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domingo, 13 de junho de 2010

DIREITO DE INVENTÁRIO (I)


Na história da esquerda, há nomes de que nunca se fala. Esquecimentos que testemunham o empobrecimento intelectual, a falta de debate, a falta de imaginação, a falta de ideias, o controle ideológico apertado que é feito pelas instituições oficiais da esquerda.

A televisão tomou conta de tudo, pouca gente lê, os editores têm que editar coisas que se leiam, precisam de sobreviver.

Os universitários, os académicos, os jornalistas andam mais interessados em promover a sua vidinha. Estamos em plena normalização.
O Bloco de Esquerda organizou há pouco tempo uma série de conferências sobre “os fundadores do socialismo”. A série começou com Karl Marx e acabou com Mao Tse-Tung. Falou-se também de Lénine, de Trotsky, de Rosa Luxemburgo e de Gramsci.
Quanto a esta lista de fundadores, é obrigatório fazer distinções.

Marx é um fundador? É um fundador, mas de quê? Do socialismo soviético, do socialismo maoista? My god, ele não teve nada a ver com isso, prestemos-lhes ao menos essa homenagem. Aliás, num texto profético teve, como é sabido, a lucidez de explicar que, se havia países onde o socialismo era completamente improvável, esses países eram a Rússia e a China.

Por isso, não misturemos Marx com Lenine e com Mao Tse-Tung. Não responsabilizem Marx pelos crimes do Lenine (e principalmente do Estaline, claro) e do Mao.

Não misturemos também Rosa Luxemburgo e Gramsci com essa clique.

A estes dois mártires do socialismo e dos ideais de libertação da humanidade da opressão e da exploração do capital devemos uma homenagem. A homenagem é obviamente lê-los e actualizá-los. Porque as suas ideias se mantêm actuais, porque a história não terminou com o seu sofrimento. Rosa Luxemburgo abatida pelos social-democratas alemães, António Gramsci nas masmorras dos fascistas italianos.
O BE fixou a sua lista de fundadores, tenho simpatia por Trotsky, era uma inteligência brilhante, um estratega genial, foi uma vítima indefesa perante a paranóia sanguinária do monstro Estaline.

Mas, Trotsky ficará para sempre ligado ao massacre de Cronstadt, à liquidação do soviete dos marinheiros revolucionários.
E, por isso, o Léon também tem a ver com aquela falcatrua sinistra do Vladimir Ilitch Oulianov quando este adoptou a famosa fórmula de marketing segundo a qual o socialismo “era os sovietes mais a electricidade”.
Pois é, Cronstadt foi o fim dos sovietes. Depois disso, do socialismo só ficou a electricidade mais o partido comunista “soviético” e os seus milhões de vítimas.
Pois é, já que falamos de fundadores, não esqueçamos as vítimas.

E não esqueçamos também os muitos outros de que nunca se fala, os ilustres pensadores e militantes, que desde, pelo menos, Proudhon e Bakunin, lutaram por causas da esquerda.

Não está na lista do BE, mas recordemos, por exemplo, Anton Pannekoek.

Pannekoek nasceu em 1873 na Holanda e, além de astrónomo mundialmente reconhecido, foi o principal teórico dos “conselhos operários”.

Participou activamente no movimento operário da Holanda e da Alemanha desde o início do século XX e assumiu posições críticas quer em relação à revolução russa e a Lenine, quer em relação à social-democracia em geral. Pannekoek morreu completamente ignorado na sua aldeia natal em 28 de Abril de 1960.

Quanto aos conselhos operários, para saber o que é que ele pensava, não era má ideia que houvesse um editor arrojado que publicasse Os Conselhos Operários, escritos entre 1941 e 1942.

Para Pannekoek, resumindo, os conselhos operários correspondiam a uma forma de auto-organização dos produtores que, além do papel económico na organização da empresa, deviam também ter um papel político de coordenação social.

Numa carta enviada a um amigo francês em 1952, Pannekoek esclareceu algumas das suas ideias.

“Não esqueça que, quando falamos de ‘conselho operário’, não é para propor soluções, mas para colocar problemas. E que nós, em pequenos grupos, não podemos resolver esses problemas e que não somos nós que podemos preservar o mundo das crises e das catástrofes; e mesmo que se reunissem todos os homens políticos e chefes de organizações para salvar o mundo, eles não o conseguiriam.

Isso só poderá ser conseguido pela força das massas, das classes, através da sua luta prática. Não estamos em condições – e não é essa a nossa tarefa – de imaginar como é que elas o farão.
As pessoas que se confrontam com tarefas que são as suas é que terão que o fazer, desde que sejam capazes disso, claro.

Mas, quando falamos em conselhos operários, não se tratará propriamente de tomar medidas particulares ou de descobrir formas de organização. O que conta é descobrir o espírito que anima as massas. O que importa, o que podemos fazer não é pormo-nos no seu lugar e imaginar como que é que elas devem agir.
Podemos, sim, dar-lhes a conhecer o espírito, os princípios, o pensamento fundamental do sistema de conselhos que se resumem da seguinte maneira: devem ser os próprios produtores a mandar nos meios de produção.

Mas Pannekoek não se limitou à questão da auto-organização dos produtores, aos chamados conselhos operários.

Ele é responsável por algumas das mais brilhantes análises da história política do capitalismo até ao final da primeira metade do século XX.
E algumas das conclusões dessas análises, como mostra a citação seguinte, continuam a ser inteiramente pertinentes e esclarecedoras:

“Confiante em si próprio, o grande Capital pode clamar que os seus interesses coincidem com os interesses de toda a sociedade. Mas sob o domínio do Capital financeiro, as coisas são bem diferentes. Explorar povos estrangeiros, extorquir as economias do seu próprio povo, pela violência e a mentira, tudo isto é sem dúvida usura e vigarice. É por isso que a defesa dos interesses do Capital financeiro deve ser feita nos bastidores através de acordos secretos com políticos influentes. Para que os seus objectivos sejam atingidos é preciso ocupar os gabinetes ministeriais, controlar chefes de partido, manipular deputados, corromper jornais, tudo isso através de negras intrigas que não podem ser divulgadas”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muitos parabéns pelo seu blogue. Finalmente, leio um blogue de esquerda lúcido, erudito e partidariamente indiscernível.
Manuel Monteiro