Já que a campanha eleitoral continua patética e não oferece grande matéria para reflexão, continuemos a reler os clássicos da economia política.
Depois de Marx, Adam Smith, a ordem não é cronológica. São os dois pólos opostos da economia política. Em linguagem hegeliana, Smith é a tese, Marx é a antitese, falta a sintese.
Adam Smith era escocês, viveu no século XVIII e é considerado o pai do liberalismo económico. Por outras palavras, Smith foi o arauto, o inventor, o guia espiritual da burguesia inglesa que inventou o capitalismo e o fez triunfar com a revolução industrial.
Smith é um pensador revolucionário cujo pensamento continua actual e continua a apelar à nossa reflexão.
Oportuno testemunho dessa actualidade e desse apelo intelectual é o excerto que se transcreve a seguir, retirado da sua obra principal, publicada em 1776, Riqueza das Nações (vol. II, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, tradução e notas de Luís Cristóvão de Aguiar, 5ª edição, 2010, páginas 625-626).
I
O comércio e as manufacturas dificilmente se poderão desenvolver num Estado em que não se faça uma administração correcta da justiça, em que o povo não se sinta seguro da posse da sua propriedade, em que a boa-fé dos contratos não seja apoiada pela lei, e em que a autoridade do Estado não seja devidamente empregue para obrigar as pessoas a pagar as suas dívidas, sempre que o possam fazer.
Numa palavra, o comércio e as manufacturas não terão possibilidade de se desenvolver num Estado em que não haja um certo grau de confiança na justiça do governo. A mesma confiança que leva abastados mercadores e manufacturadores, em circunstâncias normais, a confiar as suas propriedades à protecção de um determinado governo, leva-os também, em ocasiões extraordinárias, a confiar-lhe o uso da sua propriedade.
Emprestando dinheiro ao governo, eles não põem em causa, por um momento que seja, a capacidade que têm de prosseguir no seu comércio e manufacturas. Pelo contrário, até a aumentam, de um modo geral. As necessidades do Estado levam muitas vezes o governo a fazer empréstimos em termos altamente vantajosos para quem empresta. A segurança que dá ao credor original é transferida para qualquer outro credor e, devido à confiança universal na justiça do Estado, geralmente acaba por vender no mercado por um preço mais elevado do que aquele que teve que pagar inicialmente.
O mercador ou o homem de recursos financeiros faz dinheiro, emprestando dinheiro ao governo e, em lugar de diminuir, aumenta o seu capital comercial. Por isso, considera um favor o facto de a administração lhe permitir a entrada numa comparticipação na primeira subscrição para um novo empréstimo. Assim se explica a tendência ou desejo de emprestar que têm os súbditos de um Estado comercial.
O governo de um Estado deste tipo pode muito bem confiar na capacidade e desejo dos seus súbditos em lhe emprestarem dinheiro em ocasiões excepcionais. Prevê a facilidade em recorrer a empréstimos e, assim, abstém-se da obrigação de poupar.
II
Num estádio rude da sociedade não existe grande capital mercantil ou manufacturador. Os indivíduos, que entesourem todo o dinheiro que podem poupar para depois o esconderem, fazem-no, pois, não confiando na justiça do governo, receiam que se venha a saber da sua existência e, que, uma vez descoberto o lugar onde se encontra o tesouro, o venham a roubar. Num tal estado de coisas, poucas pessoas estariam aptas ou dispostas a emprestar o seu dinheiro ao governo em caso de necessidade. (…)
III
O progresso das enormes dívidas que actualmente oprimem e que, provavelmente serão no futuro a causa da ruína de todas as grandes nações da Europa, tem sido bastante uniforme. As nações, tal como as entidades privadas, começaram, de um modo geral, por fazer empréstimos sobre aquilo a que podemos chamar o seu crédito pessoal, sem transferir ou hipotecar determinados fundos para o pagamento da dívida; e quando esta reserva lhes faltava, eram obrigados a fazer empréstimos sobre transferências de fundos extraordinários.
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