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quinta-feira, 10 de junho de 2010

UMA QUESTÃO DE SOBERANIA*


Em Setembro, para ganhar as eleições, o Partido Socialista apresentou ao eleitorado um programa de governo que prometia relançar a economia, promover o emprego, mais prestações sociais, mais igualdade, combater as descriminações. É conhecido o que se passou a seguir.

O Governo de José Sócrates, mal entrou em funções, rasgou o tal programa, dito de outro modo, desonrou-se. E, na senda dessa desonra, decidiu prestar vassalagem ao directório Berlim/Bruxelas e às políticas de austeridade, de recessão económica e de desemprego decididas pelos mandões da UE.

E, assim, ao cabo de poucos meses chegámos ao ponto de hoje em que Portugal vive uma situação totalmente inaceitável, uma situação só comparável ao que aconteceu nos idos da Dinastia Filipina e do Ultimato Inglês.

Não se trata aqui de nacionalismo serôdio, o que está em causa é a nossa liberdade e a nossa democracia.

Temos um governo que, apesar de eleito pelo povo, perdeu a autonomia e a independência, que deveriam ser o seu principal atributo. Um governo que cedeu o poder de governar a favor de uma entidade estrangeira.

Temos um Presidente da República e uma Assembleia de Deputados aparentemente conformados com esta perda de soberania.

Para que tudo se torne mais claro e para que se confirme que na prática a democracia portuguesa foi metida na gaveta, só falta que Bruxelas nos envie um Alto-comissário.

Os ataques contra as economias dos países do Sul da Europa, os PEC’s, a austeridade, tudo isso foi arquitectado e tem sido conduzido por Bruxelas sob as ordens do governo alemão.

Tudo começou quando o comissário Almunia, em Fevereiro deste ano, veio proclamar que Portugal, Espanha e Grécia estavam em “perda constante de competitividade”, e que, por isso, não tinham a confiança dos mercados.

E, logo a seguir, veio a exigência de medidas restritivas para impor a ordem nas contas públicas e o equilíbrio orçamental.

Ora, há alternativas a esta ortodoxia de inspiração neo-liberal, não existe nesta matéria uma teoria económica consistente como pedra, incontestável.

Só para dar um exemplo, em entrevista recente ao Jornal de Negócios, o economista João Ferreira do Amaral manifestou-se “completamente contra a ideia de um orçamento equilibrado. Não há nenhuma justificação política ou económica para que um país não tenha qualquer défice”.

Há dois dias foi a vez do Jean-Claude Juncker vir dizer que Portugal e Espanha têm que mexer na legislação laboral e nas pensões de reforma, que têm que fazer mais sacrifícios e reformas estruturais (as velhas palavras-chave do léxico neo-liberal).

O Presidente Cavaco Silva, por uma vez, teve uma boa reacção e retorquiu que “Só o Governo ou a Assembleia podem colocar essa questão na agenda. Nenhuma entidade exterior pode colocar questões dessas.”

Mas o problema é que a resposta de Portugal não pode ficar por aí, não nos podemos limitar a mandar calar as vozes de alguns mensageiros.

O que se impõe perante as humilhações que temos vindo a sofrer é que Portugal recupere a honra perdida e adopte uma estratégia coerente de riposta.

Impõe-se que tome a iniciativa de abrir com os outros países do Sul, incluindo se possível a França, um debate acerca de soluções alternativas ao PEC, que sejam compatíveis com o crescimento económico e a criação de emprego.

Mas este debate deverá ir mais longe, deverá incluir a análise de estratégias que impliquem a saída do euro e da UE.

Como explicou João Ferreira do Amaral na citada entrevista, hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal.

O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro?

É prático ir aqui ao lado a Espanha ou a outros países mais longe e não ter que estar a trocar moeda. É verdade que é prático.

Mas, como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados que era suposto serem asseguradas pela moeda única, foram apenas uma miragem e o euro revelou-se afinal como uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

Diziam os economistas do costume, quando a crise começou no Verão de 2008, que felizmente para Portugal, não havia perigo de bancarrota, pois que estávamos a salvo, estávamos no euro.

Pois é, estamos no euro, mas até quando? Até quando a Alemanha quiser, ou até quando os países do Sul decidirem agir em conjunto e procurar novas soluções?

A União Europeia já não existe. No meio dos seus escombros podem-se vislumbrar três realidades distintas e separadas, o Norte, o Sul e o Leste, as quais dificilmente poderão continuar a coexistir. É tudo uma questão de tempo e de circunstâncias.

Portugal - e aqui não me estou a referir aos órgãos de “soberania”, mas à opinião pública, aos cidadãos e aos militantes de todos os partidos – precisa de debater acerca da necessidade e da viabilidade de novas parcerias regionais. Parceiros possíveis são vários, modos de associação também. Há muitas hipóteses para pôr em cima da mesa.

Do meu ponto de vista, a solução ideal passaria pelo projecto de uma nova comunidade internacional com os países europeus do sul, mas que incluísse também os países do Magrebe. Que se poderia chamar Comunidade Mediterrânica.


No imediato, iniciar formalmente uma negociação para reforçar a solidariedade dos países do Sul da Europa colocaria a Alemanha e os seus aliados do Norte na defensiva, obrigá-los-ia a maior moderação e alteraria a relação de forças entre os países do sul e a comunidade internacional e os mercados.


A hipótese de uma Comunidade Mediterrânica favoreceria a aproximação entre povos que têm compartilhado um longo percurso histórico que, embora nem sempre tenha sido pacífico, deixou marcas e afinidades culturais profundas.


Estão, por isso, esses países especialmente apetrechados no seu conjunto para construírem entendimentos políticos e de, na sequência desses entendimentos, serem capazes de se entre ajudarem economicamente.


Este novo espaço geopolítico ganharia no futuro um grande peso internacional, podendo em particular contribuir para se estabelecerem outras pontes e parcerias, baseadas na reciprocidade e no respeito das leis internacionais, com o Médio Oriente e com os países da África subsaariana.


Mas tudo isto implica que se repense o quadro das alianças em que Portugal tem estado inserido. O que inclui a discussão da hipótese de se abandonar a UE e a NATO.
* Escrevi este texto para o blogue esquerda2011.blogspot.com

1 comentário:

Anónimo disse...

O Euro foi o enterro da União Europeia pois veio trazer para a linha da frente diferenças culturais que impedem que a integração prossiga.

Além de que a defesa desesperada do Euro e da própria UE feita pelos seus apoiantes está a enterrar a democracia.

Ver, como exemplo:

http://cabalas.blogspot.com/2010/06/pergunta-inconveniente.html