Venho do Algarve, pela auto-estrada A2 que o Guterres concluiu, pode-se vir muito depressa por aí acima. Mas eu gosto de ver a paisagem e o carro também não é de grandes velocidades, mantenho-me na via da direita.
À minha esquerda, eles passam como flechas siderais, os belos carros acabados de sair do stand, a maior parte. Grandes bólides, não são Cadillacs, não estamos em Hollyood e os Cadillacs já passaram à história. São carros europeus de alta cilindrada, alemães, claro, Mercedes, BMW, Audis, altos carros. Impressionante.
Pergunto a mim próprio, se calhar enganei-me na estrada, ainda vou ser multado, isto aqui é só para carros da alta, deve haver alguma lei. Nunca se sabe, nos tempos que correm, as leis socialistas gostam muito de proteger quem tem dinheiro.
Chego a casa à hora do telejornal, afinal não fui multado.
Estava um senhor a falar, não percebi bem qual era a nacionalidade dele, mas falava em nome da União Europeia e tinha ar de quem sabia do que estava a falar.
Falava de Portugal e da Espanha com a autoridade de quem sabe o que é que deve ser feito. Tinha um vago sorriso para parecer simpático, podia vender cobertores ou banha da cobra, tinha jeito para isso, e lá ia dizendo de dedo em riste que isto não acabava em 2010, nem em 2011 e que Portugal ainda tinha muitas reformas para fazer, segurança social, leis do trabalho, mais flexibilidade, trabalhar mais tempo, redução de salários e de reformas, mais sacrifícios, ainda estamos longe de resolver o problema do deficit, as contas públicas estão no vermelho.
Não falava dos bancos nem das grandes empresas, não se referia ao dinheiro que essa gente recebeu nos últimos tempos do Estado, ou seja dos contribuintes como eu, apenas insistia que, por causa do deficit, por causa do euro, por causa dos mercados, as pessoas tinham que continuar a sacrificar-se, era a obrigação delas, não havia alternativa.
Falava melhor que um oráculo, não era preciso grande esforço para se perceber o que é que o homem queria dizer.
Achei a coincidência extraordinária, por outras palavras, chocou-me a contraditória situação com que o meu discernimento se confrontava ali sentado em frente ao LCD, dividido entre as imagens do eldorado espampanante da A2 e as misérias e as desgraças anunciadas por detrás do sorriso daquele senhor de Bruxelas.
Achei que alguma coisa não batia certo.
Por um lado, um tipo da CEE ostentando despudoradamente a descarada displicência de quem nos vem chagar, ameaçar e dar ordens como se isto fosse a terra dele.
Por outro, a imagem da A2 atravessada a grande allure por muitos outros tipos que continuam manifestamente na sua bela vidinha, a acelerar como cão que passa por vinha vindimada, sem darem cavaco.
Uns tipos com aquele ar de quem acha que isto é tudo deles, a maior parte dos quais provavelmente nem sequer contribuíram para uma mínima parcela dos impostos que pagaram o autódromo.
E pensei com os meus botões: será que esta gente, os da CEE e os da alta cilindrada, estarão todos de conluio?
Do que não tenho dúvida é que, entre o pessoal das grandes cilindradas, muitos andarão a aproveitar a crise para baixar salários, aumentar as horas de trabalho e conseguirem lucros exorbitantes. Daí os altos carros alemães.
Estão, é certo e seguro, a ganhar com a crise, a esfregar as mãos de contentes, estão a gozar à grande e à francesa. Não me parece que vão emigrar para o Brasil nem para parte nenhuma, por que é que haviam de emigrar?
Têm as costas quentes. Os senhores do eixo Berlim/Bruxelas/S. Bento/Belém estão aí para os proteger.
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