Não muito longe desta vista que se avista das Portas do Sol de Lisboa, um pouco mais para ocidente fica o Terreiro do Paço.
Há muito tempo que sonho com um acampamento no Terreiro do Paço, um milhão de pessoas acampadas à volta da estátua equestre do D. José.
Parece que esse sonho está a começar a acontecer não muito longe de Lisboa, apenas a 500 quilómetros, na Puerta del Sol em Madrid.
Paradoxal, eu nem sequer gosto especialmente de Madrid.
Em 12 de Março, o povo saiu à rua, desceu, entre outros sítios, a avenida da Liberdade em Lisboa.
Não foi apenas a chamada geração à rasca a caminhar por todo aquele espaço, estive lá, pude constatar e concluir que, de acordo com a lei dos grandes números que rege a estatística, essa caminhada pôs à vista de toda a gente que em Portugal a esmagadora maioria das pessoas que pertencem cada uma à sua geração estão todas à rasca.
Os mais novos, porque estão perplexos, preocupados e sentem que não têm futuro.
Os pais dos mais novos porque não vêem futuro para os filhos e porque têm que se sacrificar pela falta de futuro deles.
Os que se aproximam dessa coisa sinistra que chamam “terceira idade” e que vivem no pavor de perder o emprego e de não terem uma reforma minimamente decente e vivível para o resto dos seus dias, seja o que for que isso queira dizer.
Os que chegaram à reforma, que dantes tinham imaginado vir a ser uma fase de alívio, de distensão, e de serenidade e confiança e que agora fazem contas e que percebem que aquilo que recebem não dá para nada.
Problema, há sempre um mas, a descida desta gente, cheia de razões para estar à rasca, pelos caminhos da liberdade, não passou dum fogacho. Houve quem pensasse, ao vê-los reunidos e comprometidos, todos juntos e mobilizados, que a sua demonstração de força iria assustar, iria chamar à responsabilidade os poderosos, os que mandam.
Pura ilusão de óptica, os poderosos continuaram na deles, quem se assustou foram os próprios manifestantes, dali não saiu nada. Parece que saiu uma sigla, não fixei bem, M12, não sei o que é que isso quer dizer.
Dali não saiu política e está tudo dito.
Ó meu, queres mudar a sociedade? Faz política.
Não gostas dos partidos, não gostas do sistema político, achas que os políticos são todos corruptos, estás desempregado, és precário e não tens futuro? Faz política. Não sabes como, em que partido? Inventa, discute, estuda, trabalha as tuas células cinzentas, não fiques na casa de banho a ler banda desenhada.
Passemos à frente.
Temos, então, o pessoal da Puerta del Sol. Hispânicos, castelhanos, madrilenses e de outras cidades espanholas, sobretudo malta jovem, em Espanha 40% dos jovens estão desempregados.
Nunca percebi como é que a Espanha se tem conseguido aguentar tantos e tantos anos com taxas de desemprego próximas dos 20%. Só um economista daqueles bem engravatados conseguirá explicar essa incongruência social e política, esses economistas conseguem, eles conseguem sempre explicar tudo e mais alguma coisa porque ninguém percebe o que é que eles querem dizer e, na realidade, eles não têm nada para dizer.
Abaixo os economistas, viva a economia política, viva Karl Marx e Adam Smith. Desculpem o desabafo.
Espanha, Puerta del Sol, a coisa já dura há uma semana. Se o governo fosse popular de direita, ou seja o governo que se anuncia para depois das eleições, já tinha havido ali muito provavelmente algumas mortes, nestas coisas há sempre alguém quem mais ordena na polícia.
E havendo mais mortes, onde é que já iria o rastilho?
Rastilho, rastilho, a Europa está pendente dum rastilho.
Em que Europa é que estou a pensar?
Penso na Europa velho continente, velho continente com muito orgulho, não é sr. Rumsfeld, braço direito do sr. Bush na invasão do Iraque?
Penso na Europa com futuro e quando falo de futuro não estou a pensar em copy paste, estou a pensar em coisas novas, coisas novas com raízes em muitas coisas passadas, lutas pela justiça, pela igualdade, pela fraternidade, pela liberdade.
Vejo na televisão o acampamento juvenil da Puerta del Sol e continuo a sonhar com o acampamento no Terreiro do Paço.
Sejamos objectivos, o Terreiro do Paço, tem mais sol, tem mais Tejo, tem mais água, tem mais vista, tem barcos, já teve estaleiros que construíram os barcos que foram até à Índia, até ao Brasil, até a Malásia e ao Japão.
Penso na hipótese de uma nova Europa que ultrapasse a velha, penso nas utopias europeias de justiça para todos e sonho de novo.
A Europa, ao ponto a que chegou, precisa de novas gerações para mudar o futuro que condena as gerações à rasca. A Europa pode lá chegar, mas precisa que as novas gerações se ocupem da política, para que haja política nova.
Resumamos, entre outras coisas, a Europa política tem que se repensar, tem que fazer tábua rasa do desgraçado passsado desta última década.
A Europa política precisa dum novo tratado de Lisboa.
Assim sendo, jovens de toda a Europa, organizem-se, tragam as vossas mochilas, venham acampar no Terreiro do Paço.
E aproveitem para mandar para o espaço os políticos que continuam a vender-se aos banqueiros do costume.
Sejam exigentes, sejam capazes de exijir o impossível, nem mais nem menos, apenas isso.
O futuro da Europa e das gerações à rasca está nas vossas mãos. Grande responsabilidade a vossa.
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