense. Cartazes sobre outros filmes fazem companhia ao Mozart e ao Werner e até lá está afixado um que tem a ver com uma recente exposição fotográfica vienense sobre Grace Kelly.

Mas a atracção principal da colecção são os cartazes d’O Terceiro Homem de Carol Reed.

Por uma daquelas coincidências que têm a ver com o facto de que o tempo passa depressa demais, este filme perfaz agora 60 anos tendo ganho o festival de Cannes e o Óscar de melhor fotografia em 1949. Foi nomeado para outros Óscares que não ganhou. É um filme sobre a Viena nazi vencida e dividida entre americanos, ingleses, franceses e soviéticos. Passa-se logo no início da guerra fria, época das candongas. Trafica-se penicilina adulterada para ganhar dinheiro tenta-se sobreviver arranjar um lugar seguro, um emprego, os personagens estão claramente ultrapassados pela situação. Não percebem nada do que se passa.

The Third Man é um dos mais fascinantes objectos da história do cinema. Talvez por causa desse ranking, têm corrido muitos mexericos acerca dos bastidores do filme e dos seus protagonistas.

Orson Wells é ele ou não o verdadeiro autor do filme?

Questão sem interesse. Já imaginaram o filme sem o actor que foi o cineasta born in the USA mais europeu e genial de todos os cineastas? Orson Wells aparece no filme apenas duas vezes, mas são essas duas aparições que tornam o filme convincente naquela que é a sua questão central, a denúncia dos crimes cometidos em geral por toda a espécie de profiteurs e especuladores em tempo de crise e de miséria.

É o cinismo sorridente de Wells que dá corpo a essa denúncia. Adiante.

Na colecção cinéfila do KafeeHaus o que é interessante é a comparação dos dois cartazes acerca do Terceiro Homem. Primeira curiosidade: um cartaz é em alemão o outro em castelhano, nada de incomum. O interesse aumenta quando comparamos os dois. No cartaz espanhol, está tudo muito certinho, o nome do produtor, do realizador e dos quatro principais actores aparecem na devida ordem: Alexander Korda, Carol Reed, Orson Wells, Joseph Cotten, Alida Valli, Trevor Howard. Não me lembro, mas deve também figurar o nome de Anton Karas, o improvável músico cigano que apesar de não saber ler música compôs e interpretou a célebre música do filme.

Surpresa chocante: no cartaz vienense, o primeiro nome é o do ilustre desconhecido, pelo menos para mim ignorante, Paul Horbiger, seguido de vários outros nomes de actores que suponho fossem austríacos. No fim cá em baixo podemos descobrir os nomes do Orson Wells e das outras estrelas do filme.




Meu Deus como é que foram capazes de pôr a extraordinária – deveria arranjar um adjectivo mais à altura desta mulher e actriz extraordinária, é o termo - Alida Valli cá em baixo no fim da lista? Por ser italiana? Por ter seduzido um oficial austríaco no Senso de Visconti durante a guerra pela unificação italiana?

Será xenofobia ou serão traumas de identidade ferida pelas sinuosidades inflexíveis da história? Síndrome pós-traumática? Poderão imaginar o que seria um cartaz do Doutor Jivago em que, em vez do Omar Sharif aparecesse o Virgílio Teixeira, escudado no seu episódico papel de oficial tsarista confrontado com o “pacifismo” bolchevique?

Viena e Áustria são uma das construções mais estranhas e complexas da história e da cultura europeias. Áustria e Viena de Mozart, de Haydn, de Beethoven, de Schubert, de Klimmt, de Schonberg, de Webern. Quelle collection! A Viena anti-semita de Mahler, de Freud, de Zweig e Schnitzler. Quelles contradictions!

Bem-vindo KafeeHauss, bem-vinda Europa ! Bem-vindos, caros imigrantes, a Terra é a nossa pátria se é que esta palavra ainda tem algum sentido.





3 comentários:

Anónimo disse...

Felizmente existe a blogoesfera para termos o prazer de imaginar uma Lisboa verdadeiramente cosmopolita e culta.

Porque lenbdo os jornais, ouvindo a Rádio e vendo a Televisão que se vai fazendo por Liboa ficamos com a sensação de termos voltado aos tempos do "orgulhosamente sós", pobrezinhos, ocultos e dominados por gente medíocre mas que mete medo.

Anónimo disse...

Felizmente existe a blogoesfera para nos levar ao sonho de uma Lisboa cosmopolita, culta,crítica e subtil para chamar as coisas pelos seus nomes sem tambores a anunciar.

É que lendo os jornais , ouvindo as Rádios e vendo as Televisões que nos vão massacrando nesta Lisboa, ocorre-nos outro lado da capital, sugere-nos os tempos do "orgulhosamente sós", pobrezinhos, triste e submetidos a gente medíocre que mete medo.

Anónimo disse...

No Chiado, à tardinha, às vezes ...

http://www.youtube.com/watch?v=6PG1wcMSpNM