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quinta-feira, 24 de junho de 2010

O ENVELHECIMENTO ACTIVO: ARMADILHAS DE UMA IDEOLOGIA (II)


Quando dantes se baixava a idade da reforma e se promovia a inactividade dos mais velhos, isso era justificado pela ideologia da terceira idade.

As novas políticas de aumento da idade da reforma encontram o seu alento numa nova ideologia: o envelhecimento activo.

A ideia de envelhecimento activo já é relativamente antiga. Uma das suas primeiras formulações aparece com os Panteras Cinzentas, que lutavam contra as discriminações de que eram vítimas as pessoas mais velhas.

Este movimento, que se desenvolveu nos Estados Unidos, durante os anos 1970, em paralelo com os movimentos de contestação à guerra do Vietname e à exclusão racial, defendia uma nova atitude, uma nova cultura para superar a exclusão, o isolamento e o paternalismo de que os idosos são vítimas.


Decalcando o lema dos Panteras Negras, segundo o qual "black is beautiful", os Panteras Cinzentas defendiam que "old is beautiful" e, em consequência, assumiam a idade, as rugas e os cabelos brancos como traços distintivos de que se orgulhavam.


E afirmavam "não queremos mais mitos, não queremos mentir sobre a nossa idade". Ao mesmo tempo, criaram organizações de solidariedade autónomas e denunciavam todas as formas de descriminação com base na idade, incluindo a reforma obrigatória.


O ciclo do envelhecimento individual, fisiológico e psíquico, é condicionado por factores genéticos e por factores sociais.

Ao longo do ciclo de vida, os comportamentos individuais pesam de maneira positiva ou negativa sobre a saúde e, por conseguinte, sobre a marcha do envelhecimento: os cuidados com o corpo, a higiene individual, os comportamentos alimentares, o uso de estupefacientes, de álcool, os lazeres e a actividade física, a violência familiar, os comportamentos sexuais, a vida familiar, a actividade profissional e os contextos de trabalho, o habitat e os transportes, as sociabilidades e redes de amigos, etc.

As atitudes face à saúde são condicionadas socialmente e culturalmente e as estratégias de sobrevivência dependem dos recursos que cada indivíduo obtém no seu meio social, familiar e profissional, mas também da sua capacidade para saber agir e da acessibilidade aos serviços de saúde.

Em sociedades que já são envelhecidas como a portuguesa e que o serão cada vez mais no futuro, a qualidade do estado de saúde à beira e acima dos 50 anos é uma variável socialmente, politicamente e economicamente estratégica.

Apesar do aumento da longevidade, as nossas sociedades são elas próprias cada vez mais produtoras de patologias.


No espaço de 30 anos, verificou-se um agravamento dos constrangimentos e da penosidade do trabalho, o que contribui para reduzir a produtividade dos seniores, aumentar o seu absentismo e os riscos de perda de emprego e a incitá-los a deixar o mercado de trabalho o mais depressa possível.

As actuais políticas de aumento da idade da reforma que se baseiam no aumento da longevidade têm esquecido um dado importante: a segurança social e o sistema de reformas só são viáveis se for preservada a saúde dos seniores nos seus lugares de trabalho.

O agravar do desemprego e da precariedade demonstram que as novas políticas das reformas por velhice baseadas na ideia de envelhecimento activo constituem uma fraude, uma armadilha para todos quantos trabalham e têm a legítima aspiração e o direito de usufruirem de uma reforma digna ao fim de muitos anos de trabalho.

Porque o envelhecimento activo deve ser preparado ao longo da vida, devemos repensar o actual modelo de ciclo de vida, que descrimina os não-activos.

Trabalho para todos, formação para todos, lazeres para todos, ao longo da vida. É o princípio da despecialização das idades e das gerações, que o antigo primeiro-ministro francês Michel Rocard tentou implementar e que foi parcialmente posto em prática pela ministra do Governo de Lionel Jospin, Martine Aubry com a aprovação da lei das 35 horas semanais.

Em relação às políticas relativas ao envelhecimento individual, entrámos num ciclo marcado pelo retrocesso social.

Mas este retrocesso pode ser superado com vista ao futuro, por forma a que não aumente a precariedade e a pobreza dos inactivos e para que sejam universalmente assegurados os principais direitos sem os quais não existe plena cidadania sénior: o direito ao trabalho, o direito ao lazer e à cultura, o direito a uma reforma digna e o direito à protecção contra discriminações e violências.

Existem alternativas que viabilizem reformas dignas para os não activos do futuro, alternativas que implicam a redução e a partilha dos tempos de trabalho, em conjunto com a partilha dos tempos de formação e de lazer ao longo da vida. São estas as alternativas que viabilizam a concretização socialmente generosa do envelhecimento activo para todos.

Concretização socialmente generosa, que é também economicamente indispensável. Porque uma sociedade que fomenta o pleno emprego e aproveita a energia, a inteligência e a experiência de trabalhadores mais velhos é certamente uma sociedade mais rica e mais equilibrada.



Mas o envelhecimento activo não pode assentar numa ficção que é a de esperar que todos estejam disponíveis para trabalhar obrigatoriamente até aos 70 anos. Não pode assentar nessa uniformização social.


A penosidade do trabalho e o estado de saúde são os principais factores sociais que diferenciam a capacidade de cada um para prosseguir uma actividade profissional. Por isso, devem ser considerados factores de ponderação em relação às modalidades de atribuição de uma pensão de reforma e à idade para cada um cessar a sua actividade.


Do mesmo modo, não podem ser fixados limites obrigatórios para cessação de actividade, porque a idade não pode ser um factor de descriminação no mercado do trabalho.


A ideia de envelhecimento activo, ao contrário do que impõem as leis vigentes, é totalmente compatível com o exercício do direito ao trabalho qualquer que seja a idade. Mas isso implica também que, uma vez esgotada a duração razoável do tempo de trabalho exigível para se obter a pensão de reforma, quem optar voluntariamente por uma 2ª carreira ou por prestar serviços à comunidade ou à família, essa actividade deverá ser regida por contrato que preveja a duração e as condições de trabalho, assim como a respectiva remuneração.


O envelhecimento activo pressupõe uma cultura da idade que defenda o direito ao trabalho qualquer que ela seja.


É o que acontece nos países nórdicos, onde se promove o emprego depois dos 45 anos. Mas na maioria dos países, a idade tornou-se um critério legal de dispensa do trabalho, portanto de descriminação, que deprecia os trabalhadores mais velhos. A idade é o principal factor de discriminação face ao trabalho em muitos países europeus.


As discriminações baseadas na idade têm a sua origem no mercado do trabalho. Quem de lá saiu já deu o que tinha a dar. Além de se considerar que já não tem utilidade, o reformado é visto como alguém que custa dinheiro aos contribuintes activos. Um peso para a sociedade.


Recentemente, um grupo de investigadores franceses que trabalham sobre o envelhecimento e a velhice apresentou à Alta Autoridade de luta contra as discriminações e pela igualdade um protesto contra práticas discriminatórias baseadas na idade.


Denunciaram, em primeiro lugar, o facto de em inquéritos oficiais se excluírem os idosos, dando como exemplo um inquérito sobre a sexualidade que não interrogou quem tivesse mais de 70 anos e outro sobre as violências contra pessoas, que não incluiu quem tivesse mais de 60. Ambos os inquéritos foram realizados pelo Instituto Nacional de Estudos Demográficos e os resultados publicados em 2007.


Outros exemplos de discriminações baseadas na idade: a partir dos 45 anos, além de ser mais difícil arranjar um emprego é também difícil aceder à formação contínua; nas urgências dos hospitais, as pessoas mais velhas têm que esperar mais tempo para ser atendidas; na vida quotidiana, os mais velhos são desconsiderados ou mesmo maltratados em lugares públicos. Os investigadores franceses decidiram criar em 2008 um observatório das discriminações contra os idosos.


Mas a principal descriminação e muitas vezes fonte de violências contra os mais velhos é a pobreza.


É nas classes baixas que as condições de vida dos reformados são mais penosas. Ao baixo poder de compra, às más condições de habitação, baixa qualidade da alimentação e problemas de saúde, acrescem muitas vezes o isolamento e a marginalização social.


Também a condição social das mulheres idosas pode ser particularmente traumática e difícil.

Em relação aos homens da mesma idade, as mulheres idosas são mais susceptíveis de sofrer perdas económicas e socio-emocionais.

Visto que têm tendência para desposar homens mais velhos e de terem uma longevidade maior, as probabilidades de serem viúvas são muito elevadas. A longevidade das mulheres pode-se, pois, transformar numa desvantagem, nomeadamente porque, sendo a probabilidade de ficarem sózinhas mais elevada, elas são mais susceptíveis do que os homens de serem colocadas numa instituição.


Muitos idosos, na sua maioria mulheres, vivem em situações desesperadas. É o que mostram, por exemplo, os indicadores relativos à pobreza em Portugal. Assim, segundo o Inquérito aos Orçamentos Familiares do INE, de 2000:
-entre os idosos com 65 e + anos – que representavam então 15,4% da população – 27,1% estavam entre os 10% mais pobres;
-o índice de pobreza dos idosos sós era o mais elevado de todos (50%), vindo a seguir o das famílias só com idosos (33%).


Não será a nova política do envelhecimento dito “activo” que resolverá os dramas sociais da velhice.


Parafraseando alguém, cujo nome esqueci, para sofrimento deveria bastar ser-se velho.

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